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CAPÍTULO 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.4. Possíveis Comparações entre os Estudos 1 e 2

Apesar das distinções entre os Estudos 1 e 2, existem similitudes que permitem estabelecer comparações no que concerne às questões conceituais em saúde e à comunicação estabelecida entre os ACSs e os usuários.

Cabe esclarecer que mesmo com siglas diferentes para nomear os locais de desenvolvimento da pesquisa, USB para o Estudo 1 e UBSF para o Estudo 2, em ambas as unidades os ACSs compunham equipes do PSF, não havendo nenhuma mudança quanto às condições de trabalho e atividades desempenhadas.

É notável a insatisfação em relação à qualificação e formação continuada entre os profissionais de ambos os Estudos. Esta necessidade é identificada tanto por ACSs com mais quanto com menos tempo de experiência profissional. Insatisfação cujas raízes se encontram na defasagem da formação em nível técnico dos ACSs, pois segundo Morosini e Martins (2007) existe uma complexidade inerente à configuração do trabalho deste profissional, para a qual é necessário um respaldo teórico-prático que transcende o campo da saúde, pois este profissional lida com questões relativas à cidadania, à política, às condições de vida, à organização da comunidade e às relações sociofamiliares, que se inscrevem nas esferas da educação, do ambiente e da assistência social. E atender esta complexidade configura-se um desafio que precisa ser superado pelos responsáveis na operacionalização dos cursos técnicos.

Tendo em vista os registros das observações da atuação do ACS nas visitas domiciliares, o protocolo previa anotações visando caracterizar a microárea que o profissional destinava suas ações. Esses dados revelam diferenças consideráveis entre os Estudos, que merecem atenção.

Os bairros atendidos pelos ACSs no Estudo 1, compreendem microáreas bem heterogêneas ao que tange a rede de saneamento básico, pavimentação das ruas e estrutura das casas. Por um lado, os dados evidenciam que nas microáreas que abrangiam o centro do comércio e as proximidades da UBS, encontravam-se ruas pavimentadas, casas de alvenaria e saneamento básico. Por outro lado, foi possível constatar microáreas extremamente carentes, com ruas sem pavimentação e saneamento básico. Algumas ruas ficavam intransitáveis por acumularem água da chuva. Nessas localidades as casas eram construídas com lona, tábuas e outros materiais improvisados.

Já no Estudo 2, as observações oportunizaram identificar microáreas melhor estruturadas, em que praticamente todos os bairros possuíam ruas pavimentadas, casas de alvenaria e melhores condições de saneamento básico.

Baseando-se nas sistematizações realizadas entre os Estudos merecem destaque:

- ‘Saúde’: Apenas no Estudo 1 os ACSs tiveram dificuldades em definir saúde ou ainda, relacionaram-na com ausência de doenças. No Estudo 2, todos os participantes revelaram possuir visão integrada de saúde.

- ‘Promoção da Saúde’: Em ambos os Estudos este termo é relacionado a orientações e informações direcionadas aos usuários, no entanto, apenas no Estudo 2 a concepção revelada por um participante tangencia sutilmente o entendimento de um grupo de teóricos que acreditam que promover saúde dependem da ação conjunta entre as esferas política, legislativa, fiscal e administrativa, para além do desenvolvimento de habilidades individuais. E ainda, as confusões na distinção entre promoção e prevenção são identificadas nos dois Estudos, em especial, ao se tratar da dimensão prática.

- ‘Comunicação’: De um lado, no Estudo 1 observou-se comportamentos bem distintos, considerando os dois ACSs observados em sua atuação profissional, enquanto um expressou um perfil mais próximo do modelo biomédico, com autoritarismos, imposições, ordens, retratando exclusivamente a modalidade típica de comunicação, o outro demonstrou uma atuação condizente com o modelo biopsicossocial, estabelecendo uma relação mais próxima e envolvida com os problemas de cada família visitada, favorecendo os fatores facilitadores da comunicação próprios da modalidade benéfica. Por outro, no Estudo 2 os comportamentos foram mais homogêneos e, de modo geral, os ACSs adotaram uma postura empática, utilizando linguagem simples e acessível à demanda assistida e mesmo apresentando tanto modalidades típicas quanto benéficas de comunicação. Uma não se sobrepôs a outra, mas foram emitidas de modo pertinente ao comportamento de cada usuário.

Frente a apresentação dos resultados de ambos os Estudos, a impressão sucitada é que espera-se que seja inato aos profissionais habilidades de comunicação e que os mesmos saibam educar. Pois, a política que regulamenta as premissas que balizam a formação e atuação destes ACSs não prevê discussões sobre estas questões. Como se bastasse o ACS ser da comunidade e comungar das mesmas necessidades e problemas que saberiam educar os demais.

Por um lado, identifica-se que o sistema deposita uma expectativa no desempenho do ACS que este não responde a essas expectativas. E por outro, que a política pouco oferece a este profissional tanto na formação técnica no momento do ingresso do mesmo a suas atividades, quanto na formação continuada, ao longo do exercício de suas funções, que o prepare ou lhe oportunize o respaldo necessário para romper os entraves encontrados ao atuarem com educação popular.

Outra questão que merece destaque consiste no fato de que o ACS é o único profissional inserido no SUS que não possui uma formação prévia, como, por exemplo, o enfermeiro e o médico. O que se percebe é que os modelos de atuação dos outros profissionais, de certa forma, influenciam e refletem o exercício de sua profissão. No entanto, a profissão de ACS surge para desempenhar ações bem pontuais, como promover e prevenir no âmbito da saúde, atividades que requerem que este profissional apresente habilidades ou competências de comunicação que respalde o desenvolvimento de tais atividades.

Considerando o delineamento da capacitação e do grupo de apoio, acredita-se ser importante clarificar que cursos de formação podem utilizar as seguintes estratégias:

a) mais estruturadas, como foi a capacitação, em que se define previamente os conceitos a serem discutidos e com base nesses conceitos, há um manejo do grupo para que reflitam sobre sua atuação e desempenho na comunidade;

b) menos estruturadas, como ocorreu no grupo de apoio, em que os temas discutidos emergem do grupo, evidenciando as necessidades e problemáticas vivenciadas ao longo da execução das atividades dos profissionais.

Os resultados revelam também que, por mais que o ACS possua um papel educativo e mesmo que seja esperado a esse profissional desenvolver ações de prevenção, promoção e educação em saúde, os participantes não se percebem como educadores, pelo fato de sinalizarem pouca iniciativa em desenvolverem ações educativas junto à comunidade, seja sozinhos ou juntamente com a equipe ou outros ACSs.

E, simplesmente o fato de não se perceberem como educadores, não adotam uma postura educativa, atuando meramente como transmissores de informações, não favorecendo um maior envolvimento e reflexão com os usuários, nem mesmo sensibilizá-los para a mudança de comportamento.