• Nenhum resultado encontrado

Com isso, antes de qualquer apresentação de personagens ou enredo, temos uma mediação direta e um apelo de simpatia para com um espaço geográfico determinado e sua paisagem humana, ora evocada no agradecimento. A cidade mimetizada em imagens exuberantes e na carismática melodia da canção torna-se, logo de saída, a grande personagem de Rio 40 graus, que, em relação ao desenvolvimento dramático, deixa escapar certo nível da convenção de gênero na encenação para – ao contrário de Agulha no palheiro – assumir-se como uma mise-en-scène de extração documental.

56

Nelson Pereira dos Santos e dois de seus filmes de longa-metragem (Rio Zona Norte/1957 e Jubiabá/1987), bem como a emergência do sambista Zé Kéti enquanto homem de cinema, constituem tópicos que voltarão a ser abordados nos próximos capítulos deste estudo. Cabe, por ora, de acordo com a finalidade deste capítulo, um breve levantamento sobre o tratamento musical e a presença da canção popular em Agulha no palheiro e Rio 40 graus.

Glauber Rocha tomou-os como um díptico decisivo, de importância proporcional ao que de fracasso representou no período a dissolução do frágil sistema nacional de estúdios, capaz de plasmar as coordenadas de um novo cinema a surgir, então, na década seguinte com um modelo de produção sustentável, estética própria, não necessariamente de padrão púnico, e conteúdos alinhados à realidade contraditória e diversificada do país.

Se em 1952 Alex Viany introduzia no programa de uma produção pequena (Moacyr Fenelon) o neo-realismo no Brasil com Agulha no

palheiro e Rio 40 graus surgiria em 1954, logo depois do desastre da

Vera Cruz – o que se verifica no triênio 52-53-54 é o primeiro momento de ruptura na história do nosso cinema, o mais fertilizante para os anos sucessivos até os frutos mais definidos de 1962. Sendo o decênio de 50, como já vimos antes, o mais trágico no período da Vera Cruz; o mais pernicioso na edificação de um subprofissionalismo; o mais antieconômico na permissão dos trusts nacionais e estrangeiros, é também, no triênio apontado, a fase decisiva, porque significa a primeira tomada de consciência cultural e política do cinema brasileiro (ROCHA, 2003, p. 99).

Ainda que se desconte, em mais esse trecho do texto de 1963, o tom apaixonado do diagnóstico de Glauber, que por objetivos pragmáticos relata a história com o claro intuito de ao mesmo tempo refazê-la, o diretor-ensaísta demonstra lucidez e visão sistêmica ao apontar Nelson Pereira dos Santos como a figura-chave de mobilização da produção independente ao longo de uma década, presente nos dois extremos dos anos 1950, e indo além. Retratar a identidade nacional torna-se uma preocupação que servirá de eixo aos mais diversos matizes da expressão cinematográfica. E os compositores mais atuantes nas trilhas sonoras, vinculados ao nacionalismo musical, não deixarão de reverberar essa pauta em suas criações.

De modo geral, o engajamento e as proposições estético-ideológicas encontravam respaldo na força da ação entre amigos posta em marcha ainda antes de Agulha no palheiro, desde pelo menos 1951. Devido à pronta identificação de

57

pensamento e interesses comuns, tal empuxo pavimentou uma rede de relações e parcerias que atravessou a década e, não se limitando às produções independente do eixo Rio-São Paulo, contribuiu decisivamente para a concretização de produções em núcleos mais distantes geograficamente, que rompiam o isolamento e ganhavam força; a exemplo de Barravento, projeto catalisador do cinema novo na Bahia, durante o período 1959-1961.

O saci

1951 é quando Rodolfo Nanni – que acabara de voltar a São Paulo depois de estudar no IDHEC (Instituto de Altos Estudos Cinematográficos), em Paris – recruta Nelson Pereira dos Santos e Alex Viany para trabalharem como assistentes de direção em O saci. Primeira adaptação para o cinema da obra de Monteiro Lobato, o filme, se segue a estilística convencional da linguagem clássica, faz da linearidade e da transparência seu melhor engenho ao apresentar – superando as dificuldades de uma produção independente – encenações honestas do mundo mágico e bucólico de Lobato, rodadas em Ribeirão Bonito (SP), com atuações cativantes e um resultado que confere o exato tom de brejeirice aos personagens do Sítio do Picapau Amarelo, sem recair na tipologia caricata.

O saci ficaria pronto somente dois anos depois, intervalo de tempo suficiente para Viany dirigir Agulha no palheiro, com produção chefiada por Fenelon e assistida por Nelson, que, por sua vez, realizaria na sequência seus dois primeiros trabalhos na função de diretor – Rio 40 graus (1955) e Rio zona norte (1957). Enquanto isso, como produtor, Nelson Pereira dos Santos assinaria O grande momento (1957-1958), comédia social meolodramática, dirigida por Roberto Santos, sobre um jovem operário do Brás (Gianfrancesco Guarnieri) que vende a própria bicicleta para bancar as despesas da festa de casamento.

No momento seguinte, além de tentar rearticular-se para dirigir uma nova produção, Nelson – que, em decorrência de uma má partilha com distribuidores, termina por amargar prejuízo com Rio zona norte e O grande momento – precisa atuar como jornalista para sobreviver36. Antes de lançar seu terceiro filme, Mandacaru Vermelho

36 Glauber Rocha, em Revisão crítica do cinema brasileiro, assim resume os altos e baixos de

Nelson Pereira dos Santos no período: “foi às cortes europeias, (...) ganhou tranquilamente seu prêmio [por Rio 40 graus] no Festival de Karlov-Vary (...) esteve nas páginas dos maiores jornais, foi elogiado

58

(1960), rodado de modo improvisado no sertão baiano37, o realizador dedica-se à montagem de Barravento (1961), que marca a estreia de Glauber Rocha no longa- metragem. Logo estaria em vigência o cinema novo e Nelson toma parte no projeto que iria oficialmente inaugurar o movimento. O diretor, uma vez mais, faz a montagem do curta Pedreira de São Diogo, com direção de Leon Hirszman, que integra o longa Cinco vezes favela, súmula de uma nova etapa na cinematografia nacional.

Ação entre amigos

Além de Nelson Pereira dos Santos e Moacyr Fenelon, outros profissionais marcam presença em mais de uma das produções independentes realizadas no período 1951-1961. Apesar da proposta de radical confronto com os anseios industriais outrora dominantes, essa produção inevitavelmente recorreu aos quadros egressos dos filmes de estúdio, nos quais, inclusive, muitos profissionais continuariam trabalhando. No corpo- a-corpo da atividade cinematográfica, as dicotomias, muitas vezes, tendiam a se diluir e as colaborações ocorriam com frequência, ao contrário do que a historiografia pode, de modo geral, fazer supor.

Os exemplos são fartos. Jece Valadão (Barnabé, tu és meu; Amei um bicheiro, Rio 40 graus, Rio zona norte, Mulheres e milhões, Os cafajestes etc.) e Paulo Goulart (O barbeiro que se vira, Rio zona norte, O grande momento, Cala boca, Etelvina etc.). Os fotógrafos Mário Pagés (Tudo Azul, Agulha no palheiro, Rua sem sol, Sinfonia carioca, Baronesa transviada etc.) e Hélio Silva (assistente em várias produções do estúdio paulista Multifilmes e Agulha no palheiro; além de Rio 40 graus, Redenção, Rio zona norte, O grande momento, Mandacaru vermelho, A grande feira etc.). O montador Nelo Melli (produções de estúdios argentinos, Mandacaru vermelho, Os cafajestes etc.). pelos mais importantes críticos, participou de um Congresso Internacional de Cineastas – e chegado ao Brasil estava falido, porque Rio 40 graus, embora rendesse muito, teve suas rendas engolidas pelos distribuidores. Com muito cartaz e sem um tostão no bolso (...); queimado pelos produtores profissionais (...); perseguido pelos cotistas (...); calmo e lúcido, (...), partiu, articulado como pôde, para dois projetos mais ousados: Rio Zona Norte (...) e O grande momento (...) Era o cinema novo precipitado” (pp. 106-107). E mais adiante: “A interrupção sofrida na carreira de Nelson Pereira dos Santos o atirou no jornalismo por mais de dois anos” (p. 110).

37

A ideia inicial seria filmar na região Vidas Secas, mas o inesperado revés climático provocou chuvas e o esverdejar da paisagem, tornando a locação inadequada para o projeto, que então foi substituído, de última hora, por Mandacaru vermelho, com o diretor assumindo o papel do protagonista. A adaptação da obra de Graciliano Ramos acabaria sendo rodada no estado de Alagoas em 1963, depois de Nelson lançar Boca de ouro (1962).

59

O futuro montador Raimundo Higino, que assumiria a moviola somente a partir de Os fuzis (1963), de Ruy Guerra, revezou-se em diversas funções como braço direito de Moacyr Fenelon, na Flama Filmes, desde o início dos anos 1950, partindo daí para a Atlântida e, então, para uma prolífica parceria com Nelson Pereira dos Santos que se estenderia, já na função de montador, até a década de 1980. Assim, ora como continuísta ou assistente e diretor de produção, além de assistente de direção, Higino atuou, dentre vários outros projetos, em: Tudo azul, Com o diabo no corpo, Dupla do barulho, Nem Sansão nem Dalila, Rio 40 graus, Rio zona norte e O grande momento.

Compositores

De especial interesse para este estudo, ainda a destacar o variado perfil das propostas encampadas no período assinalado, é a trajetória de músicos como Radamés Gnatalli (1906-1988), Remo Usai e, sobretudo, Cláudio Santoro (1919-1989) – os três com diferentes graus de investimento na presença da canção popular no cinema brasileiro durante a década de afirmação da produção independente, bem como da expressão de sua modernidade e das tentativas de afirmação de uma variada e complexa identidade nacional.

Radamés Gnatalli

A obra de Radamés Gnatalli (1906-1988)38 é uma das mais emblemáticas para a música brasileira do século 20, com mais de 300 peças de música erudita e uma produção popular que, cobrindo quase seis décadas, mais de uma vez redefiniu a própria música brasileira. Nacionalista de primeira hora, é de sua autoria os arranjos da gravação original de ―Aquarela do Brasil‖, de Ary Barroso, com quem assim criaria, no registro para a Odeon, em agosto de 1939, com a voz de Francisco Alves, o samba- exaltação. Em 1946, com o arranjo criado para ―Copacabana‖, de João de Barro (Braguinha) e Alberto Ribeiro, prefiguraria a bossa nova na interpretação de Dick Farney gravada pela Continental.

Sua importância, mesmo se restringirmos ao que aqui mais interessa, o campo cinematográfico, transcende em muito o período em destaque – 1951/1961. O maestro,

38 Em 1991, o média-metragem Nosso amigo Radamés Gnatalli, de Aluísio Didier, biógrafo do

60

compositor, arranjador e pianista nascido em Porto Alegre começa no cinema ainda na década de 1920, tocando em salas da cidade natal e do Rio de Janeiro. Escreve partituras para 57 filmes, mas a partir dos anos 1960 concentra sua atividade na televisão – Excelsior e Globo – depois de fazer carreira vultosa na Rádio Nacional e na indústria do disco. Entre 1931 e 1950, produz nove trilhas musicais, em que sobressaem, à parte o talento para orquestrar temas eruditos estrangeiros, a ligação inicial com o universo da canção. É assim nos filmes de Humberto Mauro – Ganga bruta e Argila – e em Estrela da manhã (1950), produção dirigida pelo crítico Jonald (Oswaldo Marques de Oliveira) para vender o performer Dorival Caymmi e suas canções.

Conforme Cintia Campolina de Onofre:

A maior produção de trilha para cinema composta por Gnatalli foi na década de 1950. Foram 35 filmes de ficção, marcados com o aparecimento de canções orquestradas por ele. (...)

Com relação à canção presente no filme, acentuamos a canção já inserida na narrativa, como intervenção naturalista, ou seja, ela faz parte do contexto e o espectador a percebe. Nos filmes analisados com direção musical de Radamés Gnatalli, em sua totalidade há a inserção de canções com esse tipo de enfoque. Na maioria dos filmes da década de 1950, as canções são justificadas na ação (...)‖39

O compositor pertenceu ao cast da Vera Cruz e para a companhia, durante o biênio 1951-1952, produziu a trilha musical de três longas: Sai da frente, dirigido por Abílio Pereira de Almeida, Nadando em dinheiro, do mesmo realizador em co-direção com Carlos Thiré, e Tico-Tico no fubá, de Adolfo Celi – nos quais, segundo Hernani Heffner, ―realiza trabalho correto, mas sem nenhum brilho, sendo preterido na empresa em favor de compositores mais afeitos ao uso funcional da música no cinema, como Gabriel Migliori‖ (RAMOS e MIRANDA, 2012, p. 339).

Dentro ou fora dos grandes estúdios, Radamés Gnatalli foi um grande fornecedor de música para chanchadas, seguindo o esquema de extrair o motivo de sucessos do rádio e então adequá-los à narrativa. ―A concisão requerida pelo gênero provavelmente influencia seu estilo telegráfico e reiterativo de uma célula rítmica ou um

39 Trecho do artigo O envolvimento de Radamés Gnatalli com a música para o cinema brasileiro

(p. 148), que integra os Cadernos da Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unicamp, Edição Especial – 2010, dedicada ao cinema e à fotografia, sob a coordenação editorial de Marcius Freire.

61

compasso mais sugestivo, rearranjados e dispostos ao longo de todo o filme‖, afirma Hernani Heffner (RAMOS e MIRANDA, 2012, p. 339).

Entre os filmes musicados pelo arranjador nos anos 1950, nos quais a canção é justificada na ação narrativa, Cintia Campolina de Onofre destaca: Rei do movimento (1954), Quem sabe... sabe! e Fuzileiro do amor (ambos de 1956), O noivo da girafa (1957); Camelô da rua larga, O barbeiro que se vira, Na corda bamba e Chico Fumaça (todos de 1958). Vale acrescentar à lista, por uma série de pontos comuns que apresenta com Rio zona norte (1957), mais uma produção do gênero com música e orquestração do compositor. Trata-se de Quem roubou meu samba? (1959), chanchada de colorações dramáticas dirigida por José Carlos Burle para a Cinedistri.40

A presença da canção, nestes casos, justifica-se de diferentes maneiras: apresentação de artistas da música e do rádio em programas televisivos, performance de atores e atrizes cantando em cena aberta, festas e números musicais em teatros ou boates etc. O intérprete vocal tanto pode ser acompanhado por uma orquestra, um pequeno conjunto ou um único instrumento. Dezenas de astros e estrelas do rádio pontificaram nesse tipo de produção, entre os quais: Ângela Maria, Cauby Peixoto, Lúcio Alves, Emilinha Borba, Dolores Duran, Erivelto Martins, Nelson Gonçalves, Maysa, Elisete Cardoso, Monsueto, Zezé Gonzaga, Jorge Goulart, Blackout e seu Conjunto, Trio Nagô e Os Cangaceiros.

Ao persistir na estilização da canção popular com as orquestrações para os sambas de Rio 40 graus e Rio zona norte, dois dos expoentes da produção independente dos anos 1950, Radamés Gnatalli expõe um modelo híbrido de representação da música, a ser discutido no próximo capítulo. Nesse modelo, a canção – presente ao mesmo tempo in natura e na versão erudita – torna-se algoz de sua própria identidade pelas vias da domesticação empreendida na roupagem clássica, de onde também se suprime o conteúdo de letra e voz. É a posição colocada por Robert Stam:

O filme [Rio zona norte] exibe uma tensão entre os sambas diegéticos – aqueles em que vemos e ouvimos os sambistas – e os sambas extradiegéticos, que funcionam como comentário (por exemplo, aqueles que acompanham os créditos), não baseados nas imagens. Os sambas

40 Segundo longa de Nelson Pereira dos Santos, Rio zona norte também conta com Radamés

Gnatalli na elaboração da trilha sonora e sua análise fundamenta parte deste estudo. A aproximação com o filme de Burle será abordada nas próximas páginas.

62

não-diegéticos tendem a ser mais orquestrados, mais europeizados; refletindo a influência dos códigos de Hollywood e de estilos musicais na linha das big bands norte-americanas. A música como comentário alimenta uma identificação com Espírito [personagem de Grande Otelo], comunicando seus estados de humor ao espectador por meio de um ―análogo de sentimento‖ musical. A trilha sonora exibe, ironicamente, o próprio processo descrito pelo filme, isto é, o processo pelo qual o samba se origina nas batucadas dos morros e depois desce para as rádios e as casas noturnas, adquirindo [a] cada passo mais uma pátina de elaboração sofisticada‖.41

Mas cada filme, em seu conjunto, permanece como um sistema dinâmico, pois além da canção-tema, objeto da intervenção do rearranjo clássico, há outras músicas do repertório popular integrando a narrativa que não devem ser ignoradas enquanto agente significante, a operar diretamente no desdobramento do enredo. ―Entretanto, em última instância, a música vem dos morros‖, pondera Stam. Em Rio 40 graus, a catarse final da narrativa se dá ao som da versão cantada de ―A voz do morro‖ – composição de Zé Kéti (José Flores de Jesus) – sob a interpretação vocal em cena da personagem Alice (Cláudia Morena), rainha da escola de samba, em meio a outros protagonistas, no ensaio da agremiação presente sequência de encerramento do filme; substituindo, assim, a versão orquestrada da canção, que, em suas variações, fora ouvida ao longo de todo o enredo desde os créditos iniciais.

Diz a letra da canção:

Eu sou o samba

A voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor Quero mostrar ao mundo que tenho valor Eu sou o rei do terreiro

Eu sou o samba

Sou natural daqui do Rio de Janeiro Sou eu quem levo a alegria

Para milhões

De corações brasileiros

Salve o samba

41 STAM, Robert. Multiculturalismo tropical – uma história comparativa da raça na cultura e no

63 Queremos samba

Quem está pedindo É a voz Do povo do país Salve o samba Queremos samba Esta é a melodia De um Brasil feliz42

Além de ―A voz do morro‖, que ganharia projeção justamente a partir de sua inclusão em Rio 40 graus, assim invertendo o fluxo de apropriação de sucessos advindos do rádio, o filme apresentaria mais três sambas: ―Leviana‖, também de Zé Kéti (parceria com Armando Régis), e duas composições de Taú Silva (João Batista da Silva) – ―Relíquias do Rio Antigo‖ (com Moacyr Soares Pereira) e ―Poeta dos negros‖ (com José dos Santos e, segundo algumas fontes, a participação de Valdir Machado como um terceiro parceiro).

Cabe especular, a essa altura, sobre uma eventual participação do maestro, arranjador e compositor Alexandre Gnatalli na concepção da trilha musical de Rio 40 graus. A presença do irmão mais novo de Radamés é apontada em, pelo menos, um dos bancos de dados a que se teve acesso, o portal www.imdb.com. A ficha técnica do longa

42

Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello (1997) mencionam A voz do morro entre os destaques do ano de 1956, trazendo ainda entre as “gravações representativas” daquele ano o registro da canção na voz de Jorge Goulart pela Continental. Sem precisar a data, os autores afirmam que a canção foi cantada pela primeira vez na quadra da escola União de Vaz Lobo, à qual pertencia Zé Kéti, associando o sucesso da música, além da inclusão no filme de Nelson Pereira, à sua adoção como prefixo do programa de tevê Noite de Gala. Mas, na Enciclopédia da música brasileira (São Paulo: Art Editora/Publifolha, 1998), consta que o registro fonográfico é de 1955, ano em que a gravação representativa atribuída a Goulart seria a de Samba fantástico, para a produção homônima de Jean Mazon que ganharia o prêmio de melhor documentário no Festival de Cannes. A autoria dessa música é de José Toledo, também responsável pelas orquestrações da trilha sonora do documentário, que contou ainda com Leônidas Autuori na direção musical. Giro ufanista pela variada geografia brasileira, inclusive o Rio de Janeiro, Samba fantástico, o filme, pode ser vista, em escala ampliada, como o duplo oposto de Rio 40 graus.

64

apresentada no site especializado informa inda – além de Radamés, Alexandre e Zé Kéti – o nome de Cláudio Santoro como um quarto colaborador.43

Seja como for (no caso de Rio 40 graus), embora pouca atenção seja dada ao fato, Alexandre Gnatalli figura em todas as fontes, inclusive nas cartelas do próprio filme, como autor da música de Rio zona norte. Neste segundo longa de Nelson Pereira, Radamés também aparece como autor da partitura em três fontes consultadas – os portais da Cinemateca Brasileira e imdb.com, além dos créditos na cartela do próprio filme. Mas o imdb.com destaca-o também no papel de regente, única função a que o maestro é creditado no Dicionário de filmes brasileiros de Antônio Leão da Silva Neto, que atribui a música orquestrada de Rio zona norte exclusivamente a Alexandre Gnatalli.

Tão difícil, e nebulosa, quanto importante se torna a investigação das corretas autorias na criação musical dos filmes brasileiros dos anos 1950, já que mesmo os estudos mais reputados sobre o período pouco se debruçam sobre o tema. O ensaio de Mariarosaria Fabris, por exemplo, sobre a filmografia de Nelson Pereira dos Santos naquela década, permanece como a grande referência para os estudiosos de Rio 40 graus e Rio zona norte. Mas embora apresente, algumas, promissoras associações entre imagem e música nos dois filmes, pouco avança em uma análise que reconheça a autonomia expressiva da segunda, ficando a criação musical subordinada à sua funcionalidade no enredo e no desenrolar das imagens. Quanto à autoria da partitura,

Documentos relacionados