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2. O fenômeno do populismo no mundo atual e sua contextualização política

2.1. O que é populismo?

2.1.1. Populismo de direita x Populismo de esquerda

O populismo seja ele de direita ou de esquerda apresenta características comuns aos dois lados (Ianni, 1989, p. 19), contudo partem para expressões, ações e defesas de grupos sociais distintos.

Todos os movimentos, partidos e governos populistas, juntamente com as suas controvérsias doutrinárias, têm o caráter de reações ideológicas e práticas, conforme o país e o contexto da ocasião, às mudanças econômicas, sociais e políticas provocadas pela formação do capitalismo industrial e a urbanização de cunho capitalista (Ianni, 1989, p. 19).

Segundo Judis (2017) o populismo é oriundo dos Estados Unidos e veio a se espalhar para a América Latina e para a Europa. Ianni (1989), por sua vez, defende que características populistas apareceram na Rússia primeiramente (p. 18). De acordo com ambos escritores, os políticos, partidos e discursos considerados populistas apresentam semelhanças, mas não se é possível ter características exclusivas em todos (2017, pp. 14 e 17). Isso porque, além de depender de fatores externos - já citados, outro ponto a influenciar o significado do populismo é a ideologia. Judis afirma que o populismo não é uma ideologia, no entanto, ele atua nos dois âmbitos políticos - esquerda e direita - e, para ele, “é uma lógica política, uma maneira de pensar sobre a política” (2017, p. 15). Em contraponto, para o holandês Cas Mudde (2017) o populismo pode sim ser “uma ideologia, um movimento e até uma síndrome” (p. 2). Já a autora e doutora em Ciência Política, a portuguesa Maria Sousa Galito (2017), atribuiu ao populismo três diferentes linhas de investigação, tratando-as como as suas principais vertentes. São elas: ideologia política, estilo político e estratégia política.

Até prova em contrário, (o populismo) é um programa político difuso a favor dos direitos e garantias do ‘povo’ numa Democracia. Neste sentido, pode ser um tipo de discurso, uma ideologia ou uma estratégia política, ou as três coisas ao

mesmo tempo. A propaganda e os meios de comunicação são veículos que o disseminam (Galito, 2017, p. 23).

Ao tratar da ideologia, o populismo de esquerda, para Judis “defende o povo contra uma elite ou o establishment, o poder instituído. A sua política é vertical, dos estratos inferiores e médios contra o topo” (2017, pp. 15 e 16), sendo assim um populismo diádico. Da mesma forma, Galito (2017) afirma que o populismo de esquerda é sempre a favor das classes menos favorecidas e o grupo em combate é a “elite de direita que governa de forma corrupta e que supostamente deve ser combatida pelo sofrimento que impinge à maioria” (p. 10) Charaudeau (2016) complementa: “o populismo de esquerda aspira a uma solidariedade social que implica a luta contra os lucros individuais” (Charaudeau, 2016, p. 117). Quanto ao populismo de direita, o discurso tem outro foco e direcionamento.

Os populistas de direita defendem o povo contra uma elite que acusam de favorecer um terceiro grupo, que pode ser constituído, por exemplo, por imigrantes, islamitas, ou militantes afro-americanos. O populismo de direita é triádico (Judis, 2017, pp. 15 e 16).

O linguista francês, Patrick Charaudeau (2016), quando diferencia o populismo de direita e o de esquerda, busca a significação na terminologia marxista, pois afirma que o populismo de esquerda é revolucionário, enquanto o de direita é reacionário (2016, p. 118). Na terminologia marxista, reacionário é usado como um termo pejorativo para designar as pessoas que se opõem ao socialismo. E, complementando a ideia dos autores, Galito (2017) ainda ressalta:

Se for um fenômeno de direita, almeja defender a ‘maioria silenciada’ que não consegue afirmar a sua cultura ou que precisa ser protegida de uma ameaça exterior. O de direita (populismo) é obcecado pela necessidade de recuperar ou reafirmar valores culturais, religiosos ou sociais, relacionados com a pátria e/ou a nação, a identidade, o reconhecimento e o papel de determinado povo no mundo (2017, pp. 10 e 11).

Nessa ideia da autora, conseguimos visualizar claramente exemplos populistas no século XXI, além de ter nomes em eleições recentes na América - tanto do Sul quanto do Norte, que se utilizaram massivamente do termo “maioria silenciada” durante seus discursos em campanhas presidenciais, além de referirem a si próprios como salvadores da pátria diante de seus eleitores. São eles os dois presidentes eleitos nas últimas eleições, nos Estados Unidos da América e no Brasil, Donald Trump e Jair Messias Bolsonaro respectivamente.

“Essa pátria é nossa. Não é dessa gangue que tem uma bandeira vermelha e tem a cabeça lavada”, falou Jair Bolsonaro, em um de seus discursos antes do 2º turno das eleições, em 2018.9 Quando profere a frase “gangue que tem uma bandeira vermelha”,

Jair Bolsonaro está se referindo ao Partido dos Trabalhadores (PT), o qual tem como símbolo a bandeira vermelha com estrela amarela. Esse tipo de narrativa foi recorrente durante os meses pré-eleitorais e eleitorais na campanha de Jair Bolsonaro - alguns pontos serão citados ao longo deste trabalho.

Para mais, nesta fala de Jair Bolsonaro além da referência à pátria, em consonância com a característica apresentada por Galito (2017), é possível encontrar outra peculiaridade, também apontada como populista, dessa vez pelos autores Levitsky & Ziblatt (2018). Jair Bolsonaro se refere ao Partido dos Trabalhadores de forma afrontosa, os tipificando como “cabeça lavada”. Para os autores, “populistas tendem a negar a legitimidade dos partidos estabelecidos, atacando-os como antidemocráticos e mesmo antipatrióticos” (Levitsky & Ziblatt, 2018, p. 33).

A autora Galito (2017) acredita que uma fala populista busca diversos elementos-chave que possam unir a maioria a seu favor, independente de que maioria for essa. Charaudeau (2016) concorda quando afirma, se referindo novamente ao discurso, que “o candidato deve jogar com estratégias discursivas para tornar-se credível e atrair o maior número de eleitores” (2016, p. 74). Além disso, o mesmo autor ainda destaca que

9 Fala citada na matéria do site UOL, pela fonte da agência Reuters. Acessado em 31/10/2019.

“o político (populista) produz um discurso destinado a reparar o mal existente, por encantações mais ou menos mágicas sobre a identidade do povo” (Charaudeau, 2016, p. 95).

Sabido o resultado das eleições presidenciais do Brasil em 2018, é de claro entendimento destacar que a estratégia - discursiva, argumentativa e de ação, de Jair Bolsonaro, foi exitosa, quando ganhou com 55,13% dos votos válidos.

Está inerente um voto de revolta contra o sistema, impulsionado pela raiva que luta contra algum tipo de injustiça e, em consequência, transfere as culpas para uma entidade paralela (para o Estado, as elites, o governo, etc.) (Galito, 2017, p. 15).

Da mesma forma, Charaudeau (2016) destaca quais os tipos de eleitores decidem uma eleição, que acontece em um momento conturbado, como o do Brasil. Para mais, concorda com Galito quando aponta a culpa da situação para algum terceiro e se deixa levar por um discursos simplista, superficial, mas que tem carisma e toca exatamente nos pontos onde a sociedade mais carece, mesmo que seja sem estratégia prática de fato.

O eleitorado dos ‘não contentes’, então, é muito sensível aos líderes carismáticos, tanto de direita como de esquerda, que sabem denunciar a degradação do bem-estar social e estigmatizar os responsáveis pela crise, prometendo grandes rupturas. Em resumo são decisivos: o grosso batalhão dos ‘flutuantes’ que se deixam seduzir por promessas suscetíveis de atender às suas preocupações cotidianas; e os ‘não contentes’, imprevisíveis, pois são capazes de mudar de lado ou de chegar ao extremismo segundo o carisma do candidato (Charaudeau, 2016, pp. 55 e 61).