• Nenhum resultado encontrado

2.10 NANOTECNOLOGIA

2.10.2 Pontos quânticos

Os pontos quânticos ou QDs (do inglês Quantum dots) são nanocristais (1 - 10 nm) fluorescentes compostos por materiais semicondutores formados por centenas a alguns milhares de átomos, que apresentam propriedades ópticas únicas e distintas de cristais da mesma composição em escala macroscópica (CARVALHO et al., 2014). QDs são formados a partir de combinações de elementos semicondutores da tabela periódica, sendo referidos como nanocristais dos grupos II-IV ou 12-16 (ex.: CdSe, CdTe), III-V ou 13-15 (ex.: InP e InAs) e IV-VI ou 14-16 (ex.: PbSe) (CHAN et al., 2002; ERWIN et al., 2005).

Os semicondutores são sólidos cristalinos que apresentam uma condutividade intermediária entre condutores e isolantes. Isso acontece porque esses materiais apresentam uma banda de valência (BV) repleta de elétrons separada de uma banda de condução (BC) por um band gap de energia (Eg), sendo Eg a energia mínima que os semicondutores precisam receber (fótons no ultravioleta ou visível, à temperatura ambiente têm energia suficiente para promover elétrons da BV para BC, por exemplo) para que os elétrons passem da BV para a BC, resultando em condutividade elétrica (SMITH; NIE, 2010). Em materiais isolantes, a Eg é elevada,

impedindo a passagem de elétrons para a BC, e nos materiais condutores, a BV e a BC são contínuas, favorecendo a passagem de elétrons entre as bandas (Figura 23).

Figura 23. Diferença na energia do band gap para materiais isolante, semicondutor e condutor.

Fonte: < https://www.halbleiter.org/images/fundamentals/conductors-insulators- semiconductors/baendermodell.gif >.

Ao receberem energia externa através de fótons, os elétrons da BV nos semicondutores, que apresenta menor energia que a BC, passam para a BC, gerando um par elétron-buraco conhecido como éxciton (Figura 24). O éxciton possui uma vida de poucos nanossegundos e depois sofre um decaimento energético para BV denominado de recombinação excitônica, a qual resulta na emissão de fluorescência. Em escala nanométrica, os elétrons e buracos são submetidos a um forte confinamento quântico, o qual contribui para as propriedades ópticas únicas nos QDs (CUI et al., 2015; MILLO et al., 2015).

O confinamento quântico ocorre em materiais semicondutores quando uma das dimensões é fisicamente menor que o raio de Bohr do material, funcionando como uma barreira limitante do movimento dos elétrons em uma ou mais direções do material (VALIZADEH et al., 2012). Quando se tem uma estrutura tridimensional, o confinamento quântico pode ocorrer nas três dimensões do material, o movimento dos elétrons fica limitado tridimensionalmente, formando níveis de energia discretos que também podem ser ocupados por elétrons. Quando o confinamento quântico é tridimensional, a nanoestrutura é denominada QD (CARVALHO et al., 2014). Um

exemplo são as partículas de CdTe (Telureto de Cádmio), que só podem ser consideradas como QDs quando o nanocristal for menor 7,3 nm, uma vez que o raio de Bohr de CdTe é 7,3 nm (MEDEIROS NETO et al., 1991).

Figura 24. Esquema de formação de um éxciton.

Fonte: Adaptado de < https://www.halbleiter.org/images/fundamentals/conductors-insulators- semiconductors/baendermodell.gif >.

Além disso, o confinamento quântico permite o controle do comprimento de onda no espectro eletromagnético em que o QD irá emitir em função do seu tamanho, devido a alterações da Eg (Figura 25). No confinamento quântico, a Eg pode aumentar ou diminuir com o tamanho do nanocristal, sendo importante seu controle durante a síntese do nanocristal, permitindo a obtenção de QDs específicos com diferentes comprimentos de onda de excitação e emissão (MICHALET et al., 2005). Sabendo-se que a Eg é inversamente proporcional ao diâmetro da partícula e que a energia é inversamente proporcional ao comprimento de onda, pode-se observar que quanto menor a partícula, maior é a Eg, e a emissão será em menores comprimentos de onda (em direção à região do violeta), enquanto partículas maiores apresentam menor Eg e emissão em direção à região do vermelho (PROTESESCU et al., 2015).

Figura 25. Variação da luminescência e energia do band gap com o tamanho dos QDs.

Fonte: Adaptado de <http://www.scielo.br/img/revistas/qn/v40n4//0100-4042-qn-40-04-0436- gf01.jpg >.

Os QDs têm sido utilizados como marcadores fluorescentes biológicos, apresentando algumas vantagens em relação aos fluoróforos convencionais, tais como largo espectro de absorção, podendo partículas que emitem em diferentes regiões do espectro ser excitadas por uma única fonte de luz, e fotodegradação reduzida, permitindo estudos em função do tempo e com luminescência mais intensa (RESCH-GENGER et al., 2008).

A síntese de nanocristais tem passado por várias modificações. Inicialmente, os QDs eram preparados em meio orgânico e apresentavam fluorescência elevada. Mais tarde, QDs também eram preparados em meio aquoso com agentes estabilizantes, como o tioglicerol (CHAN et al., 2002; UNNI et al., 2009). Porém, a síntese aquosa pode resultar em nanocristais de baixa qualidade, com pouca fluorescência e elevada variação no tamanho (CHAN et al., 2002), devido à interferência dos defeitos de superfície, principalmente nos nanocristais de menor tamanho, onde a área superficial é maior. Esses defeitos levam à formação de níveis intermediários entre a BV e a BC, fazendo com que o elétron sofra uma perda de energia gradativa até chegar à BC, reduzindo assim a eficiência de fluorescência.

Mais tarde, pesquisadores conseguiram solucionar o problema dos defeitos de superfície quando obtiveram nanocristais de CdSe altamente fluorescentes, com estrutura de cristal quase perfeita e pequena variação de tamanho, a partir de um processo organometálico de alta temperatura, conhecido como passivação, que consiste na deposição de uma camada de cobertura superficial (casca) denominada camada de passivação, composta por um material semicondutor com um maior band

gap do que o material do núcleo do nanocristal (CHAN et al., 2002). Um exemplo é o

uso do ZnS como camada de passivação em QDs de CdSe (BARANOV et al., 2003). Apesar de o ZnS possuir maior band gap que o CdSe, o comprimento da ligação Zn- S é semelhante ao da ligação Cd-Se, favorecendo a formação de uma fina camada de ZnS no núcleo CdSe, formando nanocristais com estrutura denominada core/

shell (núcleo/ casca), conforme mostrado na figura 26.

Assim, QDs apresentam uma estrutura composta por várias camadas. O núcleo determina a emissão do nanocristal, a camada de passivação determina a intensidade da emissão e a fotoestabilidade, e ainda uma camada orgânica funcionalizante, que determina a estabilidade química e atua na marcação do sistema biológico de interesse, fornecendo grupos funcionais para conjugações com biomoléculas. Os agentes estabilizantes utilizados na síntese de QDs coloidais atuam na adição de cargas aos nanocristais, evitando a aglomeração no coloide, além da presença de grupamentos contendo enxofre (ex.: grupamento tiol (-SH)), que auxiliam na formação da camada de passivação (DING et al., 2014; ZHU et al., 2014). Os QDs são considerados coloides constituídos por uma fase dispersa sólida e uma fase dispersante líquida.

No geral, QDs são sintetizados pelo método de síntese química coloidal, baseada numa reação de precipitação sob pH e/ou temperatura controlados, em água ou em solventes orgânicos (CABRAL-FILHO et al., 2016). Na síntese em meio aquoso, primeiro prepara-se uma solução aquosa contendo um sal de metal de transição (elementos do grupo 12 da tabela periódica, como o Cádmio) e um agente estabilizante, que controla o crescimento do núcleo inicial. Em seguida, é induzida a redução de um calcogênio (elementos do grupo 16, como o Telúrio e o Selênio) utilizando um agente redutor. O calcogênio reduzido é então adicionado à solução

aquosa contendo o sal de metal de transição e o agente estabilizante, e são mantidos em reação sob temperatura controlada, durante o tempo necessário para obtenção do nanocristal num determinado tamanho. Quanto maior o tamanho, maior o tempo requerido para finalizar a síntese.

Figura 26. Esquema de um QD, destacando a estrutura core/ shell e a camada estabilizante/funcionalizante.

Fonte: A autora (2017).

Neste trabalho, foram utilizados como precursores para formação dos nanocristais o perclorato de cádmio (Cd(ClO4)2) e o telúrio reduzido (Te-2), junto com

o ácido mercaptosuccínico (AMS), o agente estabilizante da reação (CUNHA et al., 2018). Inicialmente, o Cd(ClO4)2 foi misturado com o AMS e em seguida, o pH foi

ajustado para 10,5 com hidróxido de sódio (NaOH), sob agitação. O sistema foi mantido em atmosfera inerte e sob aquecimento (~110°C), e posteriormente foi adicionada uma solução aquosa contendo o telúrio reduzido através do reagente boridreto de sódio (NaBH4)a partir do telúrio metálico (Te0) sob atmosfera inerte e

aquecimento (~110 °C). O sistema agora foi mantido sob agitação constante e temperatura em torno de 110ºC, durante 6 – 8h. A proporção molar utilizada na síntese foi Cd: Te: AMS = 5: 1: 6, resultando em nanopartículas de CdTe passivadas com CdS (Sulfeto de cádmio) e estabilizadas/funcionalizadas com AMS, com emissão de luz vermelha.

Entre os agentes estabilizantes mais utilizados, pode-se destacar o AMS, o ácido mercaptopropiônico (AMA), a L-cisteína (CIS) e a cisteamina (CISTM), os quais apresentam em comum o grupamento (-SH), e grupamentos funcionais como ácido carboxílico (-COOH) e amina (-NH2) (SCHEJN et al., 2014; BAG et al., 2015;

LIN et al., 2015; CABRAL-FILHO te al., 2016; DIAZ-DIESTRA te al., 2017). O enxofre auxilia na formação da camada de passivação, e o restante da molécula fornecerá cargas aos nanocristais, mantendo-os afastados em suspensão, além de participar da funcionalização dos QDs e favorecer a conjugação a biomoléculas (ex.: proteínas).

A bioconjugação de QDs é uma etapa relevante e fundamental quando se quer obter uma marcação fluorescente específica. Uma biomolécula de reconhecimento (anticorpo, oligonucleotídeo de DNA, lectina), pode ser conjugada ao QD a partir da adsorção ou ligação a grupamentos funcionais na superfície do nanocristal por meio de diferentes mecanismos. Entre os tipos de conjugação de QDs com biomoléculas pode-se destacar: adsorção não covalente; conjugação covalente utilizando etil-3-(3-dimetilaminopropil carbodiimida) (EDC) e N- hidroxisuccinimida (Sulfo-NHS); conjugação covalente utilizando glutaraldeído e interação de QDs funcionalizados com avidina/ estreptavidina com biotina (SAPSFORD et al., 2006; BIJU et al., 2010).

A adsorção é um mecanismo simples de conjugação, baseado em interações fracas do tipo eletrostáticas e hidrofóbicas entre a biomolécula e a superfície do QD, mantendo a atividade biológica da biomolécula, além de dispensar o uso de outras substâncias e ser economicamente favorável (CUNHA et al., 2018).

O EDC e o Sulfo-NHS são considerados agentes de acoplamento, os quais permitem a conjugação covalente da biomolécula ao QD através de ligações amidas. O EDC reage com grupos carboxílicos presentes na superfície do QD (ou na biomolécula), formando um intermediário instável, a o-acilisouréia, que precisa ser estabilizado para se obter a ligação amida no final. O Sulfo-NHS é então adicionado para reagir com o-acilisouréia e gerar um intermediário Sulfo-NHS éster, o qual interage com a amina primária presente na biomolécula (ou no QD), e forma ligação amida estável entre o QD e a biomolécula, concretizando a conjugação covalente via EDC/ Sulfo-NHS.

As desvantagens deste mecanismo é a necessidade de purificação do conjugado obtido, possibilidade de reação cruzada e problemas de reprodutibilidadee e agregação (SAPSFORD et al., 2006)

O glutaraldeído é uma molécula que possui dois grupamentos aldeídos, um em cada extremidade, promovendo a conjugação covalente a partir da reação dos grupamentos aldeídos com grupos aminas presentes no QD e na biomolécula de interesse, formando bases de Schiff. É importante utilizar o glutaraldeído em baixas concentrações (< 1%) para evitar ligações indesejáveis e inativação das biomoléculas (JIANG et al., 2012).

A avidina e a estreptavidina são proteínas com elevada afinidade pela biotina que podem interagir com a superfície de QDs funcionalizados com grupamentos tióis e ácidos carboxílicos, e servir como ponte para conjugação de QDs com proteínas marcadas com biotina, como anticorpos biotinilados. Dessa maneira, o anticorpo biotinilado pode ficar imobilizado à superfície do QD, formando um conjugado específico para imunomarcação (SAPSFORD et al., 2006; BIJU et al., 2010).

Um método que pode ser utilizado para confirmar o sucesso da bioconjugação é o ensaio fluorescente em microplacas, através da detecção de fluorescência dos QDs conjugados introduzidos nas placas. Os QDs não conjugados não se ligam à placa, portanto são removidos durante a lavagem e não fluorescem (controle negativo). Quando conjugado a proteínas como anticorpo, este se liga à placa, e o bioconjugado permanece ligado à placa após a lavagem, havendo emissão de fluorescência (CARVALHO et al., 2014).

No caso de algumas lectinas como Con A, que não se liga à placa, é feita antes uma etapa de revestimento da placa com um polímero do carboidrato específico da lectina, e em seguida o conjugado QD-lectina é introduzido. A lectina se ligará à placa revestida com seu carboidrato específico e após a lavagem, o bioconjugado permanece ligado e emite sinal fluorescente. Para que a conjugação seja confirmada, os conjugados devem apresentar no mínimo 100% de aumento da intensidade relativa de fluorescência (FR) quando comparados ao controle, uma vez que a marcação específica de células é obtida a partir de 100%. O aumento da intensidade de fluorescência pode ser calculado utilizando a seguinte equação (CARVALHO et al., 2014):

Como demostrado na equação, a fluorescência do bioconjugado corresponde à intensidade de fluorescência emitida pelo bioconjugado e a fluorescência dos controles corresponde à média da fluorescência emitida pelos controles (QDs e biomoléculas separados, sozinhos).

QDs conjugados a biomoléculas de reconhecimento representam um avanço no rastreamento e obtenção de imagens fluorescentes em tempo real de mecanismos intracelulares e fisiológicos, bem como na detecção específica de doenças e microrganismos. Bioconjugados formados por QDs e lectinas têm sido marcadores fluorescentes promissores no estudo de alterações na expressão de glicanos e glicoproteínas em amostras biológicas, na pesquisa de novos biomarcadores associados a doenças como o câncer e na detecção de patógenos como Candida albicans (ANDRADE et al., 2013; TENÓRIO et al., 2015; CUNHA et al., 2018). Aqui, QDs de CdTe foram conjugados à Cramoll 1,4 por adsorção, e empregados no ensaio fluorescente em microplaca para analisar alterações no perfil glicoproteico em amostras de soro de pacientes com HBP e CaP.

A habilidade das lectinas de ligação a carboidratos junto às propriedades ópticas dos QDs fazem desses conjugados potenciais ferramentas para microscopia, histopatologia molecular e diagnóstico de doenças. SANTOS et al., 2006 desenvolveram bioconjugados de QD - lectina para marcação de fibroadenoma mamário utilizando QDs CdS/Cd(OH)2 conjugados com ConA, e os resultados

mostraram um padrão de marcação fluorescente similar à marcação com peroxidase.

Outro trabalho relata o uso de bioconjugados do QD de CdTe com as lectinas ConA e UEA I (Ulex europeaus agglutinin I) para investigar o padrão de expressão de carboidratos em tecidos mamários normais, fibroadenoma (benigno) e carcinoma ductal invasivo (maligno), sendo possível observar nas imagens fluorescentes diferença na distribuição de carboidratos em todos os tecidos analisados (ANDRADE et al., 2013). Bioconjugados de CdTe com ConA também foram eficientes na marcação de C. albicans em suspensão e biofilmes, a partir do reconhecimento de

resíduos de glicose e manose na superfície celular de C. albicans pela ConA (TENÓRIO et al., 2015). QD de CdTe conjugados à lectina Cramoll 1,4 também mostraram potencial para marcação de células de C. albicans (CUNHA et al., 2018).

Assim, bioconjugados QD - lectina são alternativas promissoras na pesquisa de microrganismos e na investigação de padrões de glicosilação e perfis glicoproteicos associados a doenças.

Documentos relacionados