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3 AMBIENTES LACUSTRES URBANOS: ESPAÇOS PÚBLICOS PATRIMONIAIS

3.5 Sítios lacustres urbanos: espaços públicos potenciais [ ]

3.5.1 A população residente e o espaço público

Um dos aspectos que identifica a área das lagoas urbanas de Fortaleza é sua condição de área, predominantemente, residencial. A população residente nestas áreas, segundo as informações colhidas durante a pesquisa de campo, é a que mais questiona os problemas urbanos presenciados nestes espaços, as atitudes dos demais sujeitos sociais para com os mesmos e a conduta da gestão pública.

As demandas desse grupo social direcionam-se mais especificamente ao enfrentamento da poluição ambiental, da supressão da presença da população em situação de rua e o desenvolvimento e ampliação de políticas públicas de segurança. A principal característica destas demandas é a exigência de uma efetiva presença do Estado na organização destes espaços públicos quer seja por intermédio do uso do poder de coerção social ou pelo poder de intervir concretamente no ordenamento espacial através dos projetos urbanísticos. Tais demandas podem ser parcialmente percebidas nos seguintes trechos, nos quais alguns moradores demonstram suas impressões e queixas:

Morar aqui é um privilégio. Já rejeitei muitas propostas de compra da minha casa. Mas eu queria que a prefeitura fizesse alguma coisa pra resolver o problema da poluição. A lagoa como você pode ver daqui mesmo, é sempre assim, cheia de lixo. Não tem quem fiscalize e as pessoas que trabalham aí, todo mundo que passa e até mesmo quem mora, joga lixo, não cuida da lagoa. Por isso, a prefeitura deveria fiscalizar e multar quem faz isso. Você pode ver se a Beira-Mar é assim? Duvido, mas como aqui é periferia, é assim, ninguém cuida. Fica abandonado. É uma pena porque essa lagoa é tão bonita e poderia ser até um ponto turístico da cidade. Mas se nem quem mora aqui tem coragem de ficar aí, por causa da violência, imagina se vão trazer turista. A violência é grande o consumo de drogas é toda hora. Tem muito morador de rua. Era pra tirar esse povo. Precisa colocar um batalhão de policiais em toda a extensão da lagoa [...]. (MME 07, 2013).

Este relato apresenta pontos de vista comuns a todos os entrevistados: a satisfação de residir num local que, para eles, é privilegiado pela presença da natureza representada pela lagoa e a atribuição da responsabilidade pelos problemas locais à gestão pública. Essa percepção reforça a diferença de tratamento dispensada pelo Estado aos espaços públicos na cidade. A população reconhece esta desigualdade, se recente, questiona, mas não se mobiliza para reivindicar condições de equidade na gestão do espaço urbano. Aqui reside um dos problemas da ausência da comunicação e, principalmente da visão equivocada que aceita passivamente a transferência de responsabilidades sintetizada, grosso modo, no pensamento de

que o poder público é quem tem que fazer alguma coisa e, se não, faz fica por isso mesmo, conforme evidenciado nos depoimentos a seguir:

O problema da gente que vive aqui perto desta lagoa é ter que viver com este mal cheiro. O povo joga tudo aí dentro [...]. É cheio de sem teto. Esse povo faz todo o tipo de sujeira no calçadão mesmo e também nas margens da lagoa. Isso é uma vergonha pra cidade. Não dá pra caminhar, porque, o calçadão está todo esburacado, é preciso reformar também as quadras de esportes e os parquinhos que ninguém mais usa porque não tem condições, tá tudo quebrado e porque só tem ladrões e drogueiros. Queria ver esse lugar bem diferente. Isso só vai acontecer se as autoridades olharem pra nós. Tirando isso, ter essa paisagem na minha porta é um presente de Deus! (MPA 23, 2013).

Todas as vezes que posso, fico admirando essa maravilha que Deus colocou na minha porta. Gosto muito de morar aqui. Acho que é melhor que na Beira-Mar porque não tem a maresia. Mas tem uma coisa que incomoda demais: tem muita violência aquele povo ali sentado, não se engane, é do tráfico. E tem também outra coisa: os moradores de rua. Os carroceiros moram aí, enchem de lixo, bebem, brigam a gente tem até medo de passar nos coqueiros. Precisa ver no domingo pela manhã, é bom nem abrir a porta. Parece um bando de zumbis caminhando, tudo drogado [...]. A prefeitura fez um projeto muito bom e bonito, mas falta o principal: a segurança. (MPO 02, 2013).

Estes depoimentos revelam também uma situação de conflito, mas não de enfrentamento entre os moradores residentes e aqueles em condição de vulnerabilidade que habitam estes espaços públicos. A presença destes últimos gera incômodo, mas isso é um reflexo geral de uma atitude social comum em que é preferível não ter perto de si e no lugar onde se mora os problemas tais como eles são, principalmente, se eles agridem, esteticamente, a paisagem.

Como observa Besse (2010), as paisagens são de certa maneira, instrumentos da dissimulação de realidades sociais e econômicas, por vezes pouco gloriosos, como a exclusão social e espacial. Um exemplo dessa realidade vem do próprio projeto de urbanização da lagoa de Messejana que contemplou a construção de quiosques ao longo do calçadão. Como a licitação para os alugueis demorou, a população sem teto, ocupou estas construções e as transformou em residência. A solução encaminhada pela prefeitura foi proceder com a demolição da maioria dos equipamentos para evitar o uso considerado inadequado para um espaço público urbano.

Conforme dito anteriormente, a lagoa da Precabura se difere das demais deste estudo, porque não sofreu processo de intervenção urbanística e por não registrar eventos de violência urbana. Neste caso as demandas da população residente registam principalmente, os problemas de poluição ambiental e degradação do espaço natural pela corrida imobiliária fortemente registrada em seu entorno. É o que revela o relato abaixo:

Essa lagoa está sendo agredida de todas as formas. Estão aterrando para fazer casarões pra gente rica. O pior é que o esgoto de várias áreas do bairro e até de bairros vizinhos caem na lagoa. Não tem saneamento. Dá pena de ver a natureza sendo agredida assim e ninguém faz nada. Para a prefeitura é como se a Precabura não existisse e a população do bairro não valoriza ela como ela merece. Eu penso que com o tempo ela vai desaparecer [...]. (MPR 14, 2013).

Emanam deste grupo social, demandas de caráter eminentemente político, mas que não encontram espaço para serem publicizadas junto ao poder público. Mesmo o esforço das associações de moradores não consegue vencer as fronteiras e limites impostos ao encontro entre gestores públicos, técnicos e a população.

Entretanto, é relevante pontuar um elemento fundamental desta dificuldade “[...] o pouco interesse dos moradores locais em se envolver com os problemas e lutas empreendidas pelas próprias associações.” (MPA 16, 2013). Mas o que explicaria essa situação, já que, durante as entrevistas, foi possível colher longos depoimentos cujo teor incide exatamente sobre os anseios e as necessidades destes sujeitos sociais em relação ao seu lugar? Apesar de extremamente pertinente, não será possível desenvolver, detalhadamente, esta reflexão dentro deste trabalho, mas ele nos permite deduzir que há uma deficiência educacional na preparação para o exercício da cidadania, ponto crucial a ser resolvido.