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Possíveis (e impossíveis) implicações do pensamento de Wittgenstein para a ética animal

1. WITTGENSTEIN E BIOÉTICA?

1.1 P OSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DE W ITTGENSTEIN À BIOÉTICA

1.1.8 Possíveis (e impossíveis) implicações do pensamento de Wittgenstein para a ética animal

O pensamento de Wittgenstein tem sido muito criticado por defensores de uma ética animal, devido a alguns motivos que apresentaremos a seguir, apontados por David DeGracia. Por outro lado, temos autores que utilizam o pensamento de Wittgenstein para clarificar essas questões pertinentes à inclusão de seres vulneráveis na comunidade moral, como é o caso de Cora Diamond.

David DeGracia é um dos autores que faz um uso bastante polêmico dos escritos de Wittgenstein para a bioética. Em seu artigo Why Wittgenstein´s Philosophy

Should not Prevent Us from Taking Animals Seriously74, ele defende que a filosofia da mente e da linguagem de Wittgenstein justificaria o ceticismo sobre a vida mental dos animais. DeGracia afirma que tal ceticismo ocorre, porque:

(...) a indicação de um status moral significante para os animais é comumente pensado como dependente da tese de que eles sofrem (critério de sensciência), têm desejos e crenças (critério da função), e possuem uma mínima consciência de si ou senso de tempo (que pode ser necessário para sofrer) ou coisas do gênero.75

A partir disso, é salientado que alguns alunos de Wittgenstein sugerem que existem aspectos em sua filosofia que dão a entender que animais são incapazes de ter pensamentos, crenças, desejos ou sofrimento. Eles não seriam capazes de sofrer porque não teriam consciência de si.

Outro ponto que incomoda DeGracia é a posição antiteórica de Wittgenstein em relação à ética, que não contribui em nada para a sua defesa de uma ética que protegesse os animais, pois de acordo com esta posição, a luta pela justificação de uma maior reforma moral que incluísse os animais no âmbito da moralidade não faz sentido.

Assim, embora não pretendamos desenvolver essas críticas que DeGracia e outros autores que defendem uma ética animal têm feito a Wittgenstein, fica aqui registrado o quanto à posição antiteórica tractatiana em relação à ética é interpretada das mais diversas e problemáticas formas.

Quanto à abordagem feita por DeGracia, primeiramente gostaríamos de ressaltar que, ao nosso ver, crer que a filosofia da mente e da linguagem de Wittgenstein

74 DeGracia, David. Why Wittgenstein´s Philosophy Should not Prevent Us from Taking Animals

Seriously. In: Elliott, 2001, pp.103-117.

75

justificaria o ceticismo sobre a vida mental dos animais é um uso bastante discutível dos escritos desse autor, visto que, tanto no Tractatus quanto nas Investigações, podemos perceber a idéia de que muitas coisas que não são expressas pela linguagem são mostradas a nós, como por exemplo, em muitas situações em que uma pessoa não precisa dizer que está com dor para que possamos perceber isso. Da mesma forma ocorre com os animais, que mesmo não possuindo o que nós consideramos linguagem, nos comunicam muitas coisas através de seus comportamentos, de modo que não podemos descartar a idéia de que os animais tenham vida mental ou que sofram, apenas que eles não podem usar a linguagem da mesma forma que nós, enquanto humanos, pois pertencem a outra forma de vida. Isso pode ser percebido através da passagem das

Investigações onde Wittgenstein escreve que mesmo que um leão falasse, nós não o

entenderíamos76, porque não compartilhamos de sua forma de vida, de seus hábitos etc. Além disso, a posição antiteórica de Wittgenstein em relação à ética tem como base a distinção que o autor explicita no Tractatus entre fatos e valores, através do que ele argumenta que apenas os fatos podem ser sistematizados pelo método científico, enquanto que a ética fica no âmbito dos valores, que não podem ser justificados ou teorizados e pertenceriam ao âmbito do que se mostra, o que é mais bem explicitado na

Conferência sobre Ética, onde o autor diz que:

A Ética, na medida em que brota do desejo de dizer algo sobre o sentido último da vida, sobre o bem absoluto, o absolutamente valioso, não pode ser uma ciência. O que ela diz em nada acrescenta, em nenhum sentido, ao nosso conhecimento, mas é um testemunho de uma tendência do espírito humano que eu pessoalmente não posso senão respeitar profundamente e que por nada neste mundo ridicularizaria77.

Com essas ressalvas buscamos mostrar porque esta leitura feita por DeGracia de que a filosofia da mente e da linguagem de Wittgenstein serviria para justificar o ceticismo sobre a vida mental dos animais é questionável. Além disso, crer que a posição anticientificista do autor possa inviabilizar as tentativas de incluir os animais na comunidade moral não procedem, já que o que o autor buscou elucidar com isso é que o método científico, ou privilegiar uma visão científica do mundo, em nada auxiliam nas questões éticas, pois esta não trata de assuntos que possam ser resolvidos cientificamente; trata do sentido da existência, de valores, enfim, de coisas que não

76

Cf. Wittgenstein, 1996, p.289. 77

podem ser medidas e abarcadas pelos métodos científicos, posição que em nada prejudica a defesa de uma ética que proteja os animais, apenas alerta para o status de teoria abrangente que uma visão ética possa requerer.

Por outro lado, Cora Diamond, em seu artigo Injustice and Animals78, começa falando a respeito da noção de justiça e injustiça mais aceita, que é a referente a direitos. Neste caso, não estão incluídos os animais na comunidade moral, já que se considera que eles não sejam portadores de direitos. Diamond recorre à discussão feita por Simone Weil, que se opõe ao pensamento contemporâneo a respeito da justiça ligada a direitos. Ela insere Wittgenstein na discussão na medida em que sugere que, para ele, entender a justiça em termos de direitos seria uma diferença na gramática. Ou seja, a idéia que, segundo Diamond, Wittgenstein teria em mente é de que as diferenças na gramática refletem diferenças no que nós consideramos importante, como no caso das diferenças entre a visão que Weil tem de justiça, de uma justiça não baseada em direitos, que se contrapõe à predominante. Weil avalia que outros aspectos importantes não estão inclusos nessa concepção, como, por exemplo, o respeito por seres vulneráveis.

Este não é o foco do presente trabalho, de modo que, ao expor estas discussões, pretendemos apenas mostrar como o pensamento de Wittgenstein tem sido usado, não só para a bioética no sentido estrito, mas também no sentido amplo, que no caso dos autores citados, envolvem a visão de linguagem e a filosofia da mente presente nas obras do pensador austríaco.

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