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2 FORMAÇÃO CONTINUADA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA NO

2.3 POR QUE FORMAÇÃO CONTINUADA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA

Após toda a reflexão que fizemos neste capítulo, iniciada com o debate dos primórdios da Universidade, seu surgimento, suas crises, as concepções de docência que se fizeram/fazem presentes na universidade brasileira, o sentido e o significado da formação continuada e da formação continuada didático-pedagógica, nos propomos agora a finalizar nossa discussão com o porquê da FCDP no contexto da docência universitária – destacando, com isso, a importância da FCDP –, apresentando, ao final deste tópico, o exemplo do Núcleo de Formação Continuada Didático-Pedagógica (NUFOPE) dos professores da Universidade Federal de Pernambuco.

O ensino é uma prática obrigatória para os professores que atuam nas universidades. O ingresso do professor nessas instituições implica o exercício dessa atividade, e isso está evidente desde o processo seletivo, no qual o candidato a professor universitário precisa submeter-se a uma prova didática. Entretanto, em alguns casos, o ensino não é o fator principal que tem atraído professores para atuarem nas universidades, e, consequentemente, ele tem sido relegado a segundo plano por entenderem que outras atividades são mais atrativas e valorizadas ou, até mesmo, menos desgastantes, como é o caso da pesquisa, por exemplo (ALMEIDA, 2012). Inferimos que, entre outras coisas, isso possa ocorrer porque, segundo essa mesma autora, existe uma carência de formação pedagógica para esses professores e, por isso, os elementos constitutivos da atuação docente são-lhes desconhecidos cientificamente, o que pode, também, levar a um desinteresse pelo ensino.

Essa circunstância nos leva à necessidade de refletir sobre a relevância da formação pedagógica do professor que atua na docência universitária: por que formação continuada didático-pedagógica para o professor universitário? Mas para responder essa questão, é importante primeiro entender como é formado, no Brasil, o professor universitário.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394 de 1996, em seu artigo 66, afirma que “a preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós- graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado” (BRASIL, 1996). Isso significa que a preparação docente para o ensino superior, como nos lembra Almeida (2012), é desenvolvida em cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), e como sabemos, esses cursos têm objetivado principalmente a formação do pesquisador e a produção do conhecimento, colocando em segundo plano a formação do professor.

O fato é que a formação pedagógica do professor universitário no Brasil tem se resumido, muitas vezes, à disciplina de Didática do Ensino Superior, que possui caráter eletivo, e à disciplina de Estágio de Docência, obrigatória para os bolsistas da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), evidenciando que a pós- graduação tem enfatizado a formação do pesquisador. Soma-se a isso a tradição de uma lógica reducionista, e ainda recorrente no senso comum, de que quem sabe fazer também sabe ensinar, colocando os conteúdos específicos como suficientes à prática de ensinar.

Esses dados revelam, conforme Cunha (2006, p. 258), que a formação do professor que atua na universidade tem sido compreendida, pela “tradição e ratificada pela legislação, como atinente quase que exclusivamente aos saberes do conteúdo de ensino, [...] do conhecimento legitimado academicamente no seu campo científico”. Dizendo de outro modo, os elementos da prática docente como a didática, o planejamento, a avaliação, etc., são desconhecidos por muitos docentes que atuam na universidade.

Diante do que expomos, mais uma vez defendemos a formação continuada didático- pedagógica como espaço para a formação do professor universitário, seja por meio de experiências autoformativas, seja por meio de experiências em espaços coletivos de formação, dentro ou fora das universidades.

São muitos os autores que destacam a importância da formação continuada didático- pedagógica para o professor universitário: Cunha (1998; 2006; 2007); Zabalza (2004); Leite e Ramos (2007); Melo (2008); Cordeiro e Melo (2008); Pimenta e Anastasiou (2010); Soares e Cunha (2010); Ramos (2010a); Sousa e Aguiar (2011); Almeida (2012); Aguiar (2015); entre tantos outros.

Almeida (2012), por exemplo, chama a atenção para um agravante decorrente das limitações que se impõem à formação do professor universitário. A autora afirma que essas limitações – como a precária formação pedagógica dos docentes – têm sido apontadas como fatores que dificultam a vida escolar dos estudantes, uma vez que possuem peso determinante na atuação docente e, consequentemente, na qualidade do ensino ministrado.

Isso sustenta o que todos esses autores citados defendem quanto ao ensino ser uma atividade que requer conhecimentos específicos e, para tanto, formação pedagógica dos professores.

Zabalza (2004, p. 169), por exemplo, afirma que o desafio da formação dos docentes universitários “é ter uma orientação distinta para sua função, é transformá-los em profissionais da “aprendizagem”, em vez de especialistas que conhecem bem um tema e sabem explicá-lo, deixando a tarefa de aprender como função exclusiva do aluno”. O autor

ainda destaca que o principal desastre didático ocorrido no ensino universitário foi o de tornar independente o processo de ensinar do processo de aprender.

Concordamos com o autor citado e defendemos que uma formação continuada didático-pedagógica sistemática, que considera a pessoa do professor, seus saberes, sua história, sua identidade, seus interesses, suas dificuldades, se configura como um caminho para superar a dicotomia entre o ensino e a aprendizagem.

Para Pimenta e Anastasiou (2010), um grande desafio que se coloca para a formação continuada didático-pedagógica dos professores universitários é a superação de sua desvalorização. Mas, mesmo diante dessa desvalorização, pesquisas têm mostrado – Souza (2013), Aguiar (2015), entre outras – que quando o professor universitário tem experiências de formação continuada didático-pedagógica e tem a oportunidade de refletir sua prática docente e toda a complexidade que envolve os processos de ensino e aprendizagem, há uma contribuição para a (re)construção dos saberes, bem como para uma (re)configuração da profissionalidade e identidade docente (RAMOS, 2010a).

Em síntese, a fala de Almeida (2012, p. 70) resume pertinentemente o porquê da necessidade de investimento em FCDP para o professor que atua na universidade. A autora afirma: “em meio, então, às inúmeras possibilidades de “construção do docente”, parece haver certo consenso entre os estudiosos do tema a respeito da importância da construção da identidade docente como leito onde as demais dimensões e seus vários elementos se articulam”. E essa (re)construção de identidade docente, no nosso entendimento, é a possibilidade nos espaços/tempos de formação continuada didático-pedagógica.

Como possibilidade de formação continuada didático-pedagógica do docente universitário, e consequentemente de (re)construção da identidade docente, citamos o exemplo do NUFOPE da UFPE. Esse Núcleo surgiu no ano de 2008 como uma necessidade de ampliar e dar maior consistência e aprofundamento ao processo de formação continuada didático-pedagógica no contexto da Universidade Federal de Pernambuco, focando a docência na dimensão do exercício profissional como objeto de investigação e de intervenção dos professores dessa instituição (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2008).

Em outras palavras, o NUFOPE resultou do compromisso assumido pela UFPE, considerando a importância e pertinência de ações de formação continuada didático- pedagógica de investigar e intervir no processo formativo de seus docentes. Assim, o NUFOPE tem como objeto a docência no contexto da Universidade no que diz respeito à sistematização dos processos reflexivos sobre a profissionalidade docente (RAMOS, 2010b), sem perder de vista a dissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão.

Ressalta-se ainda que a proposta do NUFOPE condiz com uma concepção de formação continuada pautada na profissionalização docente e voltada para o acompanhamento, compreensão e a autonomia da prática do professor, “no sentido de superar as formas de improvisação tão presentes nas práticas da Educação Superior, o que faz pensar o quanto a identidade desse professor se apresenta indefinida, possuindo por um lado, o peso da sua titulação em termos de saberes disciplinares de sua área” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2008, p. 10).

Recentemente foi publicada a Portaria Normativa nº 2 de 13 de março de 2018, na qual “fica instituído o Núcleo de Formação Continuada Didático-Pedagógica dos Professores (NUFOPE), que tem por finalidade contribuir com a política de gestão e formação continuada didático-pedagógica de professores e técnicos em assuntos educacionais da Universidade Federal de Pernambuco” (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2018).

Essa mesma portaria, em seu Art. 2º, define como objetivos do Núcleo:

I – criar e implementar a política de formação didático-pedagógica de professores e técnicos em assuntos educacionais da Universidade;

II – realizar cursos de atualização didático-pedagógica, conferências, seminários, colóquios, painéis, rodas de diálogo, mesas redondas e outras atividades afins, visando à formação continuada de professores;

III – desenvolver e divulgar estudos e pesquisas com foco na investigação da prática didático-pedagógica de professores;

IV – divulgar conhecimentos e tecnologias relacionados à prática pedagógica na educação superior;

V – subsidiar o processo permanente de exercício crítico de revisão da prática docente;

VI- fundamentar a construção de saberes necessários ao exercício profissional docente;

VII- fundamentar e apoiar a construção de experiências didático-pedagógicas inovadoras;

VIII – apoiar a organização e execução de concursos públicos para provimento de cargos docentes da Universidade;

IX – oferecer subsídios didático-pedagógicos para a atuação dos técnicos em assuntos educacionais da Universidade;

X – criar uma rede de cooperação acadêmica, com o objetivo de promover a cultura de socialização de práticas pedagógicas exitosas e de experiências didático- pedagógicas inovadoras;

XI – articular-se com outras instituições acadêmicas (locais, nacionais e internacionais) que desenvolvem atividades de formação continuada de professores universitários, visando ao intercâmbio profissional;

XII – contribuir no processo de construção/reformulação de projetos pedagógicos de cursos de graduação da Universidade;

XIII – proporcionar atendimento individualizado em relação às demandas pedagógicas institucionais;

XIV – avaliar os desdobramentos das ações desenvolvidas pelo Núcleo (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2018).

A leitura da Portaria nº 02 de 13 de março de 2018, bem como do documento que propõe o NUFOPE (UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO, 2008), indicam que o Núcleo se propõe a ir além do que ofertar cursos de formação continuada, mas objetiva a constituição de uma política de formação continuada didático-pedagógica na UFPE, articulando ações como a produção e a divulgação de pesquisas e a realização de eventos, por exemplo.

Em consonância com o exposto, acreditamos que a formação continuada didático- pedagógica dos docentes universitários se apresenta, entre outras coisas, como um meio para (re)construção da identidade profissional docente e, consequentemente, como um requisito para melhorar a qualidade da universidade.

No capítulo a seguir, discutimos a teoria das representações sociais proposta por Serge Moscovici, a abordagem estrutural de Abric, finalizando o texto argumentando a formação continuada didático-pedagógica como um objeto de representação social.

3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO UM APORTE TEÓRICO