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Pos memoria, reconstitui<;oes

No documento SARLO Beatriz Tempo Passado - Ufmg 2007 (páginas 47-59)

James Young, no comec;:ode At memory's edge,Ipergunta-se

como "lembrar" aqueles fatos que nao foram diretamente experi- mentados, como "lembrar" 0que nao seviveu.As aspas que en qua- dram a palavra lembrarindicam urn uso figurado: 0que se "lembra"

e0vivido, antes, por outros. "Lembrar" se diferencia de lembrar

pelo que Young denomina carater vicario da "lembranc;:a". A dupla utilizac;:aode "lembrar" torna possivel0deslocamen-

to entre lembrar 0vivido e "lembrar" narrac;:6esou imagens alheias e mais remotas no tempo.

E

impossivel (a nao ser num processo de identificac;:ao subjetiva inabitual, que ninguem consideraria nor- mal) lembrar em termos de experiencia fatos que nao foram expe- rimentados pelo sujeito. Esses fatos so sao "lembrados" porque fazem parte de urn canone de memoria escolar, institucional, poli- tica e ate familiar (a lembranc;:a em abismo: "lembro que meu pai lembrava': "lembro que na escola ensinavam", "lembro que aquele monumento lembrava").

Alertado intermitentemente pelo marco que enquadra 0lem-

alguem que ouviu seu protagonista. A oralidade imediata (as his- torias do narrador que Benjamin pensa que deixaram de existir) e praticamente inencontnivel, exceto sobre os fatos do mais estrito cotidiano. 0 resto sao historias recursivas: historias de historias recolhidas nos meios de comunica<;:ao ou distribuidas pelas insti- tui<;:6es.Por isso a media<;:aode fotografias, em Hirsch, ou0regis-

tro de todos os tipos de discurso a partir dos quais a memoria se constroi, em Young, nao marcam urn tra<;:oespedfico que mostre a necessidade de uma no<;:aocomo a de pos-memoria, ate agora inexistente.

Se0que se quer dizer e que os protagonistas, as vitimas dos

fatos ou simplesmente seus contemporaneos estritos tern deles uma experiencia direta (por mais direta que possa ser uma expe- riencia), bastaria denominar memoria a captura em relato ou em argumento desses fatos do passado que nao ultrapassam a dura<;:ao de uma vida. Esse e0sentido restrito de memoria. Por extensao,

essa memoria pode se tornar urn discurso produzido em segundo grau, com fontes secundarias que nao vem da experiencia de quem exerce essa memoria, mas da escuta da voz (ou da visao das ima- gens) dos que nela estao implicados. Essa e amemoria de segunda

geraifClo,lembran<;:apublica ou familiar de fatos auspiciosos ou tra-

gicos. 0 prefixo pas indicaria 0habitual: eo que vem depois da memoria daqueles que viveram os fatos e que, ao estabelecer com ela essa rela<;:aode posterioridade, tambem tern conflitos e contra- di<;:6escaracteristicos do exame intelectual de urn discurso sobre0

passado e de seus efeitos sobre a sensibilidade.

Apresenta-se como novidade algo que pertence

a

ordem do evidente: se 0pass ado nao foi vivido, seu relato so pode vir do

conhecido atraves de media<;:6es;e, mesmo se foi vivido, as media- <;:6esfazem parte desse relato. Obviamente, quanto maior 0peso dos meios de comunica<;:ao na constru<;:ao do publico, maior a influencia que terao sobre essas constru<;:6esdo passado: os "fatos

midi<iticos" nao sao a ultima novidade, como parecem acreditar alguns especialistas em comunica<;:ao, mas a forma como foram conhecidas, para mencionar exemplos que tern quase urn seculo, a Revolu<;:aoRussa e a Primeira Guerra Mundial. Jornais, televisao, video, fotografia sao meios de urn passado tao forte e persuasivo como a lembran<;:ada experiencia vivida, e muitas vezes se confun- demcom ela.

Young se estende acerca dos problemas colocados pelo cara- ter vicario da lembran<;:ade urn passado que nao se viveu, como se fosse urn tra<;:oinedito que pela primeira vez caracterizasse os fatos de uma historia recente. Mas e obvio que toda reconstitui<;:ao do passado e vicaria e hipermediada, exceto a experiencia que coube ao corpo e

a

sensibilidade de urn sujeito.

A palavra pas-memoria, empregada por Hirsch e Young, no caso das vitimas do Holocausto (ou da ditadura argentina, ja que se estendeu a esses fatos) descreve0caso dos filhos que reconstituem

as experiencias dos pais, apoiados na memoria deles, mas nao so nela. A pos-memoria, que tern a memoria em seu centro, seria a reconstitui<;:ao memorialistica da memoria de fatos recentes nao vividos pelo sujeito que os reconstitui e, por isso, Young a qualifica como "vicaria". Mas mesmo caso se admita a necessidade da no<;:ao de pos-memoria para descrever a forma como urn passado nao vivido, embora muito proximo, chega ao presente, e preciso admi- tir tambem que toda experiencia do passado

e

vicaria, pois implica sujeitos que procuram entender alguma coisa colocando-se, pela imagina<;:aoou pelo conhecimento, no lugar dos que a viveram de fato. Toda narra<;:aodo passado e uma representa<;:ao,algo dito no

lugarde urn fato. 0 vicario nao e espedfico da pos-memoria.

Tampouco a media<;:ao (ou "hipermedia<;:ao", como escreve Young para fortalecer por hiperbole seu argumento) e uma quali- dade especifica. Numa cultura caracterizada pela comunica<;:aode massa a distancia, os discursos dos meios de comunica<;:aosempre

funcionam e nao podem ser eliminados. So a extrema privac;:ao,0

isolamento completo ou a loucura se subtraem a eles.Por outro

lado, a construc;:ao de urn passado por meio de relatos e represen-

tac;:oesque the foram contemporaneos e uma modalidade da his-

toria, nao uma estrategia original da memoria. 0 historiador per-

corre os jornais, assim como 0 filho de urn seqiiestrado pela

ditadura examina fotografias. 0 que os distingue nao e0carater

"pos"da atividade que realizam, mas0envolvimento subjetivo nos

fatos representados.

o

que diferencia, de urn lado, a busca que os filhos fazem dos

vestigios de urn pai ou mae desaparecidos e, de outro, a prMica de uma equipe de arqueologos forenses no sentido do esc1arecimen- to e da justic;:aem termos gerais e a intensidade da dimensao sub-

jetiva. Se se q uer dar0nome de pos- memoria

a

historia do desapa-

recimento do pai reconstituida pelo filho, esse nome so seria

aceitavel por duas caracteristicas: 0envolvimento do sujeito em

sua dimensao psicologica mais pessoal e0carMer nao "profissio-

nal" de sua atividade. 0 que0diferencia do historiador ou de urn

promotor, senao 0que decorre da ordem da experiencia subjetiva

e da formac;:aodisciplinar? So a memoria do pai.Se e para chamar

de pos-memoria 0discurso provocado no filho, isso se deve

a

tra-

ma biografica e moral da transmissao,

a

dimensao subjetiva e mo-

ral.Em principio, ela nao e necessariamente nem mais nem menos

fragmentaria, nem mais nem menos vicaria, nem mais nem me- nos mediada do que a reconstituic;:ao realizada por urn terceiro; mas dela se diferencia por ser perpassada pelo interesse subjetivo vivido em termos pessoais.

o

que faz Art Spiegelman senao par em cena, numa historia

em quadrinhos, os avatares especificos da construc;:ao de uma "his- toria oral" em que sua subjetividade esta envolvida, ja que se trata de sua propria familia, mas onde aparecem, alem disso, muitos

problemas do historiador?3 E, quando descreve as etapas de sua

pesquisa, a jovem arqueologa que chega da Franc;:apara descobrir

as condic;:oesda morte do pai nao esta de certo modo reduplican-

do os metodos da tese que foi realizar no planalto pampiano?4 Se

esse forte envolvimento da subjetividade parece suficiente para se

denominar urn discurso de "pos-memoria", ele 0sera nao pelo

carMer lacunar dos resultados, nem por seu carater vicario. Sim-

plesmente se tera escolhido chamar pos-memoria 0discurso em

que ha0envolvimento da subjetividade de quem escuta 0testemu-

nho de seu pai, de sua mae, ou sobre eles.

o

gesto teorico parece entao mais amplo que necessario.

Nao tenho nada contra os neologism os criados por aposic;:aodo

prefixo

pas;

pergunto apenas se correspondem a uma necessidade

conceitual ou se seguem urn impulso de inflac;:aoteorica. Desde 0

seculoXIXa literatura autobiografica abunda em memorias da me-

moria familiar. Sarmiento, emRecuerdos de provincia, comec;:apela

historia de sua familia e a reconstitui (bem arbitrariamente, deve-

mos admitir) a partir de fontes familiares e uns poucos documen-

tos. Hoje, esses capitulos de seu livro receberiam 0nome de pos-

memoria, 0 que parece completamente desnecessario para se

compreender a relac;:aocomplexa e conflituosa de Sarmiento com

seu pai,0esteticismo e a vibrac;:aomoral do retrato de sua mae e as

operac;:oesde invenc;:ao-recriac;:aode uma familia que, por seus bra- soes, the permite afirmar-se como filho de uma linhagem, e nao so

de suas obras. Victoria Ocampo comec;:asua autobiografia com 0

ava, que era amigo de Sarmiento; para entender esse comec;:oe per-

feitamente inutil 0conceito de "pos-memoria", que, em teoria,

deveria ser aplicado.

o

fato de essas memorias familiares de Sarmiento ou Ocampo

nao terem sido traumatic as, sera que e isso que as separa dos relatos

da pos-memoria? Se assim fosse, nao se trataria de uma noc;:aoque

so serve para se referir a fatos terriveis do passado (0 que implicaria

teoria da pos-memoria nao levou em conta esses avatares classicos da autobiografia - sobre os quais se escreveram bibliotecas desde que0tema foi inaugurado por Gusdorf e Starobinski e se incorpo-

rou

a

moda critica por Lejeune-, mas foi elaborada no quadro dos estudos culturais, especificamente naqueles que dizem respeito ao Holocausto. A nOyao foi pensada nesse espayo interdisciplinar, e so ali se poderiam afirmar suas pretensoes de especificidade, tanto na qualidade do fato rememorado, como no estilo co-memorativo das atividades que mantem sua lembranya.

Mas os estudos de memoria (nos ultimos anos desenvolvidos em quantidades industriais, sobre todos os tern as e identidades) citam a nOyao de "pos-memoria" (sobretudo tal como Hirsch a apresenta) como se ela possuisse alguma especificidade heuristica alem do fato de que se trata do registro, em termos memorialisti- cos, das experiencias e da vida de outros, que devem pertencer

a

gera<;:aoimediatamente anterior e estao ligados ao pos-memoria- lista pelo parentesco mais estreito. Essa no<;:aose tornou uma novi- dade teorica sintonizada com outro apogeu disciplinar: 0dos estu- dos sobre subjetividade e sobre as "novas" dimensoes biograficas - urn deslocamento feito pelo proprio livro de Hirsch, com capi- tulos em que assistimos

a

analise cautelosa de fotos dela com a mae, tiradas pouco antes por urn fotografo de imprensa que, na opiniao de Hirsch, nao soube captar 0carciter da relayao que une mae e

filha; sem falar da explica<;:aode como Hirsch construiu 0album de

fotos familiares oferecido aos pais num aniversario importante (para a familia Hirsch, e claro). A inflayao teorica da pos- memoria se reduplica, assim, num armazem de banalidades pessoais legiti- madas pelos novos direitos da subjetividade, que se exibem nao so no espayO tragico dos filhos do Holocausto, mas naquele mais amavel de imigrantes centro-europeus que se deram bem na America do Norte e encontram poucos traumas em seu passado que nao se refiram a como integrar-se aos novos costumes e modas

(pelo menos essa e a versao de Hirsch, que passa pelo centro exato do que aconteceu com sua propria familia).

No entanto, uma observayao de Hirsch, no final de seu livro,s

apresenta uma rela<;:aomenos narcisista com as categorias. Ela afir- ma que, no caso dos judeus laicos e urban os, a identidade judaica se constroi como consequencia da Shoah. Nessa dimensao identi- taria, a pos-memoria cumpre as mesmas funyoes classicas da memoria: fundar urn presente em rela<;:aocom urn passado. A rela- <;:aocom esse passado nao e diretamente pessoal, em termos de familia e pertencimento, mas se da atraves do publico e da memo- ria coletiva produzida institucionalmente.

E

essa a dimensao em que se movem os ensaios de Young, que discute apenas a pos- memoria do Holocausto e as estrategias de monumentaliza<;:ao (refutadas pelas estrategias simetricas dos contramonumentos).

A questao e se a qualidade "pos" diferencia a memoria de outras reconstituiyoes. Como se viu, os teoricos da pos-memoria argumentam de duas maneiras, oferecendo duas razoes para a especificidade da noyao. A primeira e que se trata de uma memo- ria vicciria e mediada (esse e0argumento central de Young, que

tende a considerar como urn trayo especifico aquilo que e proprio do discurso sobre 0passado); a segunda e que se trata de uma memoria em que estao implicados dois niveis de subjetividade (esse e0argumento central de Hirsch, que tende a acentuar a

dimensao biografica com valor identitario das operayoes de pos- memoria). Ambos coincidem no aspecto fragmentario da pos- memoria e0consideram urn trayo diferencial, como se os discur-

sos sobre 0passado nao se definissem tambem por sua radical

incapacidade de reconstituir urn todo.

Abandonando-se 0ideal de uma historia que atinja a totali-

dade por meio de certos principios gerais que the dariam unidade, toda historia e fragmentaria. Se0que se quer afirmar e que as his-

as razoes para admitir que sua memoria tern mais lacunas do que outras. Primo Levi avanc;:apor esse caminho, porque acredita que a verdade do Lager esta nos mortos, que jamais poderao voltar para enuncia-la. Mas, fora dessa convicc;:ao de Levi, seria preciso de- monstrar a incompletude da memoria sobre 0Holocausto, urn acontecimento macic;:amente cercado de interpretac;:ao: a propria palavra com que e designado e uma interpretac;:ao de sentido trans- cendente e inflexao religiosa. Na verdade, hoje 0Holocausto nao parece lacunar, a menos que se pense que seu aspecto fragmenta- rio vem do fato de nao se ter conseguido reconstituir cada um dos acontecimentos (pretensao algo primitiva em termos de metodo, embora represente urn valor moral no sentido de que cada uma das vitimas tern direito

a

reconstituic;:ao de sua historia, que, no aspec- to pessoal, e obviamente unica). Ou tambem que 0centro da ma- quina de morte, as camaras de gas e os cremat6rios so podem ser reconstituidos arqueologicamente.

o

aspecto fragmentario de toda memoria e evidente. Ou se deseja dizer algo mais que isso, ou simplesmente se esta jogando sobre a pos-memoria aquilo que se aceita universalmente desde 0 momento em que entraram em crise as grandes sinteses e as gran- des totalizac;:oes:desde meados do seculoXXtudo e fragmentario.

Esse aspecto fragmentario decorre, na opiniao de Young,6do vazio entre a lembranc;:ae aquilo que se lembra. A teoria do vacuum ignora 0fato de que esse vazio sempre marca qualquer experiencia de rememorac;:ao, ate a mais banal. Young passa sem a menor difi- culdade por cima do vazio deixado pelo Holocausto, do vazio dos judeus na Alemanha e do vazio que esta no centro da experiencia da lembranc;:a. Arma-se assim uma especie de corrente metonimi- ca de urn vazio para outro, embelezada por todos os prestigios teo- ricos, a que se poderiam acrescentar 0vazio constitutivo do sujei- to, 0vazio de onde surge 0enunciado, 0vazio cuja lembranc;:a e recortada com dificuldade etc. etc.Como e impossivel contradizer

a ideia de vazio deixada pelo Holocausto, essa evidencia se transfe- re, sem maiores exames, a outros "vazios". Filosoficamente

a

fa

mode,essa corrente e mais sugestiva do que solida.

o

"vazio" entre a lembranc;:a e aquilo que se lembra e ocupa- do pelas operac;:oeslingiiisticas, discursivas, subjetivas e sociais do relato da mem6ria: as tipologias e os modelos narrativos da expe- riencia, os principios morais, religiosos, que limitam 0campo do lembravel,o trauma que cria obstaculos

a

emergencia da lembran- c;:a,os julgamentos ja realizados que incidem como guias de avalia- c;:ao.Mais que de urn vazio, trata-se de urn sistema de defasagens e pontes te6ricas, metodologicas e ideologicas. Se alguem quer cha- mar esse sistema de "vazio", tern0direito de faze-Io, na medida em que defina outro espac;:o(entre 0fato e sua memoria) onde ocorra o discurso e se ope rem as condic;:oesde possibilidade.

E

urn vazio cheio de retorica e de avaliac;:ao.

o

aspecto fragmentario do discurso de memoria, mais que uma qualidade a se afirmar como destino de toda obra de reme- morac;:ao, e urn reconhecimento exato de que a rememorac;:ao opera sobre algo que nao esta presente, para produzi-Io como pre- senc;:adiscursiva com instrumentos que nao sao especificos do tra- balho de memoria, mas de muitos trabalhos de reconstituic;:ao do passado: em especial, a historia oral e aquela que se ap6ia em regis- tros fotograficos e cinematograficos. 0 aspecto fragmentario nao e uma qualidade especial desse discurso que se vincularia com seu "vazio" constitutivo, mas uma caracteristica do relato, de urn lado, e do carater inevitavelmente lacunar de suas fontes, de outro. S6 na teoria do irrepresentavel do Holocausto seria possivel afirmar a prevalencia do vazio sobre a palavra. Mas, nesse casa, nao se trataria de relatos lacuna res, e sim impossiveis. Em outros casos de discursos sobre morte e repressao, essa teoria nao poderia simplesmente estender seu dominio, e deveria demonstrar que essa extensao e des- critivamente adequada.

No entanto, como demonstra uma analise brilhante de Georges Didi-Huberman, 0irrepresentavel do Holocausto e a ausencia daqueles documentos que foram sistematicamente des- truidos. Nao ha imagens de urn crematorio em funcionamento, exceto as quatro fotografias tiradas por urn preso e analisadas por Didi-Huberman: "Custasse 0que custasse, era preciso dar uma forma aquele inimaginavel':7 a que sabemos do Lagerefragmen- tario, sobretudo porque houve uma decisao politica e urn espayo concentracionario que se propuseram liquidar toda possibilidade de comunicayao com 0exterior e, por conseguinte, de representa- yao posterior. as mortos, como indica Primo Levi, aqueles sobre os quais se cumpriu de vez0destino concentracionario, sao irre-

presentaveis porque a experiencia em que culmina 0Lager- a camara de gas - e a experiencia da qual nao e possivel reconstituir coisa alguma. S6 os que se salvaram, diz Levi, tern condiyoes de dar testemunho, mas esse testemunho, a urn s6 tempo obrigado e coer- citivo (pois exerce sua forya potencial sobre os sobreviventes), e incompleto, porque nao tocou no nucleo assassino da verdade concentracionaria. Mas Didi- Huberman dedica sua analise a essas quatro imagens do crematorio para, de urn lado, mostrar que alguem, urn prisioneiro que arriscava tudo, tornou-as possiveis e, de outro, que essas imagens, apagadas, imperfeitas, sao uma base para imaginar 0Lager,e nao urn kone fetiche que encerraria seus

sentidos ao tentar representa-Ios.

Fora do Lager,diante de produyoes discursivas ou esteticas contemporaneas, longe do imp acto que provocou 0 dictum de

Adorno, respondido, quase de imediato, pela poesia de Paul Celan, a teoria do vazio representacional e da qualidade lacunar da reconstituiyao memorialistica forma urn sistema com outro lugar- comum contemporaneo, que afirma que, quanta mais importan- tes sao as perguntas, menos se po de pretender responder a elas. Nao se descarta simplesmente a resposta que impoe uma versao

com exclusao de outras, mas e necessario se precaver contra qual- quer resposta que produza uma clausura indesejavel. Quando analisa0projeto do museu judaico de Bedim, de Daniel Libeskind, Young recorre a uma f6rmula com a qual acredita deixar estabele- cidos os meritos do projeto, porque teria "respondido ao problema deixando-o sem soluyao".8A formula paradoxal nao significa tanto como suas pretensoes. Young quer dizer que Libeskind nao anulou o problema, nao0tornou invisivel aos visitantes do novo edifkio;

que, ao mesmo tempo que encontrou uma soluyao para 0projeto

e a efetivou, conservou os dados que seu proprio projeto devia resolver. Mas, em vez de apresentar esse argumento simples, Young recorre ao paradoxa e, assim, salienta a aporia dos trabalhos de mem6ria (e de seus monumentos e contramonumentos). Salienta o que denomina a "irresoluyao perpetua",9 uma formula tao atraente como nebulosa. Se se quer dizer que uma questao esta lite-

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