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Por que confiança e democracia?

1. Revisão da Literatura

1.3 Por que confiança e democracia?

A confiança é talvez o elemento mais importante do capital social, o qual, por sua vez, pode interferir nos efeitos da democracia sobre a performance econômica. Segundo Paxton (2002), o interesse no estudo conjunto desses temas ocorre, principalmente, devido à tradição teórica que sugere que uma vigorosa vida associativa é benéfica para a criação e manutenção da democracia. Para a autora, a ideia de que a interação entre os cidadãos estimula tanto a comunidade cívica quanto a democracia é creditada a autores como Tocqueville (1835, 1840), Ferguson (1767) e Montesquieu (1748).

Putman (1993) define capital social como as características da organização social, tais como confiança, normas e redes que podem melhorar a eficiência da sociedade ao facilitar às ações coordenadas. Nesta perspectiva, pode-se afirmar que o capital social é formado a partir de elementos como cooperação, solidariedade, reciprocidade e confiança, bem como a capacidade das pessoas trabalharem juntas e em grupos. Sob esta ótica, os valores cívicos favoreceriam o associativismo, e as organizações reforçariam as relações de cooperação entre os cidadãos ao passo que estimulariam a confiança. Para Putnam (1993), a alta densidade de associações, bem como a existência de relações sociais baseadas na reciprocidade seriam as principais premissas de uma democracia vital e engajamento cívico efetivo.

Segundo Rennó (2001) a confiança é um dos mais importantes valores associados ao comportamento político. A ideia é que quanto ―mais confiança existe, mais associativa a sociedade, mais politicamente envolvido o cidadão e mais estável a democracia‖ (RENNÓ, 2001, p. 34):

Uma pessoa confia em outra porque tem certas expectativas sobre o modo como essa outra pessoa vai reagir. Nesse sentido, a confiança reforça a ação coletiva e a cooperação, porque se baseia em expectativas da continuidade de padrões de comportamento estabelecidos e repetitivos (RENNÓ, 2001, p. 36)

Boix & Posner (1998) sugerem uma série de canais através dos quais o alto nível de cooperação se traduz em boas instituições. Num primeiro momento, eles avaliam que a efetividade das instituições políticas repousa sobre a habilidade dos cidadãos em escolher e manter representantes governamentais responsáveis. Neste contexto, densas redes de associações voluntárias fornecem uma espécie de fórum para que os cidadãos

discutam questões relativas à sociedade e aos interesses e demandas comuns. Dessa forma, o capital social produzirá boa governança na medida em que torna os cidadãos consumidores sofisticados de política.

Um segundo argumento é que o capital social pode provocar uma mudança mental nos cidadãos, gerando elevado senso de valores orientados para a comunidade ao invés dos interesses pessoais (BOIX & POSNER, 1998). Porém, é preciso lembrar que melhorias para a sociedade têm sempre um custo. É exatamente este canal que pode fazer minar o crescimento. Num país democrático com elevado nível de confiança social, os indivíduos podem fazer grandes pressões para políticas distributivas ou voltadas ao aumento de direitos sociais. Se isto ocorrer à custa do investimento, então as taxas de crescimento podem ser minoradas.

Note, mais uma vez, que num ambiente democrático, muita confiança pode prejudicar o desempenho econômico. Sob esta ótica, democracia e confiança funcionariam como uma espécie de bens substitutos. Esta ideia se aproxima das suspeitas encontradas por Algan & Cahuc (2013). Os autores fazem uma interação entre confiança e PIB inicial per capita, e este parâmetro mostra que a confiança tem um efeito mais forte sobre o crescimento em países mais pobres, os quais carecem que mercados de crédito, bem como de garantias claras no direito de propriedade. Em outras palavras, eles sugerem que a confiança é mais importante quando as instituições formais são fracas. A limitação, aqui, está no fato dos autores julgarem as instituições a partir do nível de renda dos países.

A despeito destas considerações, não se deve perder de vista a possibilidade de haver alguma complementaridade entre confiança e democracia. A primeira, por exemplo, reduz os custos de regulação por parte do governo. Investir menos recursos para os mecanismos de enforcement implica em mais recursos disponíveis para modernizar a administração. Assim, as instituições políticas poderiam ser mais eficientes, inclusive com a redução do comportamento oportunista dos burocratas.

Para Paxton (2002), o capital social pode afetar a democracia em duas maneiras. A primeira é que ele ajuda a criação da democracia em países não democráticos. A segunda é que o capital social pode ajudar a manter ou melhorar a democracia já existente, criando espaços de discussões que se oponham aos governos

antidemocráticos. Ademais, movimentos sociais ativos podem mobilizar a ação coletiva. Nesse sentido, a autora sugere que há indícios de que o capital social teve papel relevante na criação da democracia no leste europeu. Deve-se ressaltar, ainda, que os laços sociais e a confiança ajudam a manter a democracia, pois afetam a quantidade e a qualidade da participação política dos cidadãos.

Through participation in trusting associations, individuals may experience chances in their values, preferences, and capacity to act. They should participate more in the democratic process, and the quality of their participation should increase (PAXTON, 2002, p. 259).

A autora ainda considera que a confiança é importante num contexto democrático porque neste sistema os indivíduos devem estar dispostos a colocar o poder político na mão de outras pessoas. Quando o nível de confiança é baixo, os cidadãos talvez não estejam dispostos a entregar o poder político àqueles com visões opostas. Isto significa que uma democracia com elevado nível de confiança social tende a ser, ceteris paribus, menos instável.

Aghion et al. (2010) sugerem que um governo eleito democraticamente poderia criar instituições reguladoras para facilitar as transações numa hipotética sociedade cuja marca é o baixo nível de confiança social. Porém, segundo o autor, isso pode dar origem a corrupção devido a pequena proporção de indivíduos que confiam nos seus pares. Dessa forma, Algan & Cahuc (2013) asseguram que desconfiança e corrupção se retroalimentam e levam a um equilíbrio ruim caracterizado por baixa produção e uma regulação onerosa.

Pelas suas próprias características, o nível de confiança interpessoal pode fazer com que a democracia produza efeitos diversos sobre a performance econômica dos países. Além do mais, como suposto, o capital social pode capturar uma série de características dos cidadãos como valores morais e éticos, os quais podem ser refletidos em normas de comportamento, hábitos de conduta etc. Se isto for observado empiricamente, então o nível de confiança acaba por cumprir um duplo papel nos modelos a serem estimados. O primeiro é refletir sua natureza específica, e o segundo é representar, ao menos em parte, um conjunto de instituições informais. O capítulo seguinte visa verificar esta última questão.