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Portugal e a Segunda Guerra Mundial – Neutralidade Colaborante

No documento ASPOF M Correia Lico 2015 (páginas 45-51)

2. DESENVOLVIMENTO

2.3. Portugal e a Segunda Guerra Mundial – Neutralidade Colaborante

totalmente neutra. De acordo com a Lei Internacional, há várias variantes na classificação de neutralidade. Por exemplo, a Suíça adoptou uma neutralidade “diferenciada” em 1920, uma decisão que demonstrou a abertura para aplicar sanções económicas e em 1938 adoptou uma neutralidade “integral” ou supostamente incondicional68.

Apesar da aparente precisão e definição destes termos legais, a neutralidade da Suíça, Suécia, Irlanda, Espanha, Vaticano e Portugal durante o período da Segunda Guerra Mundial pode-se definir melhor com o termo de “países não-combatentes com interesses próprios”. De facto, todos estes países tinham o objectivo comum de preservar uma relativa independência em política externa e resistir e controlar a sua política interna69.

A neutralidade era uma situação completamente normal em setembro de 1939, quando a guerra eruptou de novo na Europa. Contudo, em 1945, tal já não se verificava,

68 Jonathan Petropoulos, Co-Opting Nazi Germany: Neutrality in Europe During World War II ,

Dimensions: A Journal of Holocaust Studies ,àvolà11,à oà1,àAnti-Defa atio League’s Brau Holo aust

Institute, 1997. 69 Ibidem.

Fig. 14 – Mapa da orientação política dos países europeus durante o conflito entre 1939 e 1945, sendo de salientar a neutralidade mostrada

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havendo apenas um punhado de Estados que mantinham o estatuto de neutros: Suíça, Suécia, Espanha e Portugal70.

Nesse período de tempo, alguns países entraram na guerra aliando-se ao lado que consideravam sair vitorioso do conflito, sendo os restantes envolvidos involuntariamente na guerra por terem sido alvo de invasão por algum dos beligerantes.

A neutralidade foi uma situação normal para pequenos e médios Estados na Europa, não se levantando os problemas éticos e morais que se colocam hoje. Mas, para essa neutralidade se manter todo o tempo que a guerra durou foi necessário pagar um preço: no início esses países foram forçados a fazer concessões ao Eixo e na fase final fizeram concessões aos Aliados. O que se constatou ser um equilíbrio difícil de manter durante tanto tempo71.

A base central de qualquer teoria da neutralidade na II Guerra Mundial é a compreensão e assimilação de que a neutralidade dependia da:

 Capacidade de manter a neutralidade e garanti-la com as concessões oportunas a ambos os lados, cujo teor dependia da relação de forças regionais e da sua evolução;

 Capacidade de edificar um dissuasor credível contra um agressor externo, ou seja, ter umas Forças Armadas eficazes e um dispositivo de defesa nacional bem organizado;

 Estratégia dos grandes poderes bélicos para a zona onde se situa o Estado72.

A 1 de setembro de 1939, o Governo Português publicou uma nota oficiosa que dizia: “Felizmente os deveres da nossa aliança com Inglaterra, que não queremos eximir-nos a confirmar em momento tão grave, não nos obrigam a abandonar nesta

emergência a situação de neutralidade”73.

Em outubro de 1943, Churchill na Câmara dos Comuns em Inglaterra, com a sua estatura de grande figura de resistência ocidental face às forças nazis, veio declarar oficialmente o apreço do Governo Britânico à “lealdade do Governo Português, que nunca vacilou, nas horas mais sombrias da guerra, em se manter ao lado da sua velha aliada”74.

70 António José Telo. A Neutralidade Portuguesa e o Ouro Nazi, Lisboa, Quetzal Editores, 2000, p. 20. 71 Ibidem, p. 21

72

Ibidem, p. 22.

73 Luiz Teixeira, Portugal e a Guerra: Neutralidade Colaborante, Lisboa, Editorial Ática, 1945, p. 6. 74 Ibidem, p. 7.

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Nove meses após o início das hostilidades abertas na Europa, as linhas mestras da política externa portuguesa mantinham-se inalteradas, tendo o Presidente do Conselho, Dr. António Salazar, no discurso de inauguração da Casa Militar, em Lisboa, realçado o cumprimento dos deveres da paz portuguesa na Segunda Guerra Mundial, sendo estes o dever de estar sempre pronto a cumprir qualquer tarefa militar necessária, até à morte se necessário.

O prestígio externo e as amizades internacionais que o Governo Português tinha, permitiram a manutenção de uma zona de paz na Península Ibérica. Contudo, manter a honra, a dignidade e a independência nacional poderiam requerer sacrifícios totais75.

Com os tratados e acordos estabelecidos ainda antes do início da guerra, alguns deles com carácter históricos e já na altura com muitos anos de vigência, pode-se agora afirmar que a neutralidade portuguesa vinha já sendo preparada desde longe.

Neste âmbito, de salientar a assinatura do “Tratado de amizade e Não-agressão” com Espanha, em março de 1939, que trouxe a tal estabilidade na Península Ibérica. Com a assinatura deste tratado, a mensagem para os ingleses era clara e podia ser até a mesma que em 1388 o rei D. João I de Portugal enviou à corte britânica: “Tudo quanto

seja de vantagem e honra para nós é-o também para El-Rei de Inglaterra”76.

Em julho de 1940, o Presidente dos EUA, Franklyn D. Roosevelt, questionado quanto ao alargamento do bloqueio britânico no Atlântico, afirmou “A Península

Ibérica é o último traço de união entre a América e a Europa”, acentuando as relações

entre os dois países, disse ainda “As nossas relações com Portugal são as melhores e tenho a maior estima por esse país, que goza de uma situação privilegiada na Europa”77.

Portugal era de facto a última garantia atlântica nas vitais relações intercontinentais, sendo que sem esta garantia, os EUA ficariam isolados do Continente Europeu. Se os dois países ibéricos deixassem de manter acessíveis e livres as suas zonas marítimas no Atlântico e Mediterrâneo, o panorama internacional de navegação entre os dois continentes teria de ter mudado drasticamente.

O Almirante alemão Reader, no período em exerceu o comando-em-chefe da esquadra alemã, afirmou que “se alguma vez o triângulo (...) Lisboa Madeira Açores fosse colocado sob uma única autoridade miliar, a consequência automática

75

Luiz Teixeira, Portugal e a Guerra: Neutralidade Colaborante, Lisboa, Editorial Ática, 1945, p. 8.

76 Ibidem, p. 9. 77 Ibidem, p. 10.

36 desse facto seria uma completa mudança na situação europeia e nas relações entre os países europeus e os outros continentes... e essa mudança será em favor da potência

que ocupasse os três pontos do mesmo triângulo”78.

Em outubro de 1943, o governo português cedeu as facilidades nos Açores, nomeadamente a futura Base Aérea das Lajes, aos ingleses (e, posteriormente, aos americanos), mantendo-se essa cedência em segredo para os nazis. De realçar o elevado valor estratégico da posição obtida pelos ingleses.

Perante a nossa ajuda e estatuto na guerra, será justo perguntar-se, como pergunta Luiz Teixeira, se foi a neutralidade portuguesa, efectivamente um dos maiores serviços prestados à Inglaterra?79

Arthur Bryant, que era dos maiores escritores ingleses da altura, perguntava:

“Que serviço concebível poderia Portugal ter prestado à Inglaterra, em 1940, a não ser

o de se manter, se isso fosse humanamente possível, fora da guerra?”80.

Na realidade, o facto de Portugal não ter cedido às pretensões alemãs nem ter facilitado a criação de bases ou postos para a Força Aérea ou Marinha nazi em território nacional foi mais valioso que qualquer concessão feita à Inglaterra em tempo de guerra.

Em 1939 os dirigentes portugueses tinham-se apercebido da fragilidade do exército francês e na incapacidade das Forças Armadas inglesas de defenderem naquele momento Portugal. Qualquer aliança incondicional a França e Inglaterra contra a Alemanha teria como desfecho a ocupação nazi de Portugal81.

A neutralidade portuguesa foi assim a única forma de se poupar o país aos horrores da guerra.

De notar que não foi apenas Portugal que prestou serviços benéficos para Inglaterra e EUA, pois também se verificou o oposto, tendo estes países contribuído decisivamente para a sustentação da colectividade nacional no período da guerra, com fornecimentos de combustíveis e trigo82.

Apesar dos reduzidos recursos em efectivos de unidades marítimas que a Marinha nacional dispunha, foi possível prestar, em diversos oceanos, serviços de humanidade, busca e salvamento de náufragos. De facto, oito dos nossos navios de

78 Luiz Teixeira, Portugal e a Guerra: Neutralidade Colaborante, Lisboa, Editorial Ática, 1945, p. 13. 79 Ibidem, p. 15.

80

Ibidem, p. 16.

81 Ibidem, p. 17. 82 Ibidem, p. 21.

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guerra salvaram durante o período da guerra, 662 náufragos de várias nacionalidade cujos navios foram afundados.

E não foi só por parte da Armada Portuguesa, mas também da marinha mercante portuguesa, em que trinta e dois navios da marinha mercante conseguiram salvar 865 náufragos de várias nacionalidades.83

Noutra nota digna de menção, refira-se que Portugal recebeu, só no ano de 1940, refugiados que chegaram ao número elevado de 38.697 estrangeiros. No total, estima-se que durante a Segunda Guerra Mundial 100.000 judeus e outros refugiados de guerra que tentavam escapar às garras dos Nazis conseguiram fugir para Portugal, através de vistos concedidos pelo Governo ou seus representantes nos países em guerra84.

A neutralidade portuguesa foi assim muito importante, considerando ambos os pratos da balança da guerra, tendo pendido mais para o lado dos Aliados apesar de tudo. Essa neutralidade foi justificada? Certamente, visto que se a máquina de guerra nazi tivesse procedido à invasão de território português, as nossas defesas não teriam suportado muito tempo todo o poderio das forças alemãs.

No interesse de manter a independência, o controlo sobre o território soberano (Continental, Insular e Ultramarino) e o controlo da política interna, Portugal soube escolher a neutralidade, mantendo alianças com ambas as partes do conflito mundial, fazendo concessões quando necessário.

83 Luiz Teixeira, Portugal e a Guerra: Neutralidade Colaborante, Lisboa, Editorial Ática, 1945, p. 28. 84 Ibidem, p. 29.

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2.4. Forças Armadas Portuguesas durante a Segunda Guerra Mundial – o

No documento ASPOF M Correia Lico 2015 (páginas 45-51)