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TRANSFORMAÇÃO PEDAGOGIA PARA A AUTONOMIA

2.3 Portefólio de Aprendizagem: Vantagens e Perspectivas

Sempre que o contexto da educação se modifica, é imperioso que os professores verifiquem as suas práticas face aos novos desenvolvimentos e assumam estratégias e procedimentos que se coadunem com os mesmos, ao invés de resistirem a uma mudança irreversível e à qual o modelo tradicional já não dá resposta.

O portefólio tem vindo a ser posto em prática em muitos países, nomeadamente no Reino Unido e nos EUA, por ser entendido como uma abordagem privilegiada na construção de saberes. Efectivamente, muito para além de uma mera compilação dos trabalhos realizados pelos alunos, esta metodologia pressupõe posturas e procedimentos específicos que visam a aquisição de competências reflexivas necessárias à resolução de situações problemáticas mais complexas, perspectivando o desenvolvimento global dos alunos:

“O portefólio potencia uma relação adequada entre os saberes de natureza declarativa e os de natureza processual, valorizando as experiências do aluno e as vivências, exigindo simultaneamente dos intervenientes uma tomada de consciência e uma reflexão permanentes. A adopção deste instrumento de mediação implica a promoção e um progressivo e cada vez mais profícuo diálogo entre professor e aluno, exercendo o primeiro uma regulação e tornando-se o segundo protagonista activo na construção da sua aprendizagem.” (Coelho & Campos, 2003: 29)

Segundo Klenowski (2002: 109), o uso dos portefólios pressupõe uma nova concepção do processo de ensino-aprendizagem, segundo a qual o aluno é envolvido num processo interactivo:

“The portfolio connects process and product. Student learning is documented and the expectation is that they will actively explore and evaluate through engaging with their teachers, other students or peers. Collaboration, dialogue and reflection become essential processes in the construction of the portfolio of work.”

Diversas são as razões pedagógicas para utilizar o portefólio como instrumento privilegiado na construção dos saberes, pois oferece ao aluno oportunidades para reflectir, diagnosticar as dificuldades, avaliar o seu desempenho e auto-regular a sua aprendizagem.

Na construção do portefólio de aprendizagem, deve incluir-se evidências de natureza diversa, que reflictam aspectos considerados pelo currículo, pela escola, pelo professor e pelo aluno. Nesse sentido, pode abranger todas as áreas do programa ou, pelo menos, as mais relevantes. As evidências podem ser diversificadas – escritas, visuais, orais

–, mostrar processos e produtos de aprendizagem, ilustrar diferentes modos de trabalho e revelar o envolvimento dos alunos em processos de revisão, análise e reflexão (Sousa, 1998). No portefólio podem ser incluídas reflexões do aluno acerca da disciplina, duma situação problemática ou de quaisquer tarefas de aprendizagem, pequenas reacções escritas, testes, trabalhos individuais ou de grupo, bem como resoluções de exercícios e de problemas. Todos estes trabalhos incluídos no portefólio vão fornecer informações sobre progresso das aprendizagens, sobre as necessidades e as experiências do aluno.

Os portefólios podem influenciar positivamente as formas como se ensina, se aprende e se avalia, podendo conduzir a uma acção em que a sala de aula se transforma num local em que as aprendizagens se vão construindo em conjunto e individualmente, ao ritmo de cada um, sem perder de vista os interesses colectivos, em que se valorizam as experiências, intuições e saberes de cada aluno, em que se acredita que as dificuldades podem ser superadas e em que, essencialmente, se aprende com mais ou menos esforço, mas sempre com agrado. Efectivamente, o portefólio cria motivação nos alunos, nuns pela sua novidade e grau de sofisticação em relação ao seu modo de aprender, noutros, já habituados, pela possibilidade que têm de trazer para a escola os seus saberes e as suas competências, com a naturalidade de quem quer mostrar aos seus colegas e aos professores aquilo que sabe (Bernardes & Miranda, 2003).

Kohonen (2000: 126) e Moreira (2001: 52), numa perspectiva que visa melhorar as condições de aprendizagem, a democratização de papéis e a emancipação política e epistemológica de alunos e professores, defendem um ensino da língua estrangeira baseado em estratégias metacognitivas e na resolução de tarefas promotoras de auto-regulação, auto-direcção e auto-avaliação. O desenvolvimento deste tipo de abordagem representa um meio de:

“ (…) ajudar o aluno a reflectir, compreender, esclarecer, estruturar e sistematizar as suas aprendizagens, a reflectir, compreender e a participar nas decisões da aula e a reflectir e compreender-se enquanto aluno, no sentido de desenvolver e automatizar estratégias facilitadoras da apropriação e uso da língua, tendo como meta a sua autonomização progressiva enquanto aprendente e comunicante.” (Almeida & Araújo e Sá, 2004: 126)

Sá-Chaves (2000:10) salienta algumas vantagens na utilização do portefólio, das quais se destacam as seguintes:

• Promover o desenvolvimento reflexivo dos participantes, quer ao nível cognitivo, quer metacognitivo.

• Estimular o processo de enriquecimento conceptual, através do recurso às múltiplas fontes de conhecimento em presença.

• Fundamentar os processos de reflexão para, na, sobre a acção, quer na dimensão pessoal, quer profissional.

• Estimular a originalidade e criatividade individuais no que se refere (…) aos processos de reflexão (…) através de vários tipos de narrativa.

• Permitir a regulação em tempo útil, de conflitos de etiologia diferenciada, garantindo condições de estabilidade dinâmica e de desenvolvimento progressivo da autonomia e da identidade.

• Facilitar os processos de auto e hetero-avaliação, através da compreensão atempada dos processos.

Assim, fica patente que o portefólio, quando bem planificado, apresenta vantagens significativas na aprendizagem do aluno, ainda que não possa ser considerado o único instrumento a ser utilizado no desenvolvimento de competências. Em turmas heterogéneas, nas quais os ritmos de aprendizagem são muito diferentes uns dos outros, o portefólio pode ser extremamente útil para o professor enveredar por uma pedagogia diferenciada, tendo em conta a capacidade de cada aluno.

Tradicionalmente, arquitectos, artistas e modelos usam os portefólios para apresentarem amostras do seu trabalho ou para demonstrar as suas capacidades a potenciais empregadores. Para estes profissionais, os portefólios constituem um registo e uma demonstração dos objectivos alcançados e dos atributos profissionais desenvolvidos ao longo do tempo e em colaboração com outros (Coelho & Campos, 2003). Ao ser importado para o campo educativo, o conceito de portefólio sofreu profundas alterações. A aplicação deste conceito nos contextos de ensino, mais concretamente na avaliação do desempenho dos professores, teve o seu início no Canadá, na década de 70, onde era designado por

“teaching dossier”. Contudo, o desenvolvimento do “portfolio movement” viria a

localizar-se nos Estados Unidos, no início da década de 90. Desde então, sobretudo nos países anglo-saxónicos e com relevância para os Estados Unidos, onde o portefólio é considerado como uma das três metodologias de topo actualmente em uso no país, o seu uso tem vindo, segundo Nunes (2000), a ganhar um lugar de destaque em âmbitos diversificados, por exemplo:

• avaliação da aprendizagem dos alunos (neste momento, existem estados nos Estados Unidos em que o portefólio constitui um instrumento de avaliação da totalidade dos alunos);

• avaliação de professores em formação e certificação de professores já formados (a National Board for Professional Teaching Standards, nos EUA, criada para melhorar a qualidade da certificação de professores a nível nacional, faz depender essa certificação da apresentação de um portefólio); • avaliação dos professores universitários (em 1998 eram mais de 400 as

instituições que nos Estados Unidos usavam os portefólios para a avaliação do desempenho dos seus docentes);

forma especial de Curriculum vitae, demonstrativo de certas competências e capacidades para um emprego ou função (nos Estados Unidos, os professores são responsáveis pela procura da sua própria colocação, passando muitas vezes por entrevistas nas escolas onde pretendem ser colocados).

Em Portugal, estamos ainda a dar os primeiros passos no que a esta estratégia se refere. Como afirma Sá-Chaves (2000: 9), “têm vindo a ser desenvolvidos esforços no

sentido de uma melhor compreensão das implicações positivas que possam decorrer da sua utilização como estratégia de formação, de investigação, de avaliação e ainda como estratégia de investigação ao serviço da qualidade da formação”. O mesmo se pode dizer

quanto ao uso do portefólio como metodologia de ensino e aprendizagem nas escolas. De acordo com Bernardes & Miranda (2003), o portefólio do aluno pode ser entendido como uma colecção organizada e devidamente planeada de trabalhos produzidos pelo aluno ao longo de um período de tempo, de forma a poder proporcionar uma visão tão alargada quanto possível do seu desenvolvimento (cognitivo, metacognitivo e afectivo). Para a “National Education Association” (EUA, 1993), corresponde a um registo da aprendizagem baseado no trabalho do aluno e na sua reflexão sobre esse trabalho. Daqui sobressaem três características mais marcantes desta metodologia:

- Uma colecção de trabalhos - Quer a selecção de trabalhos seja da responsabilidade do aluno, quer seja determinada pelo professor ou resulte de decisões negociadas entre ambos, a colecção de trabalhos resultante deve revestir-se sempre de um carácter representativo do trabalho desenvolvido pelo aluno;

- Criada com um propósito - Este propósito pode ser promover o desenvolvimento de competências gerais, ou de competências específicas, constituir um elemento de avaliação dos progressos do aluno numa ou em várias disciplinas;

- Com espaço para a reflexão e auto-avaliação do aluno - Esta é uma característica fundamental do portefólio, que o transforma num poderoso instrumento de aprendizagem e desenvolvimento.

O portefólio do aluno pode ser entendido como um roteiro dos percursos pessoais de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem do aluno. É um diário educativo, uma produção autobiográfica do aprendente, em que o mesmo se deve encontrar profundamente implicado (Nunes, 2000). Pode ainda ser visto como um projecto que dá protagonismo ao aluno e lhe confere responsabilidade num processo que exige a auto- avaliação continuada. Pode funcionar como um instrumento que permite ao professor ter uma visão global dos progressos de cada aluno e de todos em geral (Bernardes & Miranda, 2003). Através da reflexão sobre as colecções sistemáticas de trabalhos de um aluno, o professor e o aluno podem trabalhar em conjunto, no sentido de compreender capacidades, necessidades e progressos (Bernardes & Miranda, 2003: 17). Segundo Sá-Chaves (2005: 18), os portefólios são documentos personalizados, que permitem a (re)construção no percurso de aprendizagem, são ricos e contextualizados. Contêm documentação organizada com propósitos específicos que claramente demonstra conhecimentos, capacidades, aptidões e desempenhos alcançados durante um período de tempo. Tal como defende Alarcão (2003), “… a organização de um portfólio não é um processo deixado ao ‘calhas’;

implica reflexão, decisão, sistematização.” Os portefólios representam ligações

estabelecidas entre acções e crenças, pensamento e acção, provas e critérios. São um meio de reflexão que possibilita a construção de sentido, torna o processo de aprendizagem transparente e a aprendizagem visível, evidencia perspectivas e antecipa direcções futuras.

Nas várias definições de portefólio, umas acentuam o seu carácter documental enquanto outras, em oposição, colocam a tónica na sua natureza selectiva e reflexiva. No quadro 2.3, indicam-se algumas características que, em nosso entender, são importantes quando o portefólio se enquadra numa perspectiva construtivista da educação e direccionada para a autonomia dos alunos.