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Posicionamentos restritivos à mulher

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2.3 MULHER: SEU VALOR, SEU PAPEL, SEUS DIREITOS

2.3.2 Posicionamentos restritivos à mulher

Segundo Tepedino (1990, p. 67), as mulheres fazem com que as histórias aconteçam tanto no presente quanto no passado, em qualquer lugar que estejam. No Oriente, em geral, segundo a autora, havia uma mentalidade bastante preconceituosa em relação à mulher, e em muitos textos bíblicos, muitas vezes, nem o nome do personagem feminino é citado. Israel era uma sociedade patriarcal, embora aos olhos de YHWH a mulher fosse de importância igual à dos homens, a visão destes a elas era diferente. Havia leis que impunham sérias restrições a elas, em relação às suas atividades, atuação social e seu valor pessoal.

Coleman (1991, p. 93) resume algumas restrições destacando que normalmente só os homens podiam ser donos de alguma propriedade. Mulher só herdaria os bens de seus pais caso não tivesse filhos do sexo masculino (Nm 27,8). Um juramento feito por uma mulher só seria mantido caso o marido concordasse (Nm 30, 10-12). A mulher tinha que ter provas de sua virgindade (Dt 22,20), o que para o homem era impossível. O valor monetário atribuído a uma mulher era a metade do valor dado ao homem (Lv 27,1-8).

Segundo De Vaux (2004), a posição da mulher era inferior ao marido em todos os aspectos, era considerada menor perante a lei, ela geralmente não herdava nem do pai nem do marido, o que não quer dizer que não tivesse direitos. Deuteronômio capítulos 21 e 22 descrevem que havia uma proteção à moça seduzida por um homem e ainda mais a violada por ele - a mulher cuja honra tivesse sido difamada. A manutenção total da mulher cabia ao marido, que deveria garantir moradia, alimento e vestuário. Os judeus gostavam de ver suas esposas bem adornadas com colares, anéis, joias, para que soubessem que em sua casa havia fartura.

Embora o marido fosse o único provedor da família, parece que não era proibido à esposa fazer uso de seus ganhos como bem desejasse; percebe-se pelo relato da mulher ideal em Provérbios: “Examina uma propriedade e adquire-a; planta uma vinha com as rendas do seu trabalho” (Pr 31,16). As mães eram as responsáveis pelo respeito que os filhos devotariam ao pai. De Vaux (2004, p. 63) destaca que excepcionalmente uma mulher poderia participar em assuntos políticos.

Os deveres das esposas baseavam-se no cuidado com os filhos e nas tarefas domésticas, mas a função mais importante era dar à luz filhos.

A questão da esterilidade era uma grande ameaça ao casamento. Se o casal não podia ter filhos, consideravam o problema como castigo de Deus. A despeito do amor à esposa, um homem sem filhos às vezes se casava com outra mulher ou valia-se de uma escrava para conceber filhos. A presença de várias mulheres, segundo De Vaux (2004, p. 47) não promovia a paz no lar. A mulher estéril era menosprezada por sua companheira (1 Sm 1,6), e além deste motivo de inimizade, havia a questão da preferência do marido por uma ou outra, como no caso de Raquel e Lia (Gn 30,1).

De acordo com Chwarts (2004, p. 40), o desenho apresentado da mulher nas narrativas do Gênesis, surge do círculo familiar: filha, irmã, esposa, mãe, serva, concubina. Uma variante dessa imagem é a da esposa estéril, e essa qualidade anula um pressuposto que é a base do casamento na sociedade hebraica: o papel primordial desempenhado pela esposa de reproduzir a linhagem patrilinear do marido.

Chwarts (2004, p. 198-199) identifica algumas modalidades de esterilidade ao longo da história antiga de Israel:

[...] esterilidade liminar- reflete duas dimensões dos estágios formativos de um povo: a realidade e a perspectiva de Israel como nação soberana, onde há numerosa descendência e o povo está enraizado numa terra boa e generosa; esterilidade institucionalizada- empregada como agente punitivo e regulador da sociedade estruturada. E esterilidade funciona como punição a transgressões de ordem moral-sexual, como o incesto (Lv 20,20-21). A exclusão do grupo e da ordem divina se dá nesse contexto. O elemento estrangeiro (por exemplo, a terra de Moabe no livro de Rute) e o exílio são associados simbolicamente à esterilidade, à morte coletiva e ao desaparecimento.

A mulher para cumprir o seu papel deveria, o quanto antes, gerar filhos para a casa de seu marido, para edificação de Israel, e educá-los para que viessem a crer em suas tradições e assim buscar a edificação da nação (BRAGA, 2007, p. 159).

Se por um lado considera-se que a esposa não seja propriedade do marido, a sua sexualidade e o seu poder reprodutivo definitivamente o são. É essa função reprodutiva que possibilitará ao homem seu papel patriarcal. Por ocasião do casamento, muitas palavras eram proferidas aos noivos, nessa direção, como a despedida dos parentes de Rebeca: “sê tu a mãe de milhares de milhares” (Gn 24,60).

O status legal de uma mulher estava claramente em desvantagem, visto que por toda a vida era considerada sob autoridade primeiro do pai e depois do marido. Como o cabeça da família ele, e não os tribunais, era o responsável por todos os assuntos da lei familiar (EMMERSON, 1995, p. 362-363).

O livro de Rute representa simbolicamente a evolução da sensibilidade para com a mulher demonstrada na Bíblia, e mostra de forma prática a melhora no tratamento dado a elas nas tradições de Israel. Schwantes (1987, p. 40) ressalta que em Rute é evidenciada a capacidade organizativa das mulheres.

No âmbito mais recente, há uma tendência que considera o sistema tribal mais favorável à mulher, enquanto a monarquia a oprime mais.

Antes da monarquia, as mulheres compartilhavam as mesmas tradições, a mesma língua, os mesmos valores dos homens. Elas eram consideradas ‘am-povo (Rt 4,11), mas politicamente não era um ‘povo’ igual ‘aos homens’, não podiam representar o seu bet ‘ab na assembleia, no portão (KITZINGER, 2011, p. 66).

Candioto (2015, p. 29) diz que o processo de restrições à mulher não teve a mesma intensidade em todos os períodos da história, do povo de Israel. Sabe-se que no período pré-monárquico havia maior participação da mulher na sociedade. A participação da mulher na história de Israel foi menos intensa no período Monárquico e Pós-monárquico.

No capítulo seguinte será feita uma análise sobre a compreensão de família na atualidade partindo de uma releitura do livro de Rute.

3 COMPREENSÃO DE FAMÍLIA NA ATUALIDADE: UMA RELEITURA DO LIVRO DE RUTE

Em estudos recentes sobre Rute, alguns autores remetem a essa história como uma fonte de questionamento sobre o modelo de família patriarcal vigente em seu tempo. Após a morte dos homens da família, Noemi e Rute tiveram que assumir papel de liderança familiar e lutar por sua sobrevivência (EMMERSON, 2002, p. 353). Rute apresenta-se como um reflexo da situação do povo: faminto sem pão, errante sem-terra, disperso sem família e sem futuro (MESTERS, 1991, p. 23).

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