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CAPÍTULO 01 EDUCAÇÃO COMO POLÍTICA: UMA CONCEPÇÃO TEÓRICA

1.1 Política pública como objeto de investigação

1.1.1 Por uma abordagem cognitiva da políticas públicas

O caminho metodológico sugerido para este estudo indica inicialmente uma aproximação com o conceito de política e a corrente de análise, denominada abordagem

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Foram analisados um total de 139 resumos de trabalhos apresentados no GT Estado e Política Educacional da Associação Nacional dos Pesquisadores em Educação - ANPED.

cognitiva das políticas públicas, adotada por (MULLER & SUREL, 2002), no estudo originalmente intitulado como L´anályse des politiques publiques42.

O ponto de partida desta abordagem é a hipótese de que a ação pública no Estado moderno é resultante de um dinâmico processo de práticas sociais, em um determinado momento histórico, capaz de processar a construção social da realidade (ibidem)43. Defende um caminho para o entendimento das políticas públicas, como forjadas em um processo complexo de interpretação, realizada por atores públicos e privados. Põe-se, desse modo, uma questão central, que é a influência exercida pelas normas sociais, globais sobre os comportamentos sociais e sobre as políticas públicas. É nesse sentido que propõem esses autores o modo de apreensão de uma política pública como resultante de matrizes cognitivas e normativas (Ibidem), tendo em vista que uma política é resultante de um processo de interação, de relações de força que vão, dialeticamente, pouco a pouco se firmando.

A abordagem cognitiva entende que os modos de ação do Estado moderno estão amparados em uma lógica de posicionamento, isto é, toda ação pública acontece dentro de modelos conceituais, chamados de paradigma, sistema de crença, ou mesmo referencial. Assim, todo processo político, atribui necessariamente uma importância fundamental aos valores, às idéias e as representações (Ibidem).

Muller & Surel explicam que a expressão ‘matrizes cognitivas e normativas’, integra elementos análogos e se presta a diferentes recortes. O primeiro deles refere-se a convicção de que a lógica de posicionamento é resultante de um conjunto de valores e princípios gerais que definem ‘uma visão de mundo’ particular (Ibidem)44. Essa visão de mundo decorre de princípios abstratos, que determinam o mundo possível, identifica as diferenças entre os

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A abordagem cognitiva de políticas públicas, vem sendo formulada a partir de 1980. As bases desta corrente têm sua origem em estudos que atribuem importância, mesmo que em separado, aos valores, às idéias e às representações, como base das políticas públicas. Surgem da noção de paradigma (Hall, 1993), de advocacy coalition ( Sabatier, Jenkins – Smith, 1993), ou ainda sobre a noção de referencial (Jobert, Muller, 1987). (MULLER & SUREL, 2002).

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Essa concepção avança na abordagem institucionalista da escolha racional e do institucionalismo histórico. O institucionalismo histórico apregoa que a ação pública tem como centro o Estado. Sustenta que a relação entre as instituições e o comportamento é relativamente abrangentes. Seus principais defensores são Hall e Taylor. A

atores individuais ou em grupos45. Um segundo recorte diz ser possível uma relação inversa entre os princípios, ou seja, “princípios mais específicos, que declinam, de modo variável, os princípios mais gerais” (ibidem, p. 47).

Na base deste raciocínio, a idéia de que nenhuma ação pública é conduzida por princípios de neutralidade, ou a partir de uma razão indefinida, como explicam, “a mobilização de certo número de instrumentos não se faz, [...] de maneira neutra, mas responde, ao contrário, a certos imperativos normativos e práticos desenhados/definidos pelos elementos precedentes” (ibidem, p. 47).

Por fim, assegura que, além dos métodos e dos meios, as matrizes tendem a definir as escolhas especificas, a direção coerente de outros elementos, ou seja, toda escolha menor tende a se justificar em uma lógica maior, ou, como chamam esses autores, uma ‘coalisão de causa’46. A distinção desses diferentes elementos se faz necessária, sobretudo para permitir “isolar, analiticamente, os processos pelos quais são produzidas e legitimadas as representações, as crenças, os comportamentos, principalmente sob a forma de políticas públicas particulares no caso do Estado” (Ibidem, p. 48).

Uma condição indicada por estes autores para que uma matriz cognitiva e normativa se sustente junto a um grupo de atores é a de que haja um elevado sentimento de pertença, de princípios coletivos. Trata-se portanto de um processo de construção de identidades, que inclui, entre outros,

alimentar junto a eles uma ‘consciência coletiva’47 [...] um sentimento subjetivo de pertença, produtor de uma identidade específica. [...] é a gestão do vínculo entre os princípios gerais e os princípios específicos, cuja articulação conseguida é produtora de identidade (ibidem, p. 48).

É fundamental considerar que o processo de política aqui é essencialmente constituído por relações de poder, que se dão ao longo de sua elaboração e implementação. Nele estão presentes os mais diversos tipos de relações, as quais, quase sempre contribuem para a formação de uma rede “diretamente indexada à elaboração e/ou à mobilização de uma matriz

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Esta concepção se aproxima de Gramsci, quando ele se refere à questão da ideologia.

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Grifos dos autores

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cognitiva e normativa particular” (ibidem, p.50). Esse é um processo que se apresenta em constante construção e por isso mesmo um processo de exercício do poder.

[...] processo de poder [...] pelo qual o ator faz valer e afirma seus interesses. Uma relação circular existe com efeito entre lógicas de sentido e lógicas de poder, através da qual o ator constrói o sentido que toma o leadership do setor que afirma a sua hegemonia, tornando-se legítimo o referencial ou o paradigma em conseqüência desta estabilização das relações de força (Ibidem, p. 50).

A instituição do poder, no contexto de um processo de política, faz-se dentro de uma dinâmica marcada por “interações e (pelas) relações de força que se cristalizam pouco a pouco num setor e/ou num sub-sistema dado” (ibidem, p.50). Nessa dinâmica, um grande componente do poder é a palavra. Todo processo de construção de uma matriz cognitiva “alimenta ao mesmo tempo, um processo de tomada de palavra (produção e sentido) e um processo de tomada de poder (estruturação de um campo de forças)” (ibidem, p.50). Defende desse modo esta abordagem, que as políticas públicas operam como um complexo processo de interpretação do mundo,

[...]ao longo do qual, pouco a pouco, uma visão do mundo, vai impor-se, vai ser aceita, depois reconhecida como ‘verdadeira’ pela maioria dos atores do setor, porque ela permite aos atores compreender as transformações de seu contexto, oferecendo-lhes um conjunto de relações e de interpretações causais que lhes permitem decodificar, decifrar os acontecimentos confrontados (ibidem, p.50).

A abordagem cognitiva apresenta-se assim como uma tentativa de superação do caráter determinista e voluntarista das ações sociais. Em sua proposição, a análise das políticas se dá a partir de uma perspectiva que combina o determinismo cultural, em que “os atores não são totalmente livres na sua escolha” e de certa forma de voluntarismo no qual os atores “não são totalmente determinados pelas suas estruturas” (ibidem, p.50).

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