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Possibilidade de aplicação do instituto do habeas corpus em favor da

7. A Problemática Processualística na Lei de Crimes Ambientais

7.7. Habeas Corpus

7.7.3. Possibilidade de aplicação do instituto do habeas corpus em favor da

Feitas estas considerações iniciais, resta-nos abordar se pode ser deferido pedido de habeas corpus em favor de Pessoa Jurídica, posto que esta não tem habilidade física de se locomover e, portanto, não poderia ter seu direito de ir e vir afetado.

O habeas corpus é o instrumento correto para garantir a liberdade da pessoa quando esta é alvo de ato ilegal ou abuso de poder. A doutrina majoritária, assim como a jurisprudência, asseveram que o instrumento heróico só pode ser usado por pessoas naturais, posto que o ente moral não se locomove, conforma acima falado, e, desta forma, não poderia ser paciente do remédio constitucional em comento.

Parece-nos que essa posição, muito embora dominante, é errônea. Para tanto, vejamos a decisão monocrática do Sr. Exmo. Ex-Ministro do STJ Paulo Medina.

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(omissis)

Refletindo mais detidamente sobre os argumentos expendidos no pedido de reconsideração, tenho que assiste razão à defesa.

Isso porque, com o advento da Constituição de 1988, em seu artigo 255, § 3º, as pessoas jurídicas passaram a ser responsáveis, na seara penal, por danos causados ao meio ambiente. Tal disposição constitucional foi confirmada pela Lei federal nº 9.605/98 - Lei dos Crimes Ambientais. Desta feita, a condenação das pessoas jurídicas por dano ambiental resta perfeitamente admissível no sistema penal brasileiro, com supedâneo na ordem constitucional e legal.

É certo, ainda, que o habeas corpus configura remédio constitucional idôneo à proteção da liberdade do indivíduo, quando for ela coarctada por qualquer que seja o ato ilegal ou abusivo de poder. A liberdade do indivíduo, portanto, somente poderá ser limitada por ato exarado por autoridade competente ou por meio do devido processo legal, na forma estabelecida pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos LIV e LXI. Grande parte da doutrina define o habeas corpus como sendo ação constitucional destinada a prevenir ou cessar violência a direito deambulatório do Paciente, característica esta inerente ao ser humano, vedando-se, pois, esta condição à Pessoa Jurídica.

Isto porque, por constituir garantia destinada ao resguardo da liberdade de locomoção, àqueles entes desprovidos dessa característica não seria possível fazer uso de tal proteção.

Contudo, o tratamento discrepante ministrado à pessoa física e à Pessoa Jurídica, quando ambas se encontram na mesma situação de fato, qual seja, réus em ação penal, não encontra sustento se confrontado com os ditames constitucionais.

A uma porque necessário contextualizar o conceito de ir e vir, a fim de adequá-lo à situação da Pessoa Jurídica acusada de suposto envolvimento em crime, compatibilizando-o com o princípio da isonomia.

A duas porque se o legislador optou pela possibilidade da responsabilização penal da Pessoa Jurídica, podendo esta atuar como parte em ação penal, albergou, por conseqüência, a hipótese de vir a sofrer constrangimento ilegal oriundo de ato de autoridade, passível de correção via habeas corpus.

Ora, se afigura uma verdadeira teratologia sistêmica impingir sanções e tolher direitos, sob pena de violação direta à direitos e garantias fundamentais, corolário do Estado Democrático de Direito.

É evidente que a liberdade que se pretende ajustar em benefício da Pessoa Jurídica não é aquela natural das pessoas físicas, de ir e vir. Mas sim, a liberdade de disposição que possui sobre os seu patrimônio, na medida em que uma eventual responsabilização por crime ambiental afetará, extreme de dúvidas, sua autonomia econômica e financeira. Destarte, examinando mais detidamente a questão, e refletindo sobre suas repercussões jurídicas, entendo ser cabível o habeas corpus toda vez que a liberdade de disposição patrimonial da Pessoa Jurídica estiver lesada ou ameaçada de lesão por ilegalidade ou abuso de poder, por ocasião de possível condenação do ente à pena restritiva de direitos, multa ou prestação de serviços comunitários.

Sublinho que o direito à liberdade que se pretende garantir em habeas corpus em benefício de Pessoa Jurídica, é da livre disposição de sua administração e patrimônio.

Ora, se legal e constitucionalmente adotada a teoria da responsabilização penal da Pessoa Jurídica, inclusive com admissão de serem aplicadas sanções em caso de condenação, nada mais coerente com o sistema legal a admissão da ré pessoa jurídica como Paciente em habeas corpus, desde que se encontre lesada ou na iminência de lesão a seu direito de liberdade de dispor da sua vida econômico financeira, ampliando, em conseqüência, a via eficaz e célere do habeas corpus a toda pessoa, seja física, seja jurídica.

(Ministro PAULO MEDINA, 14.03.2007).

Conforme afirma o ex-ministro, e com o que concordamos, não se pode vislumbrar a aplicação de sanções e o tolhimento do direito de se defender, sob pena de fulminar de morte o Estado Democrático de Direito, já que ao acusado, por força constitucional, deve ser garantido todo meio de defesa para que possa se albergar do poder persecutório estatal ou mesmo para poder usar corretamente do contraditório e poder contar a sua versão da história. Assim é que entendemos que o entendimento majoritário encontra-se errado, e que o melhor seria que mudasse.

Corroborando com essa posição, encontramos acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. IMPETRAÇÃO POR PESSOA JURÍDICA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO. AUTORIDADE INCOMPETENTE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.

I - Sendo a Pessoa Jurídica denunciada pelo cometimento de crime contra o meio-ambiente, e por isso suscetível de submeter-se às penas autônomas fixadas em lei, o habeas corpus, ainda que como sucedâneo de recurso, pode ser manejado para trancamento de ação penal.

II - Tendo sido o compromisso de ajustamento produzido por autoridade incompetente, não se mostra idôneo para produzir os efeitos jurídicos pleiteados no habeas corpus.

III - Tendo a denúncia descrito criteriosamente os fatos imputados aos pacientes, e que são relevantes para o Direito Penal, amparada em prova pericial presumidamente idônea, havendo indícios veementes de autoria e sendo assegurado exercício pleno da defesa e do contraditório, mostra-se destoante do princípio da efetividade do processo o trancamento prematuro da ação penal, que deve, portanto, prosseguir como forma de privilegiar o direito-dever de o Estado apurar a verdade sobre os fatos.

IV - Ordem denegada.

(HC 2005.01.00.062327-9/BA, Rel. Juiz Federal José Carlos Do Vale Madeira (conv), Terceira Turma, DJ de 10/03/2006, p.17).

(GRIFOS NOSSOS)

Do citado acórdão, podemos tirar importante lição do juiz Federal José Carlos do Vale Madeira, convocado para substituir desembargador federal no Tribunal citado:

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A despeito de respeitáveis pronunciamentos em sentido contrário, que levam em consideração o fato de o habeas corpus encontrar-se historicamente voltado para proteger a liberdade física e individual, e sob esse enfoque não poderia ser utilizado por Pessoa Jurídica à condição de paciente, impõe-se atentar para o fato de a Lei 9.605/98 haver admitido expressamente a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio ambiente, de sorte que esse novo componente do ordenamento jurídico-penal brasileiro não pode ser ignorado como parâmetro de exegese.

Nessa perspectiva, sendo juridicamente possível a responsabilização penal da Pessoa Jurídica por crimes ambientais, que decorre, conforme proclamado pelo Superior Tribunal de Justiça, “de uma escolha política” (Resp 610114/RN, rel. Min. Gilson Dipp), com a aplicação de penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, mostra-se desproporcional a compreensão do habeas corpus sob a ótica vetusta de ação voltada para proteção da liberdade física e individual, eis que sua utilização tem sido largamente ampliada, inclusive para trancamento de ação penal ou inquérito policial, quando o receio de ofensa à liberdade se apresenta sob forma mediata, e não imediata.

Assim, sendo a Pessoa Jurídica denunciada pelo cometimento de crime contra o meio-ambiente, e por isso suscetível de submeter-se às penas autônomas fixadas em lei, e que terão elevado potencial de comprometer sua honorabilidade perante a sociedade, o habeas corpus, ainda que como sucedâneo de recurso, pode ser manejado para trancamento de ação penal, figurando a pessoa jurídica, como forma de privilegiar a efetividade do processo e assim evitar a propositura de ação autônoma ou interposição de recurso, como paciente.

(HC 2005.01.00.062327-9/BA, Rel. Juiz Federal José Carlos Do Vale Madeira (conv), Terceira Turma, DJ de 10/03/2006, p.17).

Muito embora não seja aceito pela maioria dos tribunais o habeas corpus em favor de pessoas jurídicas, inegável é a admissibilidade dos seus efeitos sobre a Pessoa Jurídica quando todos os dirigentes da mesma têm sua ação penal trancada pelo writ. É que, segundo a teoria da dupla imputação, a entidade moral não pode continuar figurando solitária no pólo passivo da ação, posto que a pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral13. Corroborando com essa linha de pensamento, segue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL.

CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA.

OCORRÊNCIA.

1. Admitida a responsabilização penal da Pessoa Jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade,

13 REsp 610.114/RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17.11.2005, DJ

a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pela estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana.

2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à Pessoa Jurídica, é de rigor.

3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício. (RMS 16.696/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 09.02.2006, DJ 13.03.2006 p. 373)

(GRIFOS NOSSOS)

No processo supra, em que a Petrobras S/A impetrara mandado de segurança para trancar a ação penal que sofria em razão de poluir os Rios Barigüi e Iguaçu e suas áreas ribeirinhas, por meio do vazamento de aproximadamente quatro milhões de litros de óleo cru, foi concedido habeas corpus ex officio a Luiz Eduardo Valente Moreira, superintendente da estatal e, como este era o ultimo co-autor humano do crime, o Sr. Exmo. Ministro Hamilton Carvalhido concedeu o mandado se segurança trancando a ação penal.

Desta forma repetimos que os tribunais, de maneira errônea, não aceitam o habeas corpus em favor da Pessoa Jurídica, posição ao nosso ver errônea, pelos motivos já esposados, mas aceitam de bom grado os efeitos do writ concedidos em favor da pessoa natural com relação à ação penal em que o ente moral figura como parte ré.

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