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7.3 Teorias e pressupostos do efeito-à-distância

7.3.1 Posições norteadas para o caso concreto

No âmbito dos argumentos orientados para o caso concreto, os autores procuram responder ao problema do tele-efeito através da ponderação casuísta dos interesses que emergem em cada caso concreto, sem, no entanto, adotarem soluções baseadas em princípios gerais.

Esta solução vem sendo preconizada pelas vozes de ROGALL208,ERNEST-

WALTER HANACK, e entre nós, por MANUEL MAIA GONÇALVES, SIMAS

SANTOS E LEAL-HENRIQUES209, que defendem, tendo em conta os valores díspares

existentes em cada caso concreto e a busca da verdade material, que é um valor igualmente constitutivo do próprio Estado de Direito, e da punição dos reais culpados, em especial no âmbito de crimes mais graves, a solução mais justa para cada caso concreto.

Nestes precisos termos, os autores mencionados socorrem-se de um elevado poder punitivo do Estado no âmbito da criminalidade especialmente grave, para muitas das vezes, em cada caso concreto, afastar o efeito-à-distância das proibições de prova. Nesta linha de pensamento, WOLTER sustenta a admissibilidade da valoração da prova

207

Helena Mourão, Ob.Cit.,p.33

208 Rogall refere que “só a doutrina da ponderação de interesses poderá oferecer uma resposta adequada às

questões doutrinais e pragmáticas do Fernwirkung”. apud Costa Andrade, Sobre Proibições…,p.176

209

Veja-se em Manuel Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal – Anotado e Legislação Complementar, Almedina, 17.ª Edição, 2009, p.315; e Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in Código de Processo Penal Anotado – Vol. I, Rei dos Livros, 3ª Edição, 2008, p.672

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secundária, mesmo que normativamente imputável à violação originária da proibição de

prova, no contexto da luta contra a criminalidade grave.210Todavia, este mesmo autor e

outros defendem que quando estejam em conflito fortes limitações de direitos subjetivos fundamentais, a solução será tendencialmente no sentido do reconhecimento do efeito-

à-distância.211

Parece, no entanto, outra e divergente a solução preconizada pela lei portuguesa. Com efeito e já se está a ver que esta solução conduz à imprevisibilidade, maxime nas hipóteses em que se encontram conjuntamente em atrito os valores da repressão da criminalidade grave, por um lado, e a proteção dos direitos fundamentais, por outro lado. Com efeito, as soluções orientadas para o caso concreto permitem fortes atentados aos mais elementares direitos fundamentais e ampliam drasticamente a destruição da importante função preventiva e dissuasora do instituto das proibições de prova. Aliás, com estas soluções os autores permitem que a ilicitude “entre” pela janela quando o

legislador quis a “fechar” pela porta principal, maxime através da Constituição.212

Por outras palavras, o “que dita as proibições de prova e determina as suas consequências em termos que não apelam para uma ponderação com os valores subjectivados sub

nomine e no interesse da realização da justiça penal.”213

A ordem jurídica portuguesa no seu todo parece assentar no desfasamento e distanciação qualitativa entre duas ordenações de valores: os valores material- substantivos tutelados pelo direito penal substantivo e, também e em primeira linha, pelas proibições de prova; e os princípios adjetivos de relevo reconduzíveis à ideia de eficácia funcional da justiça penal. Tudo se resume à expressão de MANUEL DA COSTA ANDRADE: “Brevitatis causa, a gravidade do crime a perseguir não será, só por si e enquanto tal, razão bastante para legitimar a danosidade social da violação das

proibições de prova.”214

A acrescer a esta ideia, não pode ignorar-se o regime probatório instituído no Código de Processo Penal é já, ele próprio, uma expressão dos juízos de ponderação do

210 Wolter, Apud Costa Andrade, Sobre Proibições…,p.179 211

Wolter, Apud Helena Mourão, Ob.Cit.,p.36 e 37; Rogall refere que “ se um elevado interesse punitivo em relação à criminalidade grave falta contra o efeito-à-distância, já inversamente um atentado grave aos direitos individuais protegidos sugere a intervenção do efeito-à-distância”, Apud, Costa Andrade, Sobre

Proibições….,p.176

212

Igualmente neste sentido, Helena Mourão, Ob.Cit.,p.36

213

Costa Andrade, Sobre Proibições….,p.201

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legislador em sede de problemática de criminalidade grave215. Afirmação que se pode retirar com facilidade das normas contidas, por exemplo, nos artigos 143.º, n.º 4, 174.º, n.º 5, alínea a) e ainda 187.º, n.º 2, alínea a), e como sabemos o decisor não se encontra legitimado a romper essa intenção normativa. Não parece ser outro o caminho trilhado pelo legislador, e recorde-se, a perseguição do criminoso e a descoberta do crime, por mais grave que ele seja, não bastam para abrir as portas, por exemplo, às gravações feitas ou utilizadas à custa de atentado ao direito à palavra ou à imagem.

Não pode o intérprete socorrer-se de teorias casuísticas, e muito menos devem os autores desenvolvê-las baseando-se em considerações de política criminal em relação à criminalidade grave, porque, recorde-se, não está a atuar no âmbito das suas competências jurisdicionais, vai ao invés, atuar ao abrigo de funções legislativas.

Por fim, os argumentos aqui referidos parecem não conhecer as limitações impostas pelos valores inerentes à condição do ser humano, e mais, colocam como objetivo primário a descoberta da verdade material, não processualmente válida, quando na realidade, e com base no conceito de proibições de prova que delineamos, terá de haver uma concordância entre a descoberta da verdade material e o respeito pela

dignidade humana.216

A estrutura imanente ao nosso Direito Processual Penal impõe a busca da verdade material, mas aquela que se alcança no respeito pelos direitos fundamentais, e que conhece fortes limitações em virtude do instituto das proibições de prova. Assim, “os princípios constitucionais da busca da verdade material e da realização da justiça, mesmo em matéria de funcionalidade da justiça, penas e da tutela de valores, têm limites, impostos pela dignidade e pelos direitos fundamentais das pessoas, que se

traduzem processualmente nas proibições de prova”217.

Portanto, face ao exposto, estas soluções são de afastar.

215

Helena Mourão, Ob.Cit.,p.36 e Costa Andrade, Sobre Proibições…,p.202

216

Nesta linha de pensamento, Figueiredo Dias, Ob.Cit.,p194, refere que “o próprio pensamento filosófico mais recente veio mostrar que toda a verdade autêntica passa pela liberdade da pessoa, pelo que a sua obtenção à custa da dignidade do homem é impensável. E é bom que isto se acentue, para que se não ceda à tentação de santificar a violação de proibições de prova em atenção ao fim da descoberta de uma (pretensa) verdade material.” Ou ainda Paulo Dá Mesquita, Ob.Cit.,p.270 “a consagração das proibições de prova constitucionais, contudo, relacionam-se com uma linha marcante desenvolvida pela jurisprudência do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, em se extrai da Constituição, para além do fim central de regulação da descoberta da verdade no respeito de direitos fundamentais, um novo patamar de afastamento da prova por força da violação de imperativos constitucionais na sua obtenção.”

217 Neste sentido, Ac. STJ, processo: 886/07.8PSLSB.L1.S1, de 03.03.2010, e ainda Helena Mourão,

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7.3.2 Posições ensaiadas nas doutrinas da imputação objetiva originárias