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A organização judiciária do Tribunal de Justiça do Maranhão funciona em plenário, com câmaras isoladas e câmaras reunidas, cujas especialidades estão contidas no seu Regimento Interno (RI). São 7 (sete) as Câmaras Isoladas, sendo 3 (três) Criminais e 4 (quatro) Cíveis, conforme disposto na Lei Complementar nº 104, de 26 de dezembro de 2006. O possível conflito de jurisdição em matéria criminal, estabelecido no seu Regimento, ocorrerá quando dois ou mais juízes se consideram competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso; ou quando entre dois ou mais juízes surgir controvérsia sobre a unidade de juízo, junção ou separação de processos. (art. 422, I e II, RI)

Este conflito poderá ser suscitado por ofício pelos juízes criminais e por via de petição pelo representante do Ministério Público36 ou pela parte interessada, dirigido ao

presidente do Tribunal, expondo circunstanciadamente o conflito, as razões de divergência e juntados os documentos probatórios necessários (423, RI).

Logo, assim que recebidas essas informações e ouvida a Procuradoria Geral de Justiça, o conflito será incluído em pauta para julgamento, tendo as cópias da decisão e do acórdão enviadas aos juízes envolvidos no conflito, e desta decisão cabendo apenas embargos de declaração. (art. 426 e 428, RI).

Ressalte-se que, segundo o enunciado do art. 16 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Maranhão, os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher idosa serão apreciados por meio das três Câmaras Criminais Isoladas do referido Tribunal de Justiça.

Estas três câmaras tem considerado a Vara Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher competente para o julgamento dos feitos envolvendo violência doméstica ou intrafamiliar contra a mulher idosa.

Isto se depreende das jurisprudências contidas na Primeira, Segunda e Terceira Câmaras Criminais, que, diante de crime praticado contra vítima mulher e idosa, este crime tem sido incluído no conceito de crime de gênero, entendendo que a Lei Maria da Penha não faz distinção de qualquer natureza à mulher em situação de violência, inclusive quanto a sua idade.

36 Deve o Ministério Público requerer medidas protetivas de urgência; intervir nas causas cíveis e criminais

decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher, funcionando como custos legis. (art. 19 e 26, Lei nº 11.340/2006).

As três câmaras criminais do Tribunal de Justiça do Maranhão vêm determinando como competente o juízo desta Vara Especializada para processar e julgar os feitos de violência doméstica e ou intrafamiliar contra mulheres idosas na Comarca de São Luís. À guisa de exemplo, transcreve-se os seguintes julgados, emitidos pelas três Câmaras Criminais:

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME PRATICADO CONTRA VÍTIMA

MULHER E IDOSA. INCIDENTE. CONFLITO NEGATIVO DE

COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. FATO INCLUSO NO CONCEITO DE CRIME DE GÊNERO. - Violência praticada no âmbito familiar contra vítima mulher e idosa. - Incidência da Lei Maria da Penha. - Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de São Luis, juízo competente para processar e julgar o feito. - Precedentes desta Corte (Processo nº 13972015; Primeira Câmara Criminal; DJe 09.03.2015). (grifei)

CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. CRIME PRATICADO POR FILHO CONTRA A SUA MÃE NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. INCIDÊNCIA DA LEI Nº 11.340/2006. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. I - A agressão psicológica e patrimonial praticada pelo filho contra a sua genitora idosa em decorrência de uso de entorpecentes caracteriza hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher, eis que abrange relação íntima de afeto entre mãe e filho, configurando, portanto, a situação de violência do gênero contra a mulher descrita na Lei Maria da Penha. II - Conflito Negativo de Jurisdição conhecido e não provido para declarar competente o Juízo de Direito da Vara Especial de Violência Doméstica Contra a Mulher da Comarca de São Luís, o suscitante (Processo nº 432602012; Segunda Câmara Criminal; DJe 22.01.2014). (grifei)

CONFLITO DE JURISDIÇÃO. ART. 99 DO ESTATUTO DO IDOSO (LEI N.º 10.741/2003). VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CARACTERIZADA. ÂMBITO DA UNIDADE DOMÉSTICA. RELAÇÃO FAMILIAR. IDADE DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA.CONFLITO PROCEDENTE, DETERMINANDO-SE COMO COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO. 1. Tendo sido a conduta delitiva praticada no âmbito da unidade doméstica e havendo nexo de causalidade com a relação de intimidade ou familiar entre a ofendida e os acusados - filho e neta - resta caracterizada a violência doméstica, nos termos da Lei n.º 11340/2006. 2. O art. 2º da Lei nº 11.340/2006 expressamente alcança os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra mulher independentemente de idade, incompetente, pois, o Juízo cuja competência relaciona-se ao julgamento dos crimes praticados contra o idoso. 3. Conflito procedente, para fixar a competência do Juízo suscitado. Unanimidade. (Processo nº 0267832015; Terceira Câmara Criminal; Dje 07.08.2015). (grifei)

Estas decisões parecem demostrar que o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por meio de suas Câmaras Criminais37, já tem entendimento consolidado de que a

competência para processar e julgar feitos da espécie é do Juízo suscitado, qual seja, a Vara Especial de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.

37 Os tribunais nos estados se compõem de Câmaras ou Turmas, especializadas ou agrupadas em Seções

Especializadas (art. 101, § 4º, Lei Orgânica da Magistratura Nacional), cabendo a Lei de Organização Judiciária e o Regimento Interno do Tribunal respectivo completar as disposições do Código de Processo Civil e da Lei Orgânica da Magistratura quanto à competência para a uniformização da jurisprudência. (SANTOS, 2011)

Neste contexto, fica evidente que a Lei nº 11.340/06 destina-se a todas as mulheres, independente de sua idade, sobretudo quando a violência é praticada no âmbito familiar, abrangendo relação íntima de afeto, devendo tais situações estar albergadas por este diploma legal.

Destaca-se que na distribuição dos serviços judiciários na Comarca de São Luís, conforme estabelecida na Lei Complementar nº 104, de 26 de dezembro de 2006, foi criada a Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, com a competência prevista no art. 14 da Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, salvo processamento e julgamento dos crimes consumados de competência do Tribunal do Júri.

Enquanto que a Vara Especial do Idoso, com a competência para processamento e julgamento das medidas de proteção judicial dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis ou homogêneos do idoso, previsto na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, foi estabelecida consoante a Lei Complementar nº 131, de 18 de junho de 2010.

Porém, como ainda não foi efetivada a Vara Especial do Idoso, o art. 8º da Lei Complementar nº 140, de 03 de novembro de 2011, estabelece que os crimes previstos na Lei nº 10.741/2003 serão de competência da Oitava Vara Criminal, que também é responsável pelo processamento e julgamento dos crimes contra a ordem tributária, econômica e as relações de consumo; pelos crimes contra o meio ambiente e os previstos na Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.

Desta forma, tratando-se de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher idosa a competência tem sido remetida pelo Tribunal de Justiça do Maranhão à Vara Especializada, mas isso se observa, com maior frequência, somente a partir do ano de 2015, onde o mesmo tem se manifestado no reconhecimento desse conflito, que vem sendo suscitado entre a Oitava Vara Criminal e a Vara Especializada da Mulher.

Como se depreende, a partir da análise da pesquisa realizada junto à plataforma

Jurisconsult do site do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, especificamente, na

Consulta Pública dos Processos de Segundo Grau, utilizando-se os termos, idosa e conflito, no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, a qual permitiu que fossem encontrados 09 (nove) processos, com as respectivas decisões, conforme transcritas na tabela a seguir:

Tabela 13 – Acórdãos envolvendo mulheres idosas. TJMA. 2011 a 2015. Ord. Nº Acórdão Data do

Julgamento Criminal Câmara Tipificação Relação vítima/ agressor

Suscitante Suscitado Decisão

01 1748082015 24/11/2015 1ª 99 e 102, EI; 69, CP e 5ª, II, LMP Mãe/ filha 8ª VC Vara da Mulher 8ª VC 02 1688392015 04/08/2015 1ª 5º, LMP Mãe/ filho e nora 8ª VC Vara da

Mulher Vara da Mulher

03 1608932015 03/03/2015 1ª 99, EI Mãe/

filhos 8ª VC Vara da Mulher Vara da Mulher

04 1688332015 03/08/2015 3ª 99, EI Mãe/ filho Vara da Mulher 8ª VC Vara da Mulher 05 1404042014 19/12/2013 2ª 99, EI Mâe/

Filho Vara da Mulher JECRIM 1º Vara da Mulher

06 1609002015 03/03/2015 1ª 99, EI Sogra/

genro 8ª VC Vara da Mulher Vara da Mulher

07 1706992015 14/09/2015 3ª 102, EI Mãe/

filho Vara da Mulher 8ª VC Vara da Mulher

08 1644202015 05/05/2015 1ª 147, CP Mãe/ filho 8ª VC Vara da Mulher Vara da Mulher 09 1661962015 02/06/2015 1ª 99, EI Sem relação 1ª VC 8ª VC 1ª VC

Fonte: Plataforma jurisconsult do TJMA.

Reafirma-se que a corrente jurisprudencial predominante que possui maior aceitação junto ao Tribunal de Justiça do Maranhão é de determinar o acolhimento da mulher idosa, vítima de violência doméstica e ou familiar, pela Vara Especializada de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na Comarca de São Luís. Porém, o que fica demostrado, é que apenas a partir dos conflitos de competência suscitados, predominantemente pela Oitava Vara Criminal, é que o Tribunal de Justiça vem sedimentando a Vara Especializada da Mulher como a competente para julgar estes feitos.

Anteriormente, as decisões emitidas por estes órgãos jurisdicionais conduziam à ideia de que a violência doméstica e ou intrafamiliar seria decorrente da velhice, logo afastando a condição de vulnerabilidade de gênero, sem o entendimento de que as definições dos papéis dos homens e das mulheres em diferentes sociedades são originárias de construções, predominantemente culturais e não biológicas.

Pois, obviamente, que a mulher idosa merece uma atenção especial, já que por razões da sua existência e pela evolução da luta feminina, estas mulheres que já se encontram com a idade superior aos 60 anos, já passaram por muitas adversidades ao longo de suas vidas, enfrentando, portanto a dupla vulnerabilidade de ser mulher e de ser idosa, como já explorado, em capítulos anteriores.

Mas ainda não está definida a competência exclusiva da Vara Especializada da Mulher, no que diz respeito à distribuição dos processos que envolvem violência doméstica

contra mulheres idosas. Exemplo disso são os processos que tramitam no TJMA suscitando conflito negativo de competência, relacionados a mulheres idosas, com a tipificação contida nos arts. 99 e 102 do Estatuto do Idoso.

Neste sentido, foram localizados os seguintes processos que suscitaram conflito negativo de competência pela 8ª Vara Criminal e determinada a remessa dos autos para o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão: processos nºs 84862013; 484922015 e 61982015.

Ilustrativamente, aponta-se o Processo nº 61982015, no qual foi suscitado o conflito de competência pela Oitava Vara Criminal, e discutida a competência para processar Ação Penal, que fora instaurada para averiguar a prática de crime tipificado no art. 99, do Estatuto do Idoso, combinado com o art. 5º, II e 7º, II, da Lei Maria da Penha, praticado por filho, em face de sua mãe idosa.

Neste, os autos foram remetidos da Distribuição para à Oitava Vara Criminal, que acolhendo a manifestação ministerial, declinou da competência e determinou a remessa dos autos à Vara da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. No entanto, esta Vara Especializada, declinou da competência e determinou que os autos fossem redistribuídos à Oitava Vara Criminal. Diante deste impasse, a Oitava Vara Criminal entendendo-se como incompetente para apreciar o feito, suscitou o conflito negativo de competência e remeteu os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.

Neste sentido, devem-se analisar as leis que envolvem o conflito suscitado da seguinte maneira: cronologicamente, a Lei Maria da Penha é mais recente que o Estatuto do Idoso, sendo a primeira datada de 2003 e a segunda de 2006. Ambas possuem a mesma posição hierárquica no ordenamento jurídico e também são leis especiais.

Assim, com a devida vênia ao notório saber jurídico dos magistrados da Vara da Mulher e da Oitava Vara Criminal, a Lei Maria da Penha deveria ter incidido no processo e, dessa forma, a competência para o julgamento da causa restaria a vara especializada.

Com isso posto, ressalta-se novamente, a insegurança jurídica e revitimização institucional das jurisdicionadas violentadas, frente ao impasse entre as varas acima mencionadas, configurando a falta de uniformização dos procedimentos judiciais envolvendo mulheres idosas. Desta forma, mesmo com o posicionamento jurisprudencial das três câmaras criminais, no sentido de que a Vara Especializada da Mulher deva acolher a mulher idosa vítima de violência doméstica e ou familiar, o conflito ainda não se encontra pacificado, e, neste meio, com os direitos cerceados, a mulher idosa, também vulnerável, pela própria idade, segue sem a devida proteção garantida.