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No campo da abordagem discursiva há elementos argumentativos que se fundamentam na construção da forma e do conteúdo do discurso, para legitimar as opiniões e confrontar os interlocutores. Trata-se da arte de persuadir, de se defender e discordar das opiniões dos outros. Este estudo visa identificar o conflito entre os jornais

Correio do Cariry e O Rebate que utilizaram do discurso jornalístico para orientar,

simbolicamente, os acontecimentos ao longo da discussão em torno da emancipação política do povoado de Juazeiro da cidade do Crato.

Para realizar a análise dos textos veiculados nos jornais estudados, tomamos algumas noções de jornalismoe a construção dos discursos midiáticos, a fim de investigar como o Correio do Cariry e O Rebate repercutiram o processo emancipatório de Juazeiro, a partir de três formas distintas: pela produção de relatos e estratégias durante o embate; o posicionamento dos articulistas sobre a problemática; e, o debate promovido pela imprensa sobre o fato e suas diferentes versões.

Como discutido anteriormente, os jornais, durante o século XIX e início do XX, especialmente no interior, foram os principais veículos de propagação de ideologias, seja de partidos políticos ou do Estado. Suas páginas eram utilizadas para publicações de estratégias ideológicas a fim de conquistar a adesão dos leitores e legitimar a permanência

43 Em 1901: A Semana, Sul do Ceará, O Estimulo, Cidade do Crato e Coração do Ceará; 1902: Girumba e Passatempo;

1904: Correio do Cariry, Gazeta do Crato e Folha Christã; 1905: Auras e 29 de junho; 1906: A Coisa; 1907: Peitica; 1908: O Povir e A Bala; 1909: A Cruz (STUDART, 1924).

44 1904: Jornal do Cariry; 1905: A Aranha e O Instrutor; 1906: O Luctador; 1907: O Livro; 1908: Cetama e A Pátria;

1909: O Centro e O Philantropico (Idem.)

45 1909: O Rebate; 1910: Lapis. Não há muitos dados sobre o jornalzinho Lapis. O Rebate chegou a noticiar sua

fundação em abril de 1910, caracterizando-o como “pequeno periódico humorístico, noticioso e recreativo”. Ver: JORNALZINHO. O Rebate, Juazeiro, 10 de abril de 1910, Varias, p. 2.

do partido, ou grupo político, no poder. Todavia, essa prática ocasionou o surgimento de oposições, em torno dos mesmos interesses, a formação dos debates e o desenvolvimento de estratégias para atingir e combater os adversários.

Os discursos dos jornais se estruturaram a partir de uma linguagem persuasiva. Através de diferentes técnicas retóricas, os jornalistas exaltavam seus líderes e atacavam seus adversários, a fim de conquistar o apoio e convencer os leitores a aderirem a seus ideais e desqualificar seus opositores. Para analisar essa interação, utilizamos os conceitos de Perelman e Tyteca (2005) que apresentam três modelos de técnicas argumentativas que atuam no discurso para persuadir e convencer o auditório: os argumentos quase-

lógicos, de natureza não-formal, que se fundamentam em noções plausíveis, possíveis e

prováveis; os argumentos baseados na estrutura do real, que se apoiam na experiência e estabelecem um acordo com o auditório ao basear-se em elementos reconhecidos como fatos, verdades e presunções; e as ligações que se fundamentam na estrutura do real, que concebe o real a partir do caso particular e o raciocínio por analogia.

Assim, por meio da teoria da argumentação de Perelman e Tyteca (2005), será possível traduzir a maneira como os jornalistas perceberam os acontecimentos políticos entre as localidades, entre os anos de 1910 e 1911, e como eles interagiam com seus opositores e leitores.

Para discorrer sobre os conceitos de ideologia e de estratégias simbólicas empregados pelos periódicos, utilizamos a concepção aplicada por Thompson (2011). O autor conceitualiza a ideologia a partir do modo como o sentido é mobilizado pelas formas simbólicas para estabelecer e sustentar relações de poder e dominação. As formas simbólicas são definidas por todo ato, ação e fala, imagens e textos, produzido e entendidos pelos próprios sujeitos e outros.Para o autor, ideologia é sentido a serviço do poder.

Thompson formulou sua teoria a partir do conceito definido por Karl Marx,46 ao considerar como critério definidor da ideologia as relações de dominação. Porém, Thompson difere de Marx em dois pontos: enquanto Marx se refere ao critério para sustentar relações de dominação, geralmente entendido, explícita ou implicitamente, em termos de relações de classe, Thompson (2011), pelo contrário, chamou atenção para

46 Ao apresentar essa relação entre os conceitos de ideologia de Karl Marx, Thompson (2011) não utilizou uma única

obra daquele autor. Para chegar a essa conclusão, Thompson utilizou de um conjunto de obras escritas por Marx e em parceria com outros teóricos.

outros eixos em que as relações de poder e dominação transparecem nas estruturas sociais, como, por exemplo, as relações entre sexos, entre grupos étnicos, entre indivíduos e o Estado e entre estado-nação; Outro aspecto da concepção de Marx que Thompson difere é o fato de Marx menosprezar as formas simbólicas como partes constituintes da realidade social, que mobilizam sentidos e que podem servir para manter e reproduzir relações de dominação. Thompson propõe conceituar ideologia a partir da análise do sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, para estabelecer e sustentar relações de dominação (THOMPSON, 2011, p. 77-79).

Em busca de identificar as estratégias simbólicas empregadas pelos articulistas, do Correio e Rebate, para sensibilizar e influenciar seus leitores, utilizamos o conceito de modos de operação da ideologia, proposto por Thompson (2011). A partir da concepção de “interação e ação social”, o autor concebe as estruturas simbólicas empregadas no discurso como mecanismos ideológicos próprios para estabelecer e sustentar relações de poder e dominação. Trata-se de cinco modos de operação da ideologia: Legitimação, Dissimulação, Unificação, Fragmentação e Reificação. Thompson (2011, p. 80) afirma que seu “objetivo não é apresentar uma teoria compreensiva de como os sentidos podem estabelecer e sustentar relações de dominação”, mas, sim, esboçar um campo rico de análise para permitir maiores reflexões sobre a temática. Além disso, os cincos modos pelos quais a ideologia pode operar podem sobrepor-se e reforçar-se mutualmente, pois não são únicos e independentes um do outro.

O primeiro modo de operação da ideologia é a Legitimação. As relações de dominação são apresentadas como justas e, por isso, dignas de apoio. Nesse modo de operação, estratégias típicas da construção simbólica, como a Racionalização,

Universalização e Narrativação, são empregadas com o objetivo de conquistar a

confiança da população com discursos que demonstrem autenticidade e veracidade (idem, p. 82-83).

A Racionalização caracteriza-se pela produção de estratégias na construção simbólica, com o objetivo de defender ou justificar um conjunto de relações, e como isso persuadir uma audiência de que isso é digno de apoio. Na Universalização, acordos institucionais, que servem aos interesses de alguns grupos/indivíduos, são apresentados como servindo de interesse de todos.Já na Narrativação, o produtor retrata o mundo a partir de sua ótica, ao inserir em histórias que contam o passado e tratam o presente como parte de uma tradição eterna e aceitável. A partir disso, busca-se justificar e sustentar suas

ideologias, tanto por parte de quem possui o poder, bem como, por quem não está no poder (idem, p. 82-83).

O segundo modo de operação é a Dissimulação, forma em que o indivíduo busca a relação de poder por meio de fatos implícitos, negados ou obscurecidos, desviando a atenção de seu público ou transpondo relações e processos existentes. A Dissimulação pode ser expressa em formas simbólicas de diferentes maneiras: Deslocamento,

Eufemização e Tropo (idem, p. 83-84).

Na estratégia de Deslocamento, um termo usado para referir-se a um determinado sujeito/objeto é usado para referir-se a um outro. Com isso, os atributos positivos ou negativos são também transferidos para esse outro sujeito/objeto. Na Eufemização, as ações, instituições ou relações sociais são descritas ou reescritas de modo a despertar uma valorização positiva das ideologias apresentadas. O Tropo é outro conjunto, ou grupo, de estratégias basicamente formado por construções simbólicas empregando o uso figurativo da linguagem (idem, p. 83-84).

O terceiro modo de operação da ideologia é a Unificação. As estratégias utilizadas aqui são estabelecidas a partir da construção simbólica, de uma forma unitária, que interliga os indivíduos numa identidade coletiva, independentemente das diferenças e divisões que possam separá-los. A Unificação divide-se em duas estratégias expressas em formas simbólicas de Padronização e Simbolização da unidade (idem, p. 86).

Na Padronização, as formas simbólicas são adaptadas a um referencial padrão, que é proposto como um fundamento partilhado e aceitável de troca simbólica. Esse fato pode contribuir para a criação e uma identidade coletiva entre os diversos grupos da sociedade. A Simbolização da unidade visa à construção de símbolos de unidade, de identidade e de identificação coletiva, que são difundidas por um grupo ou uma pluralidade de grupos (idem, p. 86).

Na Fragmentação, outro modo de operação de ideologia, as relações de dominação podem ser mantidas não unificando indivíduos/grupos em uma coletividade, mas, segmentando-os, dirigindo forças de oposição potencial em direção a um alvo que é projetado como mau, perigoso ou ameaçador. A Fragmentação tem duas típicas estratégias de construção simbólica: Diferenciação e Expurgo do outro (idem, p. 87).

A Diferenciação enfatiza as diferenças, ou seja, cria-se uma espécie de divisão entre indivíduos e grupos, apoiando as características que os desunem e os impedem de constituir um desafio efetivo no exercício de poder. Já a estratégia de Expurgo do outro, constitui a criação de um inimigo, seja interno ou externo, que é retratado como mau, perigoso e ameaçador e contra o qual os indivíduos são chamados para resistir coletivamente ou expurgá-lo (idem, p. 87).

Por fim, na Reificação as relações de poder são sustentadas pela retratação de uma situação transitória, histórica, como se essa situação fosse permanente, natural ou atemporal. Suas estratégias são a Naturalização, Eternalização e a Nominalização/

Passivização (idem, p. 88).

A Naturalização torna os fatos sociais e históricos como simples acontecimentos naturais, desencadeados de acordo com suas respectivas ações passadas. Na

Eternalização, as ideologias são propagadas ao tornar fatos sócio históricos apresentados

como permanentes, imutáveis e recorrentes, em estruturas rígidas que não podem ser facilmente derrubadas. Isso ocorre por meio de uma construção simbólica que busca reafirmar e “eternalizar” o contingente. Por fim, a Nominalização ocorre quando as ações, ou parte delas, tornam-se sujeitos dessas ações e a Passivização ocorre quando os agentes das ações são colocados como agentes passivos dessas ações. Essas estratégias buscam concentrar a atenção do ouvinte ou leitor em certos temas com prejuízo de outros. Elas buscam, sobretudo, apagar os atores e as ações e apresentar processos como acontecimentos que ocorrem na ausência de um sujeito que a produziu (idem, p. 88).

As estratégias ideológicas foram utilizadas no discurso dos jornais Correio do

Cariry e O Rebate com o objetivo de implantar no imaginário social um sentimento de

adoração ou rejeição à causa política, seja contra a emancipação política de Juazeiro defendida pelo Correio, ou a favor como defendida pelo O Rebate. Ambos os jornais utilizaram, na propagação de suas ideologias, construções simbólicas inspiradas em valores, crenças e concepções de mundo, objetivando legitimar suas respectivas campanhas.