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Na opinião de Adhemar Bahadian, em 05 de abril de 2004, em entrevista a Janaína Figueiredo (2004e)17, o impasse era de difícil solução. Ele ressaltou que a ALCA surgiu como iniciativa dos Estados Unidos e devia ser analisada do ponto de vista da política externa comercial americana, que estava bem estruturada e dependia do Congresso. Para os Estados Unidos, a expansão de suas empresas em outros mercados era uma diretriz que permeava toda a negociação do país. Segundo Bahadian (Figueiredo, 2004e), também era importante entender que um dos braços centrais da ALCA eram as negociações de acesso a mercados, nas quais o Brasil buscava aumentar o seu acesso ao mercado americano reduzindo e eliminando tarifas. “O problema é que isso não interessa aos Estados Unidos. O que importa aos americanos é a criação de regras que sejam mais favoráveis a suas empresas, garantindo-lhes uma posição mais confortável nos países do continente. São regras que vão além das já negociadas na OMC, principalmente nas áreas de investimentos, propriedade industrial, compras governamentais e serviços” explicou o negociador (Figueiredo, 2004e).

Segundo a sua análise, o impasse surgiu por um lado porque o MERCOSUL não admitiu modificar suas regras. Seus países integrantes não queriam aceitar regras além das já consolidadas e que estavam em conformidade com a OMC, que teriam um impacto negativo na política industrial de um país como o Brasil. Segundo Bahadian (Figueiredo, 2004e), a política de propriedade industrial, que protege patentes, entrou na OMC na Rodada Uruguai (1986-1994) por influência das grandes potências. Na sua origem, era dado a um inventor um monopólio por meio de patente, limitado no tempo, sempre defendendo que a sociedade fosse beneficiada pela fabricação de um determinado produto. Quando a questão entrou na OMC, perdeu-se a ênfase no benefício social. Um país acusado de não cumprir uma regra de propriedade industrial poderia ser punido na sua capacidade de exportação. Na ALCA, os países mais desenvolvidos queriam regras mais rígidas e favoráveis ao capital e não

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Consenso e Dissensos Pós Puebla – Anexo IX. (Bastos, 2004: 54)

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necessariamente ao trabalho. “O Brasil não pode aceitar isso” afirmou Bahadian (Figueiredo, 2004e).

Numa síntese Bahadian reconheceu a tensão presente nas negociações. Segundo ele, existiam dois pólos: acesso a mercados contra criação de regras. Nas ofertas do G-14 percebeu-se que os produtos que mais interessavam ao Brasil, sobretudo em agricultura, só entrariam no processo de liberalização comercial num prazo superior a dez anos (Figueiredo, 2004e).

O negociador brasileiro falou sobre o desequilíbrio entre as partes. Segundo ele, a estratégia dos Estados Unidos era dizer: "vocês deveriam fazer a ALCA porque terão acesso ao nosso mercado". Explica que durante algum tempo predominou essa ilusão, mas quando Celso Amorim assumiu o Ministério das Relações Exteriores, explica, os americanos foram indagados se estavam dispostos a negociar acesso a mercados. Na reunião de Trinidad e Tobago, em outubro de 2003, o governo americano admitiu que não poderia negociar o fim dos subsídios às exportações e à produção agrícola, nem regras antidumping, que eram de extrema importância para o Brasil. Por este motivo, foi proposto o respeito às sensibilidades de cada país, base do acordo fechado no encontro de ministros em Miami, de novembro de 2003 (Figueiredo, 2004e).

Sobre o fracasso da estratégia iniciada em Miami, o representante brasileiro apontou para o surgimento de um fundamentalismo negociador. Segundo ele, os americanos e canadenses disseram que, não havendo regras em compras governamentais e investimentos, não haveria interesse em negociar acesso a mercados. Esse foi o impasse de Puebla, ocorrido em fevereiro de 2004, quando os países que integravam o G-14 afirmaram que teriam de reduzir suas ofertas porque o MERCOSUL teoricamente estaria reduzindo sua proposta sobre regras. O movimento do MERCOSUL, explicou Bahadian (Figueiredo, 2004e), foi propor três rodadas imediatas de acesso a mercados e melhorar sua oferta em bens industriais, agrícolas e serviços. “Mostramos disposição para negociar uma maior abertura em setores como finanças e telecomunicações. Essa argumentação provocou uma crise no G-14, que teve de calar a boca porque fizemos uma oferta sobre serviços”, citou Bahadian (Figueiredo, 2004e).

Sobre a posição do G-14, o co-presidente brasileiro acreditava que esses países não podiam assumir o que foi acertado em Miami. Primeiro porque a política externa americana tinha interesses claros, como a proteção da propriedade industrial. Segundo, porque a maioria dos países do continente, com exceção do MERCOSUL, tinha acordos com os Estados Unidos nos quais as regras sobre propriedade industrial eram mais rígidas do que as que seriam obtidas na ALCA. “Estes acordos eram como um Papai Noel de shopping: são magrinhos e carregam caixas de presentes vazias. Se os Estados Unidos aceitassem as demandas do MERCOSUL teriam de baixar o nível dos acordos já assinados ou enfrentar as queixas dos parceiros”, concluiu Bahadian (Figueiredo, 2004e). Ele acreditava que se criou um impasse de difícil solução. Para avançar nas negociações seria necessário respeitar Miami e realizar rodadas de acesso a mercados.

Adicionalmente afirmou que a ALCA proposta pelos Estados Unidos era assimétrica. Segundo ele, ela não nos deu acesso real ao mercado americano de produtos agrícolas e propôs uma ampliação de regras que são difíceis para países como o Brasil.

Finalmente, Bahadian (Figueiredo, 2004e) mencionou que a flexibilização deveria vir do G-14. O MERCOSUL fez propostas que viabilizariam Miami, enquanto o G-14 somente apresentou propostas mais rígidas.

Sem sentimentos de frustração, afirmou que foi possível tornar o jogo mais claro. “O que parecia ser uma grande perspectiva não é mais. Nós não destruímos a ALCA, fizemos uma proposta que tem base e se mostrou uma postura que preserva os interesses das partes. O problema é que um dia nos dizem que a casa é de palha e no outro, que é de cimento. Agora chegou a hora da verdade. Não sei qual será a resposta dos americanos, mas num ano eleitoral eles deverão decidir o que é melhor para seus interesses” conclui o embaixador brasileiro Adhemar Bahadian (Figueiredo, 2004e).