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Perante o exposto tudo se resume à questão de saber se o efeito-à-distância se impõe regiamente ou se, tendo em conta que se devem interpretar restritivamente as normas que limitam o gozo e o exercício de direitos, liberdades e garantias, como se manifestam, v.g., as escutas telefónicas, em determinadas situações se deve olhar para o caso concreto e afastar o tele-efeito, ou seja, atender ao nexo de causalidade ou à imputação objetiva entre a violação da proibição de prova e prova secundária?

Não obstante todas as teses supramencionadas, que mais não são do que tentativas doutrinais para encontrar o modelo ideal que permita atenuar o efeito dominó do tele-efeito. Nesta contenda há autores que defendem uma verificação de um alto grau de probabilidade na obtenção de provas mediatas caso essa obtenção não tivesse sido

alcançada como base na violação da lei269, ou ainda há quem reclame exigências

correspondentes às da convicção do juiz necessária para sustentar a condenação do arguido.270

Aqui o que importa notar é que, e como já dissemos ao longo deste estudo, “todas as normas constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e desempenham uma função útil no ordenamento”.271 Portanto a todas as normas jurídicas deve-se dar uma interpretação que “não lhe retire ou diminua a razão de ser. Mais: a uma norma fundamental tem de ser atribuído o sentido que mais eficácia lhe dê; a cada norma constitucional é preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o máximo de

capacidade de regulamentação.”272 O que ainda importa salientar nesta matéria é o facto

de que “os preceitos constitucionais devem ser interpretados não só no que

explicitamente ostentam como também no que implicitamente deles resulta.”273

Dito isto, o instituto das proibições de prova, contido genericamente no artigo 32.º, n.º 8 da CRP, para que desempenhe uma função útil e de modo a que não lhe seja retirado a sua eficácia terá de ser interpretado no sentido de consagrar no seu âmbito normativo o tele-efeito, e em consequência desta interpretação deverá, de modo a que lhe seja atribuída a maior eficácia possível e capacidade normativa, ser instituído um regime constitucional de efeito-à-distância da proibição de valoração a todas as provas secundárias sem que se lhe imponha um limite constitucional.

269 Roxin, apud Costa Andrade, Sobre Proibições…,p.316 270

Beulke, apud Costa Andrade, Sobre Proibições…,p.316

271

Jorge Miranda, Manual…, Tomo II, p.260

272

Ibidem

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No entanto, cumpre referir o seguinte. É verdade que o Estado, na sua vertente de perseguição penal, tem o dever jurídico-constitucional de encontrar os verdadeiros agentes dos crimes e em consequência puni-los em obediência aos cânones jurídico- constitucionais e jurídico-penais. Ao mesmo tempo que tem este dever, tem igualmente de fazer esta perseguição em obediência aos direitos fundamentais de todos os cidadãos e respeitá-los na sua plenitude. Portanto, e como já dissemos, coloca-se o problema de

ponderação ou o balanceamento de bens274.De um lado, a perseguição penal com vista à

descoberta da verdade material, i.e., encontrar os reais culpados e todos os factos associados à prática do crime, e por outro lado, salvaguardar os direitos fundamentais dos cidadãos.

Este conflito surge, em primeiro lugar, porque existem duas normas jurídicas que, tendo em conta as circunstâncias do caso, não podem ser realizadas ou otimizadas em todas as suas potencialidades.275 Este é o primeiro pressuposto para que possa ser aplicado o instituto da ponderação de bens e, adicionalmente, é necessário que se verifique a inexistência de regras abstratas de prevalência276. Sucede que, a nosso ver, não existe um real conflito de bens ou normas jurídicas, senão vejamos.

Em primeiro lugar, pelo menos desde o Estado Social de Direito, que todas as normas constitucionais têm de ser interpretadas tendo em vista a dignidade da pessoa humana277, e nessa circunstância não nos esqueçamos que o Direito trata sobretudo e antes de tudo da pessoa humana.278 Isso dá primazia à pessoa sobre o grupo como critério aferidor da juridicidade das soluções criadas e aplicadas.279 Portanto, isto significa, que as normas constitucionais, mesmo que estejam em conflito, têm de ser interpretadas e aplicadas em homenagem à dignidade de pessoa humana.

A pretensa descoberta da verdade material terá de ser alcançada com respeito pela dignidade da pessoa humana e, por essa via terá, o correspondente preceito constitucional, ser aplicado e interpretado com base nesse respeito. Daqui resulta o seguinte: a busca da verdade material quando em conflito com alguns direitos, liberdades e garantias é automaticamente restringida em prol dos direitos fundamentais dos cidadãos. Significa, na verdade, que nem sequer chega a existir um real conflito

274

J.J. Gomes Canotilho, Ob.Cit.,p.1240

275

Ibidem

276 Ibidem

277 Jorge Miranda, Manual…, Tomo IV, p.194 278

Eduardo Vera-Cruz Pinto, in Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito, Princípia, 1ª Edição, 2010, p.19

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entre os direitos constitucionais discutidos na nossa análise, porquanto, muito antes de se chegar a esse ponto, os preceitos constitucionais respeitantes à prerrogativa estadual na busca da verdade material já foram interpretados de modo a ajustarem-se a futuros conflitos.

O instituto das proibições de prova deve ser interpretado como abrangendo no seu âmbito normativo o tele-efeito, e em consequência sendo este último efeito um mecanismo que visa a proteção, em última instância, dos direitos fundamentais deve ser aplicado em cadeia sem qualquer restrição. A acrescer a este argumento, não nos esqueçamos que as normas constitucionais que permitam qualquer restrição aos direitos, liberdades e garantias, devem sempre garantir o seu núcleo essencial (art.18.º da CRP), e em consequência caso não fosse admissível o efeito dominó do efeito-à-distância, seria frustrado o conteúdo essencial das normas do n.ºs 1 e 8 do artigo 32.º CRP, que determina a nulidade, com a devida interpretação, de todas as provas obtidas mediante a violação dos direitos fundamentais. Portanto, pertence ao núcleo essencial das normas citadas o tele-efeito e a sua consequente propagação em cadeia.

Em segundo lugar, de todas as teses que analisámos a maioria vacila visto que partem com base em argumentos que afetam irremediavelmente os objetivos fundamentais do instituto das proibições de prova, i.e., a sua função dissuasora, a sua função de garante de proteção dos direitos fundamentais e a sua função de limitador da descoberta da verdade material.

Num palavra a doutrina do efeito-à-distância determina que a prova ilícita é uma “árvore” que se contaminou com uma mancha (um vício) e, em decorrência, todas as outras provas que derivem daquela “árvore envenenada”, ainda que a sua obtenção tenha ocorrido de forma lícita, também ficam contaminadas pela ilicitude da prova originária.280

Todavia, não nos podemos ignorar que a doutrina e a jurisprudência entendem que existem determinados limites necessários a impor ao tele-efeito.

Estes limites estão enunciados nesta parte visto que serão tratados autonomamente no ponto seguinte. Portanto, estas limitações decorrem de distinções efetuadas pela doutrina e jurisprudência americanas, no âmbito das exceções à fruit of the poisonous

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tree doctrine, entre elas a independent source doctrine, attenuated connection principle, e inevitable discovery rule.281

O que iremos analisar no ponto seguinte é saber se estas limitações brigam com o efeito dominó pleno que defendemos ou se, afinal são verdadeiras limitações ao tele- efeito.

281

V.g., Wayne R. LaFave, Jerold H. Israel, Nancy, J. King, Ob.Cit.,p.502 a 529; Carlos Fidalgo Gallardo, Ob.Cit.,p,434; Helena Mourão, Ob.Cit.,p.47; Costa Andrade, Sobre Proibições…,p.172; João Henriques Gomes de Sousa, Ob.Cit. ; Ac. TC n.º 198/2004

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§ 8. Os limites ao efeito-à-distância das provas proibidas