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Mapa 1 Mapa das áreas da proteção social básica NAF/CRAS Belo

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

7.4 Conteúdo

7.4.1 Quais as concepções de homens e de mulheres na política?

7.4.1.2 Posições sociais

Neste eixo de análise, as expressões foram agrupadas em quatro categorias: (a) dimensões do direito; (b) dimensões do poder; (c) provedor e (d) vitimária.

Na primeira categoria, as expressões dão conta de que a Política Nacional de Saúde do Homem (PNSH) tem conseguido produzir uma visibilidade dos homens no campo das políticas públicas.

Todos os entrevistados fizeram referência à PNSH. Vários inclusive consideram que esta pode ser o ponto de partida para que as outras políticas

públicas, em especial a de assistência social, passem a incorporar os homens como destinatários de suas ações balizadas por uma perspectiva (feminista) de gênero.

O trecho a seguir ilustra bem essa dimensão do direito conferida aos homens, no caso, contemplada pela área da saúde através da PNSH.

[...] Quando eu trabalho com mulher eu tento trabalhar com homem também. Isso foi um reconhecimento grande no ministério da saúde. Não sei se você tem acompanhado, mas hoje o Ministério da Saúde tem a área técnica de saúde do homem, reconhecendo que as mulheres historicamente sempre tiveram um atendimento diferenciado na saúde, mas houve também um reconhecimento de

que os homens precisavam desse olhar especial

[...] (ENT-06, grifo nosso).

Ficamos nos perguntando: por que esse reconhecimento não tem se dado da mesma forma na área da assistência social? Obviamente, os fatores intervenientes são muitos e encontrar respostas demandaria novas trilhas de investigação. Contudo, sem querer esgotar o assunto, nos parece factível acreditar que como já discutimos no capítulo sobre o contexto da PPAS e do PAIF, na área da saúde existe uma provocação ativa dos movimentos feministas e de mulheres e na área de assistência social, há uma predominância da participação das mulheres. Neste sentido, podemos pensar que os homens, ocupando o lugar de quem formula as políticas, não se colocaram como demandantes destas mesmas políticas. Uma postura de quem sempre se acreditou sujeito e encontrou amparo no mercado e na política, diferentemente das mulheres, que, associadas à condição de objeto e sujeito passivo, foram as destinatárias preferenciais das políticas de proteção social.

Na categoria dimensões do poder, surpreendentemente uma parte das expressões informa os homens numa situação desigual de poder em função da

centralidade da mulher na política pública de assistência social. As expressões são “tirou (...) uma parte da autoridade dele da casa”, “tira a autoridade dele também”. Vejamos o contexto de produção da primeira expressão no trecho da entrevista transcrito abaixo

[...] essa centralidade na mulher deixou o homem

coitado, tirou...eu acho...uma parte da autoridade dele da casa [...] (ENT-01, grifo nosso).

É como se esse homem “coitado” deixasse de ser beneficiado pelo bônus do poder social dos homens conferido pela sociedade patriarcal e também deixasse de exercer uma masculinidade hegemônica (CARRIGAN; CONNELL; JOHN, 1985). Além disso, fica evidente uma noção fixa de poder reificando a ideia de que o homem possui o poder e a mulher não. Ou seja, uma noção de poder que se afasta de uma perspectiva relacional, concepção adotada por autores como Foucault (1982, 1996), Scott (1995) e Capelle et al (2004).

Essa discussão é corroborada quando adentramos nas expressões acolhidas na categoria Provedor. A expressão “o homem como chefe de família”, por exemplo, citada por uma entrevistada, reflete a ausência de homens de seu posto hegemônico de provedor sem problematizá-la. Por outro lado, a expressão “A mulher recebe o dinheiro [do bolsa família] (...) que passa a prover a família” usada para nomear as mulheres, reflete uma situação muito comum nas classes populares imposta pelo contexto sócio-econômico: a ascensão da mulher ao “posto” de provedora refletindo, entre outras coisas, a ausência dos homens, como argumenta Margareth Rago

Sabe-se que uma grande quantidade de mulheres, nas diferentes classes que constituem a sociedade brasileira, tornou-se chefe de família porque os maridos, companheiros e amantes desertaram, não conseguindo se ressituar e

interagir na nova ordem familiar descentralizada e dês- hierarquizada (RAGO, 2004, p. 37).

A última categoria do eixo Posições Sociais contêm as expressões que mais nos chamaram a atenção. Nesta categoria, denominada Vitimária, incluímos as nomeações que indicam algum tipo de desvantagem nas relações pessoais. As expressões usadas foram

“coitado”, “o homem fica mais desempregado”, “degradação da figura masculina na família”, “precariedade da figura masculina”, “figura precarizada”, “ele tem pouco espaço”, “alcoolista”, “acha que não consegue desempenhar esse papel [de principal provedor]”, “Ele se culpabiliza”, “invisibilidade dos homens”

Esperávamos que nesta categoria aparecessem nomeações que fizessem referência às mulheres devido à noção enraizada de homem-agressor e mulher- vítima. Contudo, pelas expressões utilizadas há um reconhecimento de que eles (ou pelo menos alguns) não se encontram em uma posição de supremacia.

Ou seja, circula pelo campo da PPAS a noção de que existe, por parte de alguns homens, a incapacidade de atender às expectativas de uma masculinidade hegemônica.

Os homens deveriam assumir seus papéis dominantes, porém, a força do patriarcado não caiu somente sobre elas, mas também sobre eles; afetando também as definições de masculinidade (STEARNS, 2007, p. 34).

Aqui também tem um pouco daquilo que León (1995) argumenta de que o desempenho de papéis de gênero abaixo das expectativas pode provocar sentimentos de “culpabilização” e gerar sensações de desigualdade. É importante reforçar que a “culpabilização” não traz qualquer vantagem para as relações de gênero; é um sentimento incapacitante, desmobilizador (KAUFMAN, 1995), destrutivo e perverso (IZQUIERDO, 2010).

Estariam esses homens do imaginário dos entrevistados vivendo uma experiência contraditória com o poder nos termos do que Kaufman postula? Ao que parece, pelas expressões usadas para nomeá-los há sim uma grande chance de estarem experienciando “dor”, “isolamento” e “alienação” que poderá servir tanto à perpetuação do poder como à mudança (KAUFMAN, 1995, p. 123, tradução nossa e grifo no original).

É preciso lutar para que a PPAS e o PAIF oportunizem a esses homens espaços para problematizarem o exercício de sua masculinidade e a experiência com o poder. Recuperando Farah (2004, p. 128) é preciso um “novo olhar” para se poder perceber se os diferentes – homens e mulheres – estão sendo ‘atendidos’, “... se estão tendo oportunidades e espaços iguais, inclusive para se manifestarem.”