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População Privada de liberdade

No documento Samara Ferrarezi do Sim Silveira (páginas 44-48)

3 MATERIAIS E MÉTODOS

5.1 População Privada de liberdade

O Câncer de colo do útero é um problema de saúde pública, principalmente em países pobres e em desenvolvimento, sendo este o quarto tipo mais comum entre as mulheres do mundo, o terceiro tipo mais comum entre as mulheres brasileiras, e, ainda é a terceira causa de morte entre as mulheres de todo o mundo66, 1, 4.

Um grande desafio para o sistema prisional mundial é o conhecimento sobre as taxas de incidência e mortalidade de alguns tipos de câncer nesta população, entende se que o número de casos da doença vem aumentando paralelo ao número de pessoas reclusas. Sabe se somente que alguns tipos de câncer acometem mais esta população, sendo o câncer de pulmão, linfoma não Hodgkin, carcinomas da cavidade oral e faringe, entre as mulheres o câncer de colo do útero é o mais comum57.

No Brasil o sistema de saúde prisional ainda é falho, as diretrizes para políticas de saúde direcionadas a esta população específica necessita de melhorias, considerando, principalmente o crescimento a cada ano desta população58. Alguns presídios possuem médicos e equipes de saúde em tempo integral, em outros, essas equipes atendem uma, duas ou três vezes por semana, ficando sem cobertura nos outros dias, além disso, o atendimento ofertado dentro dos presídios é somente ambulatorial, sendo necessário o deslocamento para exames ou serviços especializados, fato que dificulta em muito o atendimento destas mulheres.

Em publicações recentes sobre o sistema prisional Europeu, a OMS diz que grande parte das populações privadas de liberdade vem de grupos sociais pobres, desfavorecidos e vulneráveis. Como resultado, esta população tem um risco aumentado para a aquisição de doenças transmissíveis e não transmissíveis em relação à população geral, como por exemplo, o câncer de colo do útero e a contaminação pelo HIV, dados que vem de encontro com nossos achados, pois diante do relato das mulheres participantes do nosso estudo, 51 (3.4%) relataram estar infectadas pelo HIV, número superior á estimativa do Brasil, que varia de 0.4 á 0.7% de pessoas infectadas da população geral, segundo a UNAIDS, e entre estas, 10 (19.6%) das mulheres infectadas tiveram alterações citológicas.

Na população feminina privada de liberdade do estado de São Paulo participante do nosso estudo, tivemos uma amostragem de 1767 mulheres, representando no período da

pesquisa 37.66% do total. Trabalhos avaliando o mesmo aspecto, apresentaram menor número de mulheres pesquisadas, como no trabalho Britânico que realizou 650 exames de Papanicolaou67,e Binswanger que avaliou o conhecimento e a boa vontade das mulheres privadas de liberdade em realizar o exame de Papanicolaou dentro das penitenciárias, colheu informações de 133 mulheres68. Comparando esses estudos, nosso estudo se destaca no número de mulheres (1767) participantes, sendo item importante para a confiabilidade dos nossos resultados.

A taxa de prevalência dos achados citológicos nas mulheres privadas de liberdade foi de 6,6%, estando dentro da recomendação nacional para a população geral segundo INCA (3 – 10%), porém este taxa é superior em relação aos países desenvolvidos, como na Noruega (4.9%)69. Comparando nosso estudo das mulheres privadas de liberdade com mulheres da população geral, percebe se o aumento dos resultados de exames de Papanicolaou com alterações citológicas até três vezes maior que as alterações citológicas nas mulheres da população não privada de liberdade70, 71.

O objetivo principal dos programas de rastreamento é detectar lesões precursoras ao câncer de colo do útero, e com isso reduzir a morbidade e a mortalidade deste câncer 72.O exame de Papanicolaou é o exame mais conhecido e utilizado para rastreamento na detecção precoce do câncer de colo do útero no mundo, este exame é considerado relativamente fácil de ser realizado e ofertado as mulheres, com baixo custo para o sistema de saúde. O ato da coleta leva menos de 5 minutos, podendo ser realizado por médicos, enfermeiros, o que muitos presídios não possuem10. Nesses casos as mulheres são encaminhadas para unidades de saúde para a realização do exame de Papanicolaou, sendo este mais um obstáculo para a realização do rastreamento do câncer de colo do útero73. Eliminando este obstáculo, para a realização do exame de Papanicolaou nesta população, o nosso grupo utilizou uma Unidade Móvel com equipe especializada e mesa ginecológica, que foi alocada dentro das penitenciárias, facilitando assim o acesso á essas mulheres. Devido a essas limitações de locomoção da população privada de liberdade, foi desenvolvido o mutirão de Papanicolaou. A não obtenção dos resultados de colposcopia, biópsia, e tratamento das mulheres que necessitaram de acompanhamento posterior ao mutirão, tornaram se limitações do estudo.

Apesar da descoberta de outros métodos para detecção de alterações citológicas, como a citologia em base líquida, a citologia convencional ainda é o mais utilizado nos

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programas de rastreamento, com resultados satisfatórios nos países que apresentam boa qualidade no rastreamento, como, periodicidade na realização dos exames, coleta eficaz, que resulta em amostras adequadas, e interpretação das amostras40. E no período da pesquisa o método de avaliação em meio líquido, ainda não estava disponível no HCB.

Porém, apesar do Papanicolaou ser de fácil reprodutibilidade, alguns itens o fazem subjetivo, como por exemplo, a experiência do laboratório que fará a leitura da lâmina com as amostras celulares coletadas através do exame. Segundo a Organização de Saúde Panamericana (PAHO), o laboratório deverá processar um número mínimo de amostras por ano, sendo adequada a leitura de pelo menos 15.000 amostras anuais, para que a performance do laboratório seja adequada. O laboratório responsável em laudar os exames de Papanicolaou desta pesquisa foi o departamento de patologia do HCB, sendo este responsável por 180.000 laudos de Papanicoalou anuais. Outro fator que influencia diretamente na confiabilidade dos resultados, é a porcentagem das amostras insatisfatórias, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é considerado aceitável este indicador com um porcentual <5% das amostras. Estes exames insatisfatórios podem ser justificados por, falta de cuidado na manipulação, transporte e identificação das amostras, o cuidado é importante em todas as fases do processo, desde a coleta até a análise da amostra. Outro item a ser considerado na qualidade do exame segundo a FOSP (Fundação Oncocentro do estado de São Paulo) é a presença de células glandulares, células escamosas e células da junção escamo colunar, sendo esta a zona de transformação celular, nesta zona de transformação são encontradas a maioria das lesões precursoras do câncer de colo do útero74. Nos achados citológicos alterados do mutirão de Papanicolaou nas penitenciárias do estado de São Paulo, 100% das amostras foram satisfatórias, com representação do epitélio escamoso em 100% dos casos, epitélio glandulares em 93.2 % das amostras e o epitélio metaplásico que se refere à junção escamo colunar em 77.8% dos casos alterados.

Vários estudos apontam a necessidade de maior investimento nos sistema de saúde feminina prisional, pois, grande parte das mulheres pesquisadas nos presídios tem histórico de múltiplos parceiros, coito precoce, uso de drogas, álcool, exposição ás DST’s, dificuldade de acesso á serviços de saúde, e baixa escolaridade, fatores estes já conhecidos como risco para o desenvolvimento do câncer de colo do útero75. Por outro lado, o fato de se observar uma população confinada, facilita a educação de práticas de saúde. Nossos achados apontam que 72.8% das mulheres frequentaram menos que nove anos a escola, e 50,8%

tiveram mais de cinco parceiros sexuais na vida, chegando até 3000 parceiros. Estes dados indicam a necessidade de maiores investimentos na saúde pública, e também na educação em saúde, principalmente para a população privada de liberdade. Estas informações prévias á reclusão, apontam comportamentos que comprometem a saúde destas mulheres, e também a instabilidade e a vulnerabilidade social que estas mulheres são expostas.

O desenvolvimento do câncer de colo do útero esta relacionado à exposição das mulheres a vários fatores de risco já pré estabelecidos, a infecção pelo vírus HIV esta inclusa nesses fatores, principalmente em mulheres que trocam sexo por dinheiro para o sustento do vício em drogas injetáveis 76, 77. A alta prevalência de mulheres infectadas pelo HIV, a dependência do uso de drogas injetáveis entre as mulheres privadas de liberdade, e o compartilhamento de materiais como seringas e agulhas para o consumo de drogas, faz com que o ambiente prisional seja de alto risco para contaminação do HIV, no entanto, a OMS recomenda que a realização de testes de HIV em ambientes prisionais seja priorizada 78. O vírus do HIV atua no núcleo das células do colo do útero, que diminui a imunidade e facilita a infecção pelo HPV, consequentemente, torna se mais persistente e com maior risco para o desenvolvimento de lesões intraepitelias cervicais21. Segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS) a estimativa no Brasil no ano de 2014 foi de 734.00 pessoas infectadas pelo vírus HIV. Das 4691 mulheres privadas de liberdade do estado de São Paulo, 1767 (37%) mulheres participaram do nosso estudo. Destas, 51 (3.4%) relataram estar infectadas pelo HIV, e 10 (19.6%) das mulheres infectadas tiveram alterações citológicas. Possivelmente o número de mulheres infectadas pelos vírus do HIV e HPV participantes do nosso estudo, possa ser maior, pois essas informações foram coletadas através do questionário aplicado previamente a realização do exame de Papanicolaou, sendo estas informações relatadas e não confirmadas com algum tipo de exame. Fato é que o presente estudo fez parte de um mutirão de exames, sendo autorizado a realização de questionário, onde nos casos alterados a Secretaria de Administração Penitenciária encaminharia a paciente para realização de outros exames, não se podendo ter acesso ao prontuário médico destas pacientes, porém nossos achados se mostram expressivos pelo número de mulheres avaliadas e a possibilidade de avaliação desta população.

Este estudo tem implicações para o desenvolvimento de políticas de saúde para o sistema prisional, pois destaca fatores que influenciam nas alterações dos achados

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citológicos nas mulheres privadas de liberdade, sendo esta população considerada de risco para o desenvolvimento do câncer de colo do útero.

5.2 Comparação entre mulheres privadas de liberdade e mulheres não privadas de

No documento Samara Ferrarezi do Sim Silveira (páginas 44-48)

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