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Fonte: Museu da Imagem da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu (www.cmfi.pr.gov.br

A região também é conhecida por ser um dos cartões postais da cidade. Em um mirante, localizado no Marco das Três Fronteiras, é possível ver o encontro dos rios Iguaçu e

Paraná, e os demais marcos, representados por obeliscos, em Ciudad del Este (Paraguai) e Puerto Iguazú (Argentina). Portanto, representa o encontro das três nações, símbolo da cidade que sobressai aos olhos, no caso brasileiro, sobretudo de turistas. O olhar “para turista ver” mais uma vez aparece na entrevista com moradores, em relação ao sentimento de pertencimento do local.

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Falta restaurante com preço acessível pra todo mundo, não só pra turista. Infraestrutura, dar uma melhorada, estacionamento e parquinho. E lugar pras pessoas ficarem. Pessoa que vem, que não queira consumir uma coisa, mas querer ficar também. [...] Até o turista, ele vem mesmo porque ouve falar do Marco das Três Fronteiras e acha que é grande coisa. Eles vêm e não tem... chega aqui e vê que na verdade não é nada. E o preço do artesanato é caríssimo, pra morador principalmente. Porque turista tá viajando, tem bastante dinheiro, mas para o morador [...] Pras crianças, não tem nada. Elas chegaram aqui e falaram: ‘pensei que era legal, mas a gente vai ficar muito tempo aqui?’ Já chegam, de cara, e não gostam. É uma coisa que as crianças jamais... às vezes a gente é influenciado pra passear pelos filhos. Eles falam, ‘ah, mãe, vamos sábado em tal lugar, ou domingo’. A gente acaba decidindo o lugar pelos filhos. E aqui é um lugar que não chama atenção pras crianças, pra adolescente, pra nada. Pessoa vem provavelmente, vem uma vez e só. [...] É investido bem pouco em espaços públicos, lugar que não precisa pagar é investido muito pouco, quase que nada que chama atenção. Lugar bom é o que paga. (MORADORA, 2014)

Esse depoimento remete à relação entre o lazer e a cidade, na qual emergem, segundo Rolnik (2000), conceitos antagônicos do uso do solo urbano, do lazer, dos modos de promoção, da qualidade de vida e do modelo de cidade que cada sociedade está construindo e consumindo. Por um lado, tem-se a ideia do espaço urbano reduzido a um suporte de conexão de pontos, ou seja, um simples local de acesso, para chegar aos locais onde existe prazer – tanto os espaços domésticos como os de consumo cultural ou esportivo. Outro ponto de vista enxerga o lazer mais conectado à cidade, onde há estreitamento de relação entre os cidadãos e, portanto, com funções sociais e pessoais mais identificadas com a dimensão pública da cidade. Nesse sentido, o lazer passa a ser o componente primordial da chamada qualidade de vida – termo comum do marketing imobiliário –, com base em parâmetros e escalas de valores que indicam o maior ou menor grau de nobreza dos locais urbanos. Essa visão defende uma qualidade de vida baseada em espaços segregados, onde prevalece o modelo privatista da cidade, uma vez que o espaço público e a multifuncionalidade, nas concepções arquitetônicas e urbanísticas da cidade, são postos em segundo plano, relegados à pequena escala de valor.

A dimensão pública vai perdendo cada vez mais sua dimensão política de contrato social e acaba reduzindo-se à administração do trânsito, da rede de água e de esgoto etc. Na verdade, o espaço público vai diminuindo ao ser capturado e privatizado, restando apenas e tão somente aquele necessário para a circulação de mercadorias, inclusive das mercadorias humanas; esvazia-se a dimensão coletiva e o uso multifuncional do espaço público, da rua, do lugar de ficar, de encontro, de prazer, de festa, de circo, de espetáculo, de venda. Assim, funções que recheavam o espaço público e lhe davam vida migraram para dentro de áreas privadas, tornando-se, em grande parte, um espaço de circulação (ROLNIK, 2000, p.182).

No Marco das Três Fronteiras, na parte superior, há alguns velhos bancos para sentar, grama alta, um parquinho com pouca apropriação, uma loja de souvenirs e uma lanchonete. Há também poucos ambulantes vendendo óculos, relógios e pulseiras. Pouco mais abaixo do local turístico, encontra-se a parte mais próxima do rio. Nesse cenário, resta ainda a atividade dos pescadores – labuta para os profissionais e lazer aos amadores. É possível avistar, no local, barcos de turismo, de lazer, de vigilância e embarcações comerciais. E, ainda, jet skis, além de algumas canoas e botes. Do outro lado, no Paraguai, avistam-se pescadores nas barrancas. Na Argentina, outros pescadores, além de pessoas que passeiam em uma costanera, utilizada para caminhadas e avistamento do rio.

Também encontram-se, no local, uma casa e um senhor: um pescador profissional de longa data. Os pescadores amadores conversam desconfiados, pedem para não gravar entrevistas alegando questões religiosas e outras não reveladas. A desconfiança remete posteriormente a uma indução de que talvez seja ocasionada pela ilegalidade da pesca, uma vez que se trata da época da Piracema, quando ocorre a reprodução e desova dos peixes em rios e reservatórios (novembro a fevereiro). E, por isso, há restrição da pesca de espécies nativas. Mais dispostos a conversar estão, ainda, jovens que se reúnem para divertir-se na beira do rio e refrescar-se em um mais um dia de calor no verão iguaçuense.

Volta e meia pesca, andamos de canoa aqui no Paraná. Desde os 10 anos. Vinte e poucos anos, morando aqui. [...] Se tivesse mais fácil acesso, as pessoas iam vir mais. Se tivesse mais coisas, tipo lanchonete. Acesso às coisas. Único acesso que tem aqui é uma lojinha ali no Marco e aqui na casa redonda (Espaço das Américas), que foi destruído, ficou debaixo d’água. E aqui era legal. [...] A maioria escolhe balneário porque vai e volta de carro, não sofre. É só piscina, é ruim, no calorzão aqui é cheio de árvore, fresco. É mais preguiça, ninguém gosta de entrar no barranco, ficar se sujando. A gente não liga, vai direto. Tem lugar que é ruim, outro mais fácil. Criança não vem, criança pequena fica difícil pra descer. Uma vez foi levar crianças, só no balneário, no rio na maioria ninguém traz criança. É só barranco. E é perigoso, muita pedra, escorrega lá embaixo. (O BEIRA-RIO, 2014)

No balneário, as coisas que são consumidas são pagas, sete reais um litro de água. Tudo for consumir lá dentro, se for levar de casa não é pago. Mas o que compra lá é tudo pago. Aqui não, você se diverte, leva o seu. Não paga nada, fica tranquilo. É até melhor porque fica entre família. Balneário não, é um monte de gente, daí acaba perdendo a graça. Você vai em um lugar pra se divertir, você acaba saindo no meio da confusão, geralmente dá. No rio não, é mais tranquilo. (A COSTANERA, 2014)

Podem-se destacar três aspectos da fala desses jovens que apropriam o espaço para o lazer: a dificuldade de acessar o rio, a gratuidade e tranquilidade do espaço beira-rio, em contraponto com locais pagos – os chamados balneários –, com piscinas e movimento intenso. Na primeira fala, é citada a “casa redonda”, uma referência ao chamado Espaço das Américas. Com 2.240 metros, ele foi construído pelo governo paranaense em área pertencente à União, em 1998, com a ideia de torná-lo um espaço político e cultural ligado à integração dos povos – encravado no marco simbólico. O local, no entanto, em estado de abandono, desde 2011, entrou em processo de depredação. No ano seguinte, foi repassado pela União à prefeitura de Foz do Iguaçu, por meio de uma ação da Gestão Integrada do Turismo. Resta, para esse espaço, apenas reapropriações para o lazer, por parte de alguns esportistas, conforme contam.

Abandonaram, com tudo, armário, documento, cofre, cadeiras, ar-condicionado, totalmente funcional, com estrutura toda funcionando. De ar condicionado à gaveta com registro de funcionários lá dentro, com tudo. Abandonaram, largaram. A gente viu que eles largaram, ‘ah, vamos segurar, de repente alguém vem cuidar, vamos tomar conta’. Aí o grupo de escaladores começou a tomar conta daquilo. A gente fazia revezamento lá. Um pessoal ficava durante o dia, outro ficava durante a noite. Quase três meses os escaladores dormiam e passavam o dia ali. Daí não deu conta pra ninguém tomar conta. Cuidando de vigia mesmo, de guarda. Ninguém aguentou mais, todo mundo trabalha. Ninguém se manifestou. [...] E a gente queria cuidar. Uma semana que nós abandonamos, levaram todos os [aparelhos de] ar- condicionado, cadeiras, quebraram todas as vidraças, arrancaram a fiação, e o local foi tomado por outra energia, pesada. (ESCALADOR, 2014)

Nessa descrição, o “Escalador” relata a ação de um grupo de escaladores que se apropriaram do Espaço das Américas para tentar cuidar dessa estrutura, que é usada para o esporte. Esse grupo utiliza as paredes do Espaço, feitas de pedras naturais empilhadas, para a prática da escalada urbana “artificial”, com produto natural. Os primeiros escaladores viram o potencial do local a partir das fissuras entre as rochas, entre os cimentos, que abriram possibilidade de reapropriação do espaço, por meio de subidas esportivas nos muros. Embora essa prática não seja no rio, ela acontece às suas margens, com interação direta com esse ambiente fluvial.

Tem escalador esportivo que quer graus, quer escalar muito e tal. E tem os aventureiros, que gosta de natureza mesmo, tá escalando pra estar na natureza, escalar faz parte desse pacote, né? A escalada sozinha dentro de uma sala não serve. Então o contexto todo é que faz o troço ficar bonito. [...] Isso do azul da água, o verde da vegetação e o vermelho, marrom, o laranja da rocha, isso é o que deixa o troço mágico. A água sozinha não seria tão bonita. Vamos pensar um rio com um barranco de terra, também é feia. Mas o rio com uma margem verde, é maravilhoso, né? Então essa união de tudo é que faz ficar bonito [...]. A gente sente que ainda é muito contemplativo. A gente sobe, ‘olha como tá o rio, nossa, tá prateado’, dependendo do horário. ‘Olha lá, tá laranja, tá baixo, tá sujo, tá alto, um tá represando o outro, né?’ Tem todas as visões diferentes do rio. (ESCALADOR, 2014)

A prática da escalada, em Foz do Iguaçu, chegou a ser explorada comercialmente no Parque Nacional do Iguaçu, uma vez que o local é uma concessão público-privada que permite à empresa que o gerencia trabalhar com atividades comerciais. Essa prática, no entanto, não teve êxito, segundo um depoente, devido ao espírito imbuído do escalador:

O Cânion Iguaçu (empresa) surgiu em função do rio, do esporte de aventura, esporte dentro do mato, arvorismo, enfim. E foi explorar o rafting e tentou explorar escalada. Mas escalador não paga pra escalar. Escalador quer estar livre, quer estar solto. É espírito livre mesmo. Ninguém gosta, mesmo que o cara tenha grana, não vai pagar um cara, um guia pra escalar. Ele quer descer lá e fazer a escalada dele. E daí o Cânion tinha essas restrições. O cara pra escalar, que queria escalar, tinha que contratar um guia e esse guia descer com o escalador. Ninguém quer ninguém vigiando. (ESCALADOR, 2014)