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Possibilidade de fixação de alimentos no caso da Lei Maria da Penha

CAPÍTULO IV: ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

4.2. Casos Especiais

4.2.1. Possibilidade de fixação de alimentos no caso da Lei Maria da Penha

Em relação à Lei Maria da Penha, Maria Berenice Dias (2011, p. 150), entende que “a lei estabelece o conceito de família independente da orientação sexual”, o que torna a lei pioneira no reconhecimento da união homoafetiva. Os fundamentos utilizados pela autora para chegar a essa conclusão foram os arts. 2º e 5º, parágrafo único, da Lei, transcritos abaixo:

Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa , sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.

Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, em seu artigo 22, inciso V, prevê que uma vez constatada a prática da violência contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente com outras medidas protetivas de urgência, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios à vítima.

Porém tal lei foi feita para disciplinar exclusivamente casos de violência contra a mulher, conforme previsto não só na própria ementa da lei, mas também ao longo de todo diploma legal, que cita exaustivamente a palavra “mulher” como forma de indicar a única destinatária da proteção conferida pela Lei Maria da Penha.

Nos parece implícito que o objetivo da lei era o de defender exclusivamente a figura feminina, considerada como o sexo frágil em relação ao homem, por sua menor força física, o que resulta em ser a mulher, em regra, a vítima que mais sofre violência em uma relação afetiva, seja ela de ordem física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, conforme disposto nos incisos do art. 7º do referido diploma legal.

Assim, em nosso entendimento, ao contrário do defendido por Maria Berenice Dias48, a Lei Maria da Penha não se aplica ao casal composto por dois homens, nem mesmo de forma análoga, sendo aplicável, entretanto, no caso de violência ocorrida no âmbito de uma relação afetiva entre duas mulheres, conforme se observa da ementa da decisão do STJ, em conflito de competência, julgado em 2008, abaixo reproduzida:

EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA MULHER. AGRESSÕES MÚTUAS ENTRE

NAMORADOS SEM CARACTERIZAÇÃO DE SITUAÇÃO DE

VULNERABILIDADE DA MULHER. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 1. Delito de lesões corporais envolvendo agressões mútuas entre namorados não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou vulnerabilidade. 2. Sujeito passivo da violência doméstica objeto da referida lei é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade, além da convivência, com ou sem coabitação. [...] 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG. (STJ, CC. 96533/MG, Terceira Seção, rel. Min. Og Fernandes, j. 05/12/2008, DJe 05/02/2009)

Porém, a jurisprudência não é pacífica neste tema, já que aqui mesmo no Rio de Janeiro nós já tivemos um caso com repercussão na imprensa, de decisão de um juiz de primeiro grau com entendimento diverso, proferida em 2011, ou seja, após a decisão do STJ.

Trata-se do caso julgado pelo juiz Alcides da Fonseca Neto, da 11ª Vara Criminal da Capital, no processo nº 0093306-35.2011.8.19.0001, cuja decisão aplicou a Lei Maria da Penha em um caso de lesão corporal envolvendo um casal homossexual composto por dois homens, que já viviam em união homoafetiva por três anos.

Para o juiz, a medida foi necessária a fim de resguardar a integridade física da vítima. As palavras do magistrado quanto ao caso, foram as seguintes:

Importa finalmente salientar que a presente medida, de natureza cautelar, é concedida com fundamento na Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), muito embora esta lei seja direcionada para as hipóteses de violência doméstica e familiar contra a mulher. Entretanto, a especial proteção destinada à mulher pode e deve ser estendida ao homem naqueles casos em que ele também é vítima de violência doméstica e familiar, eis que no caso em exame a relação homoafetiva entre o réu e o ofendido, isto é, entre dois homens, também requer a imposição de medidas protetivas de urgência, até mesmo para que seja respeitado o princípio constitucional da isonomia.

A notícia veiculada pela imprensa aponta apenas que o juiz concedeu medida protetiva, determinando que o ex-companheiro deveria manter uma distância de 250 metros da vítima por tempo indeterminado, não mencionando nada em relação a uma possível prestação alimentícia, o que nos faz supor que não houve pedido neste sentido.

Entretanto, só o fato de haver aplicação da Lei Maria da Penha ao caso de união afetiva entre dois homens, já abre precedente para possíveis decisões que apliquem, como medida protetiva de urgência, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios ao companheiro ou cônjuge agredido, de relação afetiva masculina.

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