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CAPÍTULO 01 EDUCAÇÃO COMO POLÍTICA: UMA CONCEPÇÃO TEÓRICA

1.1 Política pública como objeto de investigação

1.1.2 Um processo de identificação da especificidade de política pública

A proposição teórica utilizada para especificar a política pública, objeto desta investigação, assume a concepção cognitiva defendida por Muller&Surel. Nesta formulação

coerência que pode existir entre diversos elementos de um programa, sobretudo no que se refere aos seus objetivos. É também fundamental observar que na especificidade de uma política está a questão da evolução do Estado em relação ao modo como se dão as relações entre os poderes público e privado. E por fim o modo como acontece o processo de regulação dos conflitos e a harmonização dos interesses. Assim expressam estes autores: a especificação de política pública pode ser assim agrupada em “um quadro normativo de ação; ela combina elementos de força pública e elementos de competência (espertise); ela tende a constituir uma ordem local” (ibidem. p. 14). Essas rubricas serão melhor descritas, mesmo que de modo resumido, a seguir.

O primeiro e fundamental esforço do pesquisador que busca compreender uma política pública é, inicialmente, identificar uma possível coerência ou tendência que possa existir entre os diversos elementos e medidas, constituindo aquilo que estes autores chamam de quadro normativo de ação.

De modo prático, nesse momento da investigação, persegue-se a identificação de objetivos que a política pretende atingir. Esses objetivos, alertam estes autores, nem sempre se dão de modo direto, podendo estar implícitos ou explícitos. Parte-se então do pressuposto de que a identificação de uma política requer um trabalho de reconstrução de toda sua trajetória, incluindo objetivos e metas, publicações conceituais, documentos jurídicos, dentre outros, como explicam estes autores:

[...] toda política governamental se definirá, antes de tudo, com um conjunto de fins a se atingir. [...] tais fins, ou objetivos, poderão estar mais ou menos explícitos nos textos e nas decisões de governo (o preâmbulo de uma lei por exemplo), detalhando os objetivos estabelecidos pelo governo no setor em questão. Às vezes, pelo contrário, os fins governamentais permanecerão fluidos, até ambíguos. Isto significa que, também lá, os objetivos da ação pública não são dados, mas devem construir um trabalho de identificação e reconstrução pelo pesquisador, através, por exemplo, do estudo das reuniões interministeriais preparatórias à decisão ou dos debates parlamentares (2002, p. 17).

Além disso, definir a estrutura normativa de um plano significa saber quem contribui e como contribui para a definição das normas da ação pública. Se o governo, os partidos, os eleitores, ou, no caso específico, os agentes da escola (pais, alunos, professores, diretores, coordenadores, Gerência de Educação, Secretaria de Educação, Técnicos, COEP, Fundescola,

Banco Mundial, entre outros). Nesse estágio da investigação se faz necessário realizar, de modo mais ou menos consciente, a reconstrução da estrutura normativa do programa.

De outro modo, se está a afirmar que “analisar a ação do Estado não consiste, simplesmente, em estudá-lo como aparelho político administrativo” (ibidem, p. 17). Um aspecto a ser observado na constituição desse elemento é, em certo sentido, o caráter contraditório que acompanha o processo de formulação das políticas, ou seja, “os tomadores de decisão são condenados a perseguir objetivos em si mesmos contraditórios” (Ibidem, p. 18).

A questão da coerência ou não dos objetivos pode não se revelar de modo suficiente nos seus propósitos, decisões e até mesmo nas proposições. Assim, sugerem estes autores uma atenção maior, no sentido de buscar uma lógica de sentido das ações, “o trabalho de análise deve esforçar-se para colocar à luz as lógicas de ação e em ação as lógicas de sentido no processo de elaboração e de implementação das políticas” (Ibidem, p. 18).

Sugerem ainda estes autores que, para especificar a política pública, é necessário identificar elementos que “fundamentam a especificidade da ação do Estado” (Ibidem, p. 18). A política é tomada, nesse sentido, como expressão do poder público, não limitado ao poder como bloco homogêneo e autônomo, mas ao espaço público de decisão.

Considera assim esta concepção, que toda decisão é uma expressão do poder público. A análise da política, nessa perspectiva, deve ajudar a demonstrar o que nesse processo de decisão é específico do Estado, e que “interações concorreram para a expressão do poder público” (ibidem, p. 19).

De outro modo pode-se perguntar, quais ações propostas pela política afirmam funções próprias, prioritárias e de responsabilidade da esfera pública e quais são afirmadas como de responsabilidade da esfera privada? Nesse sentido é fundamental ter presente a questão da evolução do Estado, frente ao modo como se dão as relações entre os poderes público e privado, como afirmam Muller e Surel, “o prisma analítico das políticas públicas

Por fim se faz necessário indicar quais são os elementos dessa política pública que tendem a se constituir uma ordem local48. A ‘ordem local’ refere-se diretamente à prática de indivíduos, grupos e organizações, aqueles atores que são afetados diretamente por ações propostas pelo conjunto da política Estatal. São esses atores que, de algum modo, participam do processo de decisão da política em seus diversos níveis. É justamente nesses níveis e a partir desses atores, que se constrói a ‘ordem local’, ou seja, a regulação dos conflitos e harmonização de interesses.

Toda política assume, de fato, a forma de um espaço de relações interorganizacionais que ultrapassa a visão estritamente jurídica que se poderia ter a respeito: uma política pública se constitui em uma ‘ordem local’ [...] (ibidem, p. 20).

A definição da política pública está, desse modo, relacionada diretamente ao grau de participação dos atores no processo de sua elaboração e implementação. Dois problemas são colocados por Muller e Surel, quanto ao grau de implicação dos beneficiários na ação pública, relacionados diretamente às modalidades de participação que cada ator exerce, individual ou coletivamente nesse processo.

O primeiro refere-se à capacidade de influência que exerce cada um dos atores no processo de política. Ela depende, de um lado, de fatores estruturais, ou seja, da posição desse ‘ator’ na divisão do trabalho, e de outro, depende “da capacidade do grupo para construir-se ator coletivo e mobilizar recursos pertinentes” (Ibidem, p. 21).

O outro problema é identificar quais são os fatores que determinam a capacidade de influência dos atores no processo de elaboração e implementação de política pública. Apontam estes autores três tipos de fatores relacionados entre si: os estruturais, relacionados à posição que ocupa o ator na divisão do trabalho; da capacidade do grupo em mobilizar recursos pertinentes e por fim da aptidão para influir no conteúdo ou na implementação.

Esses fatores podem ser estruturais, quando dizem respeito à posição do ator na divisão do trabalho própria ao setor. Eles podem também depender da capacidade do grupo para constituir-se ator coletivo e mobilizar recursos pertinentes. A aptidão de um ator coletivo, para influir no conteúdo ou na implementação de uma política

48

O termo “ordem local’ faz referência ao conceito difundido por Friedberg, designando ser um constructo político relativamente autônomo, que opera em seu nível, regulando interesses individuais e coletivos.

pública, pode com efeito, variar fortemente em função do grau de mobilização que é capaz de suscitar [...] (ibidem.)

A teorização posta por esses autores representa uma significativa contribuição para se constituir a identificação do processo político. Neste estudo, de modo particular, ela auxilia a elaboração de questões para a coleta de dados na perspectiva oral, de modo a possibilitar compreendê-la como um processo complexo de relações reguladas entre os diversos atores sociais envolvidos no espaço público. Deste modo, neste momento do método busca-se-á identificar quem efetivamente são os grupos ou organizações afetados diretamente pela política de gestão que sustenta o PDE na Escola e em que tempo e condições influenciam a formulação dessa política.

No item a seguir, discutir-se-á política pública como discurso e nessa perspectiva destaca-se a contribuição de Fairclough, que amplia a possibilidade de análise, tal como proposta para esta investigação.

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