• Nenhum resultado encontrado

A Matemática ciência: aspectos do conhecimento e da actividade matemáticos-

ponto de vista matemático

A Matemática, segundo determinadas perspectivas, é vista essencialmente como uma prática ou actividade social que ocorre no seio de uma comunidade, a comunidade dos matemáticos. Philip Kitcher (1986a), utilizando em Matemáti­ ca os desenvolvimentos. da filosofia da ciência, retoma as ideias de Kuhn defendendo uma perspectiva no estudo da evolução do conhecmiento matemá­ 1 Halmos (1980) usa esta expressão como título de um artigo que encerra recomendando que os problemas devem merecer um relevo cada vez maior no ensino dá Matemática.

IV - A M atem ática e a activ id ad e m atem ática

tico que dá ênfase ao que chama “prática matemática” (mathematical practice). Para esta prática propõe cinco componentes: “uma linguagem, um dado conjun­ to de proposições, um dado conjunto de raciocínios, um conjunto de questões seleccionadas como importantes e um conjunto de perspectivas metamatemáti- cas” (p. 163). Estas perspectivas dizem respeito às normas para as definições e demonstrações, às finalidades e à estrutura da Matemática e ainda ao valor relativo dos diversos tipos de investigação que se realizam em Matemática. Trata-se assim de um conjunto de pontos de vista que, numa dada época, uma comunidade matemática aceita e com base nos quais decide, por exemplo, o que é ou não uma definição ou demonstração, ou até que ponto uma ou outra podem ser. consideradas rigorosas; ou, descreve a Matemática no seu conjunto, com os seus vários domínios e subdomínios, decidindo o que faz parte ou não da Matemática; ou, ainda,.estabelece a maior ou menor relevância da investiga­ ção que se realiza numa ou noutra área matemática.

Para Kitcher (1986b) todo o trabalho dos matemáticos é mediatizado pelas perspectivas metamatemáticas assumidas que, como diz, “podem variar de comunidade para comunidade, e que representam a sua compreensão reflexiva sobre como os objectivos mais importantes podem ser atingidos” (p. 189). Estas perspectivas, segundo o autor, são socialmente adquiridas e desenvolvem-se no seio da comunidade dos matemáticos que as incorporam muito cedo na sua formação. Esta componente da prática matemática, assim entendida, funciona como enquadramento geral e orientação da actividade do matemático e pode­ mos também reconhecer nela elementos do que Alan Schoenfeld (1992) designa por “ponto de vista matemático”.

Também para Alan Schoenfeld, a Matemática é uma “actividade inerente­ mente social” (p. 335) ou “uma actividade de produção de significado, socialmente construída e socialmente transmitida” (p. 339). Nesta actividade, diz-nos, os seus praticantes investigam as regularidades em sistemas definidos axiomaticamente ou em sistemas abstraídos do mundo real — é a Matemática considerada ciência das regularidades (science o f pattem s), como também Schoenfeld lhe chama — usando como instrumentos a abstracção, a representa­ ção simbólica e a manipulação simbólica. O domínio destes instrumentos, em sua opinião, não basta no entanto para caracterizar o pensamento matemático; aprender a pensar de forma riiatémática significa adquir uma competência e uma

IV - A M atem ática e a activ idad e m atem ática.

perspectiva específicas da Matemática. A primeira, consiste na mestria dos referidos “instrumentos do ofício” e a sua . utilização para a compreensão da Matemática; a segunda, significa possuir “um ponto de vista matemático” que se traduz na capacidade de “apreciar os processos de matematização e abstrac­ ção e ter preferência em aplicar esses processos (p. 335).

Este ponto de vista matemático — “o ver o mundo como os matemáticos o fazem” (Schoenfeld, 1992, p. 340) — é considerado por Alan Schoenfeld como uma “componente fundamental” da forma de pensar matemática, sendo caracterizado por um conjunto determinado de “hábitos e - predisposições”, “padrões de pensamento, afecto e acção”, “modos de pensar e de ver” e- “valores e perspectivas” (p. 341). Exemplificando para o caso da Matemática* o autor, inclui, como elementos de uma predisposição numa pessoa para esta- ciência (mathématical disposition), a “preferência para quantificar e construir modelos” e o “hábito em ver os fenómenos em termos matemáticos” o que,^ segundo o autor, se pode verificar pela natureza matemática das questões que coloca perante um fenómeno ou situação e da linguagem utilizada, bem como pela existência de “padrões típicos de raciocínio matemático” na sua aborda-. gem dos problemas (p. 341).

Destacam-se, assim, a este respeito, duas ideias essenciais. Em primeiro lu­ gar, a ideia de que saber Matemática e pensar matematicamente integram um conjunto de concepções e preferências relativas à Matemática e à investigação“* matemática — o ponto de vista matemático — que, de algum modò,- são condição desse saber e pensar matemáticos. Em segundo lugar, que este pontó - de vista matemático se adquire e desenvolve em interacção como os membros da comunidade a que se pertence e que, sendo socialmente construído, introduz no conhecimento uma componente social.

Lógica e intuição

A apresentação euclidiana deu à Geometria o estatuto de ciência da . de­ monstração por excelência e, desde aí, não mais se deixaria de associar, = à actividade matemática, o raciocínio dedutivo, entendido como o encadeamento lógico de proposições que partem de um conjunto de premissas (ou axiomas) que se sabem (ou supõem) verdadeiras, até à conclusão final que assim assume o

IV - A M atem ática e a activ id ad e m atem ática

carácter de verdade necessária. A Geometria tomou-se, deste modo, o terreno privilegiado para o exercício do pensamento lógico, ao mesmo tempo que, sendo o primeiro sistema dedutivo a ser formalizado, vai servir de modelo a outros sistemas deste tipo e estender* a todos os domínios da Matemática, a ênfase nos aspectos dedutivos (Davis, 1981). Dedução, rigor, lógica, aparecem assim indissociáveis da Matemática e do pensamento matemático e, mais do que isso, sobrepondo-se a outros aspectos, tendem a esgotar, por si sós, a caracteri­ zação da actividade matemática.

Henri Poincaré (1970), ao analisar a natureza do raciocínio matemático, põe em causa o carácter exclusivamente lógico e dedutivo da Matemática. Se tal se verificasse, se todas as proposições matemáticas se extraíssem umas das outras com recurso às leis da lógica, a Matemática, diz-nos, não seria mais do que uma “imensa tautologia” e todos os seus teoremas “maneiras diversas de dizer que A é A” (p. 21). Num raciocínio dedutivo, a verdade da conclusão está contida nas premissas; por isso, os silogismos nada acrescentam aos axiomas de que se parte e, desse modo, como Poincaré sublinha, só estaríamos perante um novo .teorema se partíssemos de um conjunto de axiomas novo. Se não é isto que acontece, então, diz-nos este matemático, há que reconhecer uma “virtude criadora” (p. 22) no raciocínio matemático que não existe no raciocínio pura­ mente dedutivo. Poincaré vê esta virtude no princípio de indução matemática que, utilizando a terminologia kantiana, considera “um verdadeiro juízo sintético a priori” (p. 32) e cuja evidência justifica, considerando-o como provindo de uma “intuição directa” do espírito ou como “a afirmação de uma propriedade do próprio espírito” (p. 33). Segundo Poincaré, esta intuição1 que está na base do raciocínio por recorrência e confere ao matemático a possibilidade de proce­ der indutivamente, do particular para o geral, constitui a condição de progresso em Matemática.

No entanto, há diferenças entre os matemáticos no que se refere à activi­ dade que realizam, à forma como abordam assuntos novos. A este respeito, Poincaré (1908) divide-os em dois grandes grupos que identifica como “analis­ 1 Poincaré (1908), referindo-se à intuição matemática, considera-a como “uma sensibilidade (sentiment) que nos faz adivinhar as relações e harmonias [matemáticas] escondidas” (p. 360). Será assimi uma espécie dê faculdade de adivinhação que permite captar a ordem matemática, manifestando-se sob a forma de “inspirações” ou “iluminações súbitas” que apresentam sempre “as mesmas características de instantaneidade e de certeza imediata” (p. 363).

IV - A M atem ática e a actividade m atem ática

tas” e “geómetras”,. não p o r.se.dedicarem à Análise ou Geometria, mas por se socorrerem essencialmente da lógica ou da intuição, respectivamente, no traba­ lho que realizam, qualquer que seja a área matemática a que se. dedicam. Esta divisão1 corresponderá, no fundo, aos dois estilos ou tendências do pensamento que Hilbert diz podermos encontrar na investigação em qualquer domínio científico: “a tendência para a abstracção, visando cristalizar as relações lógicas subjacentes no labirinto do material em estudo e reorganizar este material de modo sistematizado e ordenado”, e, “a tendência para a compreensão, intuitiva, proporcionando uma compreensão mais imediata dos objectos estudados, uma relação viva com eles que, por assim dizer, sublinha a significação concreta dessas relações” (Hilbert, 1990, p. iii). É também a.divisão que Hadamard (1954) faz entre , os matemáticos que pensam de um a maneira “puramente , algébrica” e os que o fazem “necessitado sempre de uma representação figurar, tiva” ou de “uma construção”, mesmo se as consideram “pura ficção” (p. 86). „ Lógica e intuição caracterizam, assim, abordagens distintas em Matemática, dois modos de pensar, correspondendo, como diz Poincaré (1908), a espíritos de natureza diferente, igualmente necessários ao desenvolvimento do,conhecimento, científico: “a lógica e a intuição têm, cada uma delas, o seu papel. Ambas , são, indispensáveis. A lógica, que por si só nos pode fornecer a certeza, é o instru-. mento da demonstração; a intuição é o instrumento da invenção” (p. 29):

Considerando que nada de novo se poderá criar. com recurso exclusivo à1' lógica e que, portanto, nenhuma ciência poderá crescer apenas comf recurso a ela, Poincaré (1948, 1970) recorre à intuição para explicar a criação matemática; Distingue no entanto diferentes tipos de intuição, referindo-se em particular à intuição sensível como sendo a que repousa na experiência, nos dados dos sentidos, e a um outro tipo de intuição — “a intuição do número puro” — que não recorre a esse testemunho e que até muitas vezes o contraria2. É este último 1 Leone Burton (2001) encontra nos matemáticos que estudou um terceiro estilo de pensa­ mento que distingue dos dois aqui mencionados. Designa-o por estilo conceptual, e apresenta-o como sendo aquele em que o pensamento recorre preferencialmente, não a símbolos (estilo analítico) ou a figuras (estilo visual ou geométrico) mas a ideias e a processos de classificação. 2 Poincaré (1948) interroga-se sobre quão separados estarão estes dois tipos de intuição e se, realmente, a intuição do número puro não recorrerá ela também à experiência. Não aborda contudo esta questão pois, em sua opinião, é “assunto para psicólogos e metafísicos” (p. 32). Considera, no entanto, as duas espécies de intuição essencialmente diferentes.uma vez que incidem sobre objectos diferentes e envolvem faculdades distintas do nosso espírito.

IV - A M atem ática e a actividade matemática

tipo de intuição que, segundo Poincaré (1948), orienta o trabalho dos matemáti­ cos analistas, ou seja, dos matemáticos de espírito lógico, e faz com que também eles possam “não só demonstrar mas também inventar1 (p. 33). A intuição sensível é a que serve os geómetras no seu trabalho criativo e Poincaré conside- ra-a “o instrumento de invenção mais vulgar” (p. 34) em Matemática.

A lógica e a intuição estão presentes na actividade matemática, a primeira desempenhando uma função essencialmente certificadora e organizadora e a segunda, uma função essencialmente criadora. A lógica tem um papel funda­ mental na organização e sistematização da Matemática enquanto corpo de conhecimentos, mas não explica o seu crescimento, nem está na base da activi­ dade . matemática enquanto actividade criativa. Inúmeros matemáticos têm também disto dado testemunho. Para A. Weil, por exemplo, a lógica pode ser a “higiene” do matemático mas “não é aquilo que o alimenta” (Fang, 1970, p. 109). Joong Fang (1970) considera que, se um matemático pretender ser criativo e realmente descobrir algo de novo terá que arriscar-se pelos caminhos incertos da “tentativa-e-erro”, em novas direcções ou procurando novas ideias, terá que fazer conjecturas, “experiências de pensamento (thought experiments) em termos, matemáticos” (p. 118), como lhes chama. Morris Kline (1970), como Poincaré, considera que com a lógica nada se descobre em Matemática e que, se a lógica pode constituir uma “norma” ou “obrigação” em Matemática, “ela não é a essência” (p. 2 7 2) desta ciência.

Trabalho individual e colaboração

. Como vimos, não há. uniformidade na forma como os matemáticos abor­ dam assuntos novos e Poincaré (1948) agrupa-os em analistas e geómetras, consoante a primazia que têm, nessa abordagem, a lógica ou a intuição. Do mesmo modo, Hilbert (1990), como igualmente foi referido, salienta esta divisão entre os matemáticos, que alarga aos outros cientistas, distinguindo entre uma

1 Como Poincáré (1908) assinala, uma demonstração não é meramente uma justaposição de silogismos e a ordem pela qual estes estão dispostos é mais importante que os próprios silogismos; considera que esta ordem pode ser intuída e que é a sua intuição que possibilita “ a compreensão num relance do conjunto do raciocínio” (p. 360). Podemos assim dizer que a intuição, está na base da actividade criativa, da descoberta e invenção matemáticas, mesmo quando está em jogo a demonstração de um teorema.

IV - À M atemática è a actividade m atem ática

tendência para a abstracção e uma tendência para a compreensão intuitiva nò trabalho de investigação que realizam.

Mais recentemente, também Moshé Flato (1990) considera possível agru­ par os matemáticos em dois grandes grúpós “muito diferentes”, de acordò com o modo como realizam a sua actividade de investigação. Num priméiro grupo, que identifica como “newtoniano”, inclui os matemáticos que trabálham sobre o contínuo e numa relação privilegiada com a mecânica. Trátam-se, como nos diz, de matemáticos que, “partindo de equações diferenciais, são sempre capazes de imaginar um modelo mecânico subjacente ao seu pensamento” (p. 32). Num segundo grupo, que sugere poder denomiriar-se “pitagórico”, inclui os matemá­ ticos que trabalham com o discreto, como a teoria dos números, ê em-quê o seu pensamento, “mais abstracto”, não tem qualquer suporte mecânico. Pódémòs reconhecer aqui também a divisão proposta por Poincaré e Hilbert quê, como eles, Flato considera corresponder a “duas tendências profundas e persistentes- do pensamento matemático” (p. 33). Este último autor, no entanto, salienta què as duas tendências sempre mantiveram relações estreitas e que hoje em dia estão cada vez mais próximas uma da outra. Em sua opinião, a maioria das aquisições" actuais mais ricas da Matemática tem origem em domínios diferentes em ciijo cruzamento “mergulham as suas raízes, daí se alimentando e integrando-os numa espécie de multidisciplinaridade interna à Matemática” (p. 33). O exemplo que nos dá é a noção de grupo nascida do “pensamento discreto”, cujas raízes- penetraram hoje no “pensamento contínuo”, tendendo a unificar áreas matemá­ ticas cuja evolução decorreu sempre de forma muito separada. ..

Na sua evolução, o conhecimento matemático tem sofrido um processo de progressiva especialização, como tem acontecido com todo o conhecimento científico. A esta especialização ou movimento analítico e desagregador, tem vindo a contrapor-se um movimento agregador, sintético, uma tendência de’ unificação da Matemática. Além disso, se por um lado a especialização concorre para uma situação de incomunicabilidade entre domínios cada vez mais especia­ lizados e entre os especialistas que aí trabalham, por outro lado, como diz Flato (1990), dá origem a domínios ainda mal definidos cujo estudo obriga ao esforço conjunto de especialistas de áreas diversas, muitas vezes organizados em equipas de trabalho.

IV - A M atem ática e a actividade m atem ática

Uma ideia muito divulgada é a de que o matemático trabalha sozinho e de que, nesse trabalho, lhe bastam os livros e 1 papel e lápis. Em outras ciências fala- se em trabalhos realizados por dois ou mais cientistas, em equipas de investiga­ ção, em laboratórios e equipamento sofisticado. É o que Jean Dieudonné (1990a) defende quando afirma que, ao contrário das ciências experimentais, a Matemática não se faz num laboratório; para fazer investigação matemática, diz- nos, “são apenas necessários uma folha de papel e uma boa biblioteca” (p. 24). Este matemático considera ainda que, em Matemática, o trabalho de pesquisa tem, geralmente, carácter individual enquanto que nas ciências experimentais a investigação é conduzida por equipas. Em sua opinião, isto acontece pela necessidade que. os matemáticos têm de reflectir “em silêncio e na solidão” (p. 24), o que no entanto, acrescenta ainda, não significa que não existam trabalhos de cooperação que assumem principalmente o carácter de troca de ideias e confronto de resultados obtidos em trabalho isolado. Na verdade, diz- nos Dieudonné, “são raros os matemáticos (...) que podem trabalhar muito tempo e de modo frutífero em quase completo isolamento; (...) a maior parte desencoraja-se se não tiver meio de comunicar frequentemente com os seus colegas (...) tanto mais que a natureza abstracta das suas pesquisas tom a difícil a troca, de ideias com não matemáticos (p. 24). Para Dieudonné, portanto, a actividade matemática é de natureza essencialmente individual e o trabalho em equipa, intencional e sistemático, não parece ser uma característica essencial do trabalho dos matemáticos. No entanto, não significa que não reconheça na comunicação e interacção entre os matemáticos, um papel importante nessa actividade, funcionando como estímulo e fonte de ideias.

• Também Moshé Flato (1990) reconhece que tradicionalmente os matemáti­ cos trabalham quase sempre sozinhos e “em geral sem necessidade de mais equipamento que papel, lápis e uma biblioteca, para o seu trabalho de investiga­ ção propriamente dito” (p. 24). Todavia, combatendo a ideia de que só nas ciências ditas experimentais se pratica o trabalho de cooperação ou em equipa, este matemático chama a atenção para a existência, cada vez mais frequente, de problemas para cuja resolução concorrem especialistas de diversas áreas mate­ máticas. Este concurso, como nos diz, “é por vezes voluntário e organizado no quadro de um trabalho de equipa, mas é também, com muita frequência, sim­ plesmente uma espécie de confluência* cada um, em domínios que podem ser

IV - A M atem ática e a actividade m atem ática

muito diversos, colocando a . sua pedra no. edifício, até que um arquitecto bri­ lhante gize uma construção original” (p. 25). O processo de especialização que tem vindo a acontecer na Matemática faz surgir problemas novos em‘ zonas onde se encontram domínios ainda mal definidos. Estes problemas obrigam ao trabalho conjunto de matemáticos de diferentes áreas e, por esta razão, diz-nos Flato, nos dias de hoje, “ainda que o essencial d a s . actividades matemáticas permaneça constituído pelo trabalho de pesquisa individual, acumulam-se os exemplos de tais trabalhos colectivos” (p. 27). . . .

Sobre o lugar e a importância do trabalho de colaboração em investigação matemática, Alan Schoenfeld (1992) vai mais longe e considera que êsta forma de trabalho em Matemática constitui uma das alterações significativas na prática dos matemáticos nas últimas décadas. Para este autor uma dás três mudanças recentes a este nível “consiste em que fazer Matemática é visto cada vez mais como um acto social e de colaboração” (p. 344). Schoenfeld dá vários exemplos onde a actividade matemática assumiu uma forma “de elevada colaboração”: na teoria dos números, nos desenvolvimentos matemáticos associados a tomografia assistida por computador e na demonstração de algumas conjecturas. Os teste­ munhos que reproduz, evidenciam o reconhecimento do trabalho dé colaboração como fonte de prazer e entusiasmo, como fonte de estímulo e de maior eficácia, contribuindo para que os intervenientes se ultrapassem a si próprios e para a complementaridade das contribuições de cada interveniente: No entanto, para lá destas virtudes, diz-nos este autor, há hoje perspectivas sobre o conhecimento que reconhecem à prática de colaboração um papel mais importante e de natureza epistemológica, sustentando que pertencer a uma comunidade matemática “é uma parte daquilo que constitui o saber, e o pensa­ mento matemático” (p. 344).

O trabalho individual tem sido e continuará certamente a ser uma compo­ nente essencial no trabalho dos matemáticos. Se, historicamente, os exemplos dé trabalho conjunto em Matemática poderão ser considerados de excepção — e os casos mais citados são os trabalhos de Russel e Whitehead e de Hardy e Littlewood — a ideia de que o trabalho em equipa não faz parte da forma de trabalhar dos matemáticos, parece não corresponder à situação actual ein investigação matemática. Há cada vez mais exemplos de áreas onde essa form a:' de trabalho se pratica, o que também se evidencia pela autoria partilhada dos

IV - A M atem ática e a actividade m atem ática

artigos de investigação publicados. Leone Burton (1999) considera que “um dos resultados mais importante” do seu estudo é a constatação de que a pesquisa em Matemática nos dias de hoje deixou de ser exclisivamente caracterizada por uma prática individualista, desenvolvendo-se num ambiente em que a “colabo­ ração ou cooperação são predominantes” (p. 137). A interacção entre os matemáticos, todavia, sempre existiu — basta pensar na correspondência que

Documentos relacionados