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POSADA, 1970, 60 91 BRECHT, 1967, p 153-159.

1.3 – EXÍLIO NA AMÉRICA LATINA E PRÁTICAS DE TEATRO POPULAR

90 POSADA, 1970, 60 91 BRECHT, 1967, p 153-159.

72 naturalizado. Em resumo, Brecht transborda a estrutura dialética da dramaturgia e percebe que para ela se realizar é preciso haver uma dialética de encenação orientada pelo uso consciente de técnicas e estilos teatrais.

Essa orientação de um “novo teatro popular” discutida por Brecht é o resultado já de uma visão que deixou para trás o agitprop e algumas de suas limitações dialéticas, e também da pretensão de se fazer um teatro sofisticado do ponto de vista formal, sem perder as expressões mais peculiares das linguagens populares e sua comunicação com o povo. Em outras palavras, se do ponto de vista das transformações sociais, a Alemanha Nazista tirou o agitprop das ruas e fez Brecht pensar em outras formas teatrais capazes de abordar a vida social nas suas mais complexas contradições, inclusive usando a estrutura do teatro burguês para isso, na América Latina, depois de um curto período de experiências com movimentos sociais, o teatro de Boal passou por um influxo histórico semelhante, principalmente em trabalhos realizados no exílio europeu.

Em um primeiro momento, na América Latina, Boal não se atentou para todas as nuanças dialéticas discutidas por Brecht acerca do que o alemão considerava como o “novo teatro popular” porque o brasileiro estava atrelado às necessidades sociais da ordem do dia, e consequentemente seu conceito de teatro popular tinha conexão direta com a ideia de agitprop. Por outro lado, semelhante à força de caráter autoritário da Alemanha hitleriana, a América Latina fascista aos poucos também tirou o brasileiro da ativa. Isso significa dizer que, num primeiro momento, Boal praticou na América Latina aquilo que Brecht já havia superado na Europa (o agitprop), e isso foi parte do que o brasileiro entendia como teatro popular político. Depois, com a força da repressão militar latino-americana e o exílio na Europa, Boal inevitavelmente repensou o alcance do teatro de agitação e propaganda e se deparou com preocupações semelhantes às do dramaturgo alemão. Em uma palavra, em um momento posterior às experiências da América Latina, Boal passou a se deter um pouco mais nas nuanças da relação dialética entre a subjetividade presente nas relações pessoais e sua representação objetiva na esfera social.

Na Europa do Estado de Bem-estar social, Boal não encontrou um solo tão propício à coletividade como o vivido por ele na América Latina. Nos Estados que compunham aquilo que então se chamava Terceiro Mundo, nações pobres anteriormente coloniais, tais como as latino-americanas, Boal encontrou em movimentos sociais certas temáticas políticas que fizeram seu teatro se concretizar no bojo do senso coletivo. Ao

73 mesmo tempo em que o senso coletivo, ao dar mostras de amadurecimento político, fez as forças repressivas ficarem alertas e endurecerem as “regras do jogo” das ditaduras militares latino-americanas, que não queriam deixar a fragilidade política dar lugar a revoluções sociais.

Conforme Eric Hobsbawm, a ideia era, ao contrário disso, trazer a estabilidade política por meio da força militar, para preparar o terreno para o Terceiro Mundo deixar de ser produtor primário para as economias desenvolvidas, e entrar em consonância com as novas leis de mercado estabelecidas depois da Segunda Guerra Mundial 92. O

teatrólogo brasileiro viu a violência militar aumentar progressivamente nos países latino-americanos onde trabalhava com o Teatro do Oprimido, e isso o fez pensar em outros ares que não os respirados em regimes ditatoriais.

Depois da morte de Perón em 1974 e da ascensão da extrema direita ao poder, o exílio de Boal na Argentina estava com os dias contados. Os planos do brasileiro naquele momento não poderiam ser outros a não ser tentar algo na Europa. E não adiantaria Boal sair da Argentina e ir para outro país latino-americano. No período as trocas de informações entre as ditaduras militares no Cone Sul eram permanentes. Só para se ter uma ideia, além da Operação Condor, a mais abrangente delas, existiam outras formas de cooperação, como a Operação Cristal e a Operação Colombo.

Segundo alguns dados levantados por pesquisas recentes, em 1975 os ditadores argentinos, chilenos, uruguaios, paraguaios e bolivianos, assinaram um pacto com o objetivo de articular a repressão em cada um dos países envolvidos. Consta que foi a ditadura chilena que teve a iniciativa de formação da Operação Condor, ao realizar, em novembro de 1975, no Chile, um congresso sob a coordenação da Direción Nacional de Inteligência (Dina). Muitos pesquisadores consideram que primeiramente o Brasil participou apenas como ouvinte, mas que,depois de certo tempo os ditadores brasileiros passaram a participar ativamente da operação, que possuía como outro forte aliado o governo norte-americano, que colocou à disposição os conhecimentos da CIA. Toda a rede de atuação firmada entre os países ditatoriais configurou uma imensidão de atos criminosos como perseguições, torturas, assassinatos e transferências extrajudiciais, um

74 procedimento ilegal altamente secreto que permitia o envio de um preso de um país para o outro sem que as cortes nacionais e internacionais fossem acionadas 93.

Diante de todo esse contexto de brutalidade das ditaduras latino-americanas contra qualquer um que se opusesse aos governos fascistas, Boal tentou renovar seu passaporte para viajar a Portugal, aproveitando um convite da Secretaria de Cultura de Lisboa para fazer parte da equipe do núcleo de professores do governo português. A primeira tentativa foi frustrada. O governo brasileiro recusou o pedido de Boal e seu passaporte não foi renovado. Depois de conversar com César Vieira, pseudônimo de Idibal Almeida Piveta, Boal entrou com uma ação contra o governo brasileiro e ficou à espera de um resultado positivo. Cesar Vieira, que além de ter sido aluno de Boal na EAD e ser homem de teatro, era advogado e já havia defendido Boal e outros colegas presos políticos. Passado um ano, o advogado conseguiu a liberação do passaporte de Boal, feito também conseguido para inúmeras outras pessoas 94.

Em 1976, Boal viajou para Lisboa com o interesse de encontrar terra fértil para dar continuidade aos trabalhos que vinha desenvolvendo na América Latina. A partir daí, começou uma nova etapa do exílio do brasileiro e isso influenciou diretamente a perspectiva estética do seu teatro. Na Europa, como o teatrólogo mesmo afirmou, a descoberta foi de que as opressões eram, “via de regra, diferentes, mais cheias de nuanças e filigranas, menos óbvias, mais escondidas.” (BOAL, 1980, p. 127). Portugal, Alemanha, Inglaterra, Suécia, Dinamarca e França, esses foram alguns dos países nos quais Boal atuou no segundo momento de seu exílio.

93 Sobre isso ver a coleção de artigos do livro: CORDEIRO, Janaina Martins; LEITE, Isabel C.; REIS,

Daniel Aarão; SILVEIRA, Diogo Omar. À Sombra das Ditaduras – Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Editora MAUAD, 2014. Artigo específico sobre a cooperação: SILVA, Jussaramar. Trocas de informações e transferências extrajudiciais entre as ditaduras militares na América do Sul (1960/1970).

94 Sobre o começo da amizade de Boal com Idibal Almeida Piveta, o teatrólogo relata o seguinte: “Em

1959, Alfredo Mesquita me convidou para inaugurar Dramaturgia na Escola de Arte Dramática, o que tornou desnecessário os cursos no Arena, quem quisesse, fosse para a EAD. Tive alunos inspirados: Renata Pallotini e Lauro César Muniz, na primeira fila, no meu primeiro ano. Na segunda turma, meu amigo e, mais tarde, advogado político, César Vieira (Idibal Piveta). Para montar peças suas, César criou o União e Olho Vivo, já trintenário, o mais antigo teatro popular do Brasil”. (BOAL, 2000, p. 150).

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1.4 - O TEATRO DE BOAL NA EUROPA: UM MOVIMENTO EM DIREÇÃO À