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Capítulo II. O efeito-à-distância das provas proibidas e os seus limites

5. Posição adotada

Fomos fazendo uso da crítica posta por António de Jesus Teixeira, entre outros, mas principalmente este, a estes limites impostos ao mecanismo do efeito-à-distância das provas proibidas, e não foi por qualquer razão. De facto, apreciamos o seu entendimento, contrário, até, à posição da maior parte da doutrina e da jurisprudência, nacional e internacional, na matéria, conforme fomos notando, no que respeita a estas exceções construídas à doutrina dos frutos da árvore envenenada e, no geral, ao instituto das proibições de prova em processo penal. É nesse sentido, aliás, que vem o nosso trabalho, e como estamos agora prestes a

163 TEIXEIRA, António Manuel de Jesus, Os Limites do Efeito-à-Distância nas Proibições de Prova no Processo Penal

Português, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014, pp. 105 a 107.

164 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, reimpressão, Coimbra Editora,

2006, pp. 175 e 176, a expor a doutrina argumentativa de Hassemer.

165 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, reimpressão, Coimbra Editora,

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encerrar a primeira parte deste nosso labor, e depois de muito estudo e ponderação, julgamos que podemos imprimir em palavras a nossa perspetiva também.

Ora, como vimos tratando desde a introdução, o instituto das proibições de prova descobre-se como um mecanismo constitucional de proteção dos direitos fundamentais do cidadão, de garantia constitucional no processo criminal. Nesta medida, enquanto inegavelmente será um meio de defesa do cidadão, é, além disso, um verdadeiro mecanismo de limitação à descoberta da verdade material na forma de garantia da pessoa do acusado. E é, a par disto, também um real mecanismo ordenador e dissuasor à atividade dos órgãos formais de controlo. Tudo expusemos, e reiteramos.

É, portanto, consequência da sua importância naquela medida que o legislador ofereceu ao instituto das proibições de prova perfeita autonomia do regime das nulidades gerais em processo penal. E é fruto desta autonomia que só resta entender que os resultados probatórios original ou derivadamente fulminados por aquele vício têm sempre que se rejeitar, e nem deles se pode admitir utilizar ou valorar informação que resulte. É por isso que apoiamos que o acusado, do hoje e do amanhã, pode e deve lançar mão dos normativos constitucionais dos direitos, liberdades e garantias para se proteger das ofensas que se lhe possam pôr neste campo, sempre.

Porque as proibições de prova, como nós as vemos, existem precisamente como tutela dos direitos fundamentais do cidadão, na figura do acusado, em sede de processo penal. E é a ele, ao cidadão, a quem cabe valer-se de todos os mecanismos disponíveis para os proteger contra eventuais ofensas, de maneira que possa garantir (que lhe reste essa garantia de) que em caso algum prova proibida venha a ferir esse núcleo essencial de direitos. Admitir o contrário, parece-nos, seria ofendê-lo terrivelmente nesse núcleo essencial.

É precisamente na circunstância de aquela função ordenadora e dissuasora de que falávamos acima falhar que cabe o mecanismo do

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efeito-à-distância, que somos do entendimento deve impor-se «regiamente». Já expusemos que o instituto das proibições de prova, como previsto pelo art. 32.º, n.º 8, da C.R.P., para que possa verdadeiramente realizar-se na sua plenitude útil e eficaz, terá que comportar o «efeito longínquo» das suas proibições. E, quanto a este último, para que possa existir na sua total capacidade, também ele se batiza, por princípio, da mesma dignidade constitucional, sem que se lhe imponha um limite, que a impor-se teria que ser constitucional, e nada disso se prevê.

Está muito claro para nós, não nos esquecemos nem quisemos fazer vista grossa, que também ao Estado cumpre a função jurídico- constitucional de perseguição penal, de achar e punir os agentes dos crimes. Só que ao mesmo tempo em que nos não esqueceu isto, nos lembrou que lhe cumpre também a obrigação de cumprir e fazer cumprir, de respeitar e fazer respeitar, os direitos fundamentais, e mais com o mais profundo rigor que a natureza dos mesmos exige, de primazia sobre o primeiro. A este propósito, gostamos da expressão que nos oferece a nossa jurisprudência no acórdão do T.R.L. de 03/07/2012166: “[o] estado deve

agir com superioridade ética e deve ter as mãos limpas quando assume a veste de promotor (...) da justiça penal (...).”167.

O problema, como já acima explicávamos, a explanar a doutrina de Gomes Canotilho na matéria, é um de ponderação e balanceamento de bens168. O que se tem de manter em mente, julgamos nós, é que a

descoberta da verdade material tem que se procurar alcançar, sim, claramente, mas em respeito pela dignidade humana, valor constitucional máximo, sempre sem abalroamentos à Lei Fundamental e aos princípios e valores que supremamente garante. E é nesse sentido que se reafirma que, quando o caminho para aquela descoberta conflituar com estes princípios

166 Proc. n.º 14538/10.4TFLSB.L1.5.

167 Ac. do T.R.L., proc. n.º 14538/10.4TFLSB.L1.5, de 03/07/2012 (disponível em

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/1d2f8c1f3f47a83680257a640032f95d?Ope nDocument).

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e valores, aquela é que se vê inevitavelmente restringida por estes, e jamais o inverso.

É pelo predito que entendemos, nós também, o instituto das proibições de prova deve interpretar-se como comportando no seu âmago o mecanismo do efeito-à-distância das provas proibidas, e visando aquele (mas um como outro, aliás), em última instância, a proteção de direitos fundamentais, deve aplicar-se em cadeia, «regiamente». Entendemos nós também, sem restrição alguma, que a prova ilícita é uma árvore que se envenenou, pelo que todos os seus frutos, «todos» que dela de alguma maneira decorram, as provas secundárias, envenenados também eles estão pela seiva.

É evidente que não ignoramos simplesmente que a jurisprudência norte-americana, com a complacência da doutrina como da jurisprudência portuguesas, consentem naqueles limites à fruit of the poisonous tree

doctrine que exploramos atrás, não. Aceitamos que assim seja, porque

mais não resta. Mas concordamos com António de Jesus Teixeira a esse propósito: “em face das regras próprias atinentes aos direitos, liberdades e garantias, no qual se engloba o instituto das proibições de prova, entendemos que não poderá haver qualquer tipo de exceção ao tele-efeito, na medida em que, a ocorrer tais restrições, estas não seriam autorizadas pela Constituição da República Portuguesa, e seriam um atentado intolerável ao núcleo essencial da norma que consagra o instituto das proibições de prova (...) [, porque] tendo o instituto das proibições de prova e bem como o efeito-à-distância das proibições de prova a sua sede constitucional, não poderão ser fixados limites que não sejam os autorizados pela Constituição, sob pena de serem considerados como inconstitucionais, e por esta via, as limitações da independent source

doctrine, da inevitable discovery limitation e da purged taint limitation, são

regras criadas pela jurisprudência, mas que a serem aceites, afetam de forma irremediável o núcleo essencial das normas dos n.ºs 1 e 8 do artigo

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32.º da CRP, e seriam um meio processual de ladear as proibições de prova”169.

E considerar menos não nos parece, sob ponto de vista algum, favor ao Direito. Mais nos parece, na verdade, isso sim, desfavor à Justiça.

169 TEIXEIRA, António Manuel de Jesus, Os Limites do Efeito-à-Distância nas Proibições de Prova no Processo Penal

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Capítulo III

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