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Ponte da Amizade construída sobre o Rio Paraná 34

Fonte: Agência Estadual de Notícias (AEN)

As águas superficiais são mostras visíveis da dimensão do corpo hídrico desse espaço, que também possui importante recurso hídrico em águas subterrâneas transfronteiriças: o Sistema Aquífero Guarani. Ele situa-se na porção centro-leste da América do Sul e possui área estimada em 1.087.879 km² (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2009). O Aquífero abarca porções do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai (FIGURA 3). Essas águas submersas são reservas estratégicas no contexto político do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Na Tríplice Fronteira, o Sistema Aquífero Guarani, segundo Béliveau1 (2011), está no centro da construção imaginária da riqueza da região.

                                                                                                               

1 A autora traz essa ideia a partir de entrevistas com políticos, funcionários e líderes sociais e religiosos em

Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, trabalho que resultou no artigo intitulado Representações da integração e seus

Em discussões e planos sobre essa riqueza submersa, em instâncias políticas regionais do Cone Sul, emergiu um conjunto de experiências de cooperação para as águas, que, no entanto, houve tímida participação de agentes sociais locais (RIBEIRO; VILLAR; SANT’ANNA, 2013). O Sistema Aquífero Guarani é uma fonte potencial de conflito entre os países, caso não haja entendimento e regras de cooperação entre as nações que a abrigam.

As regiões fronteiriças, em sua maioria, estão isoladas dos centros nacionais de seus respectivos países e, também, dos centros dos países vizinhos, com ausência e/ou precariedade de rede transporte e de comunicação, resultado de um peso político e econômico menor em relação aos centros nacionais. A cooperação entre vizinhos nestas áreas de fronteira tem sido feita informalmente, já que as instituições locais têm dificuldade de instrumentalizá-la (RIBEIRO; VILLAR; SANT’ANNA, 2013, p.95).

Como se tratam de águas transfronteiriças, os entendimentos mútuos ganham complicadores e exigem capacidade política de diálogo e de cooperação multilateral, que sublinhe os interesses comuns e possa trabalhar as assimetrias da região. Os desafios para a cooperação pelo uso da água na América do Sul são enormes e passam primeiramente pela discussão interna de cada país para, só assim, estabelecer negociações envolvendo os países vizinhos (RIBEIRO; VILLAR; SANT’ANNA, 2013).

Figura 4: Localização do Aquífero Guarani

Essa relação de vizinhança fronteiriça tensionada percorre a trajetória histórica na Tríplice Fronteira, a exemplo do uso compartilhado das águas para construções de hidrelétricas. No caso de Itaipu Binacional, as raízes dessa obra remontam a uma disputa territorial do Rio Paraná há dois séculos, quando não havia definição das demarcações oficiais de fronteiras, incluindo nesse bojo as águas pertencentes ao Brasil e Paraguai. Sucessivas negociações diplomáticas e conflitos sucederam-se até confluírem a alguns acordos. A hidrelétrica surge, por um lado, em cenário de embate político; por outro, emerge como estratégia para estreitar a relação entre Brasil e Paraguai. E ainda, como aponta M. Ribeiro (2006), com objetivo de ampliar a influência do Brasil sobre o Paraguai, em uma disputa de hegemonia geopolítica de poder sobre a região, que envolvia ainda a Argentina. País este que, com a presença de Itaipu, perdia força de aliança junto ao governo paraguaio.

Para os argentinos, Itaipu, além de prejudicar os interesses com relação às águas do Rio Iguaçu, poderia prejudicar o aproveitamento da represa de Corpus (projeto argentino-paraguaio); afetar a navegação do Rio Paraná; e no caso de acidente arrasar cidades principalmente Buenos Aires. (M. RIBEIRO, 2006, p.49)

A chamada Ata de Iguaçu – passo diplomático inicial para construção da hidrelétrica – teria selado o comum acordo entre governos brasileiro e paraguaio, para estudo e levantamento das possibilidades econômicas, em particular, dos recursos hídricos pertencentes aos dois países. E ainda estabeleceria que a energia eventualmente produzida pelo Rio Paraná, desde o Salto de Sete Quedas até a foz do Rio Iguaçu, seria dividida igualmente entre as duas nações. As negociações avançam para o Tratado de Itaipu, assinado em 1973. Desse acordo, por fim, surge Itaipu Binacional, empresa que seria responsável pela obra da hidrelétrica, realizada entre 1974 e 1991 (SÓRIA, 2012). Assim conta a história oficial da construção da hidrelétrica, com certo tom “pacificador” dos dois países.

É preciso lembrar, no entanto, o contexto da criação da usina, cuja construção passa pelos governos ditatoriais de Emílio Médici, do lado brasileiro, e Alfredo Stroessner, que impôs ao Paraguai 35 anos (1954-1989) de regime ditatorial, o mais longo da América Latina. No Brasil, era um momento de realização de obras com grande porte – como rodovias, pontes, barragens, usinas termoelétricas, hidrelétricas e nucleares –, no chamado período do “milagre econômico”, que tinha como um dos objetivos centrais implantar uma forte indústria de bens de capital (M. RIBEIRO, 2006). Era o momento, portanto, de imponências e tentativas de

criar um ambiente de nacionalismo exacerbado, um dos artifícios para formar base de sustentação de governos repressores.

Itaipu Binacional, pois, nasce dessa visão de megaconstruções e trajetória coercitiva de dois países, que passam a compartilhar suas águas. Essa partilha ainda hoje é geradora de impasses nos campos de disputa binacional. Nesse contexto, é emblemático um caso ocorrido em 2009, quando houve um pedido de aumento da tarifa paga pelo Brasil ao Paraguai na utilização de energia da usina de Itaipu. Justamente nesse momento, o então presidente paraguaio, Fernando Lugo, também declarou a intenção do fim da exclusividade de fornecimento de energia ao Brasil2.