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Foi estabelecido no item anterior que criar é um ato que necessáriamente envolve energia, não permitindo uma postura passiva. Há que existir o que se pode chamar de “pensar ativo”. Este conceito implica envolvimento do criador com seu processo: implica compromisso e muita ação. Casos típicos são freqüentemente encontrados no ensino de projeto. A atividade projetual é sobretudo um ato de vontade, um gesto de transformação da realidade; é portanto, básicamente, ação. Agir pressupõe uma postura ativa, ou seja, vontade de transformar a realidade. Pressupõe algo mais do que entender determinantes e condicionantes de uma forma física; e algo mais do que arranjar espaços. Projetar significa harmonizar o local e o programa de necessidades referenciados à base tecnológica disponível, à cultura dos usuários e ao imaginário coletivo em um todo coeso, integrado e expressivo.

Pode-se ter um bom exemplo dessa situação através da observação de um estudo de caso, o qual se descreve em seguida:

Foi solicitado aos alunos de Projeto I, da Escola de Arquitetura da UFMG, a criação de um Centro de Lazer de Massa na cidade de Lagoa Santa, em terreno situado entre a via periférica e a lagoa As figuras das páginas seguintes ilustram o exemplo.

fig. 13.1, fig. 13.1.1, fig. 13.1.2, fig. 13.1.3, fig. 13.1.4, fig. 13.1.5, fig. 13.1.6

Concepções diferenciadas dos alunos para terrenos situados às margens da Lagoa Santa destinado a Centro de Lazer de Massa

Da análise do terreno e do entendimento do programa que previa básicamente três grandes setores (quadras esportivas, área de churrasqueiras individuais e bar/lanchonete) é possível se estabelecer um primeiro zoneamento espacial (fig. 13.1.2).

O zoneamento funciona como uma base para a visualização do potencial do terreno e sobre ele há que se construir o projeto que só se realiza a partir de vetores e tensões, isto é, de intenções espacializadas. Um problema corriqueiro nas soluções dos alunos é o que acontece quando o projeto nasce diretamente do zoneamento, como se isso já fosse a solução (fig. 13.1.3). É importante observar que a postura, nesse caso, é passiva, e apenas responde com fraca intensidade a relação entre condicionantes e determinantes. A postura ativa nasce do entendimento de que a síntese entre condicionantes e determinantes gera uma nova realidade - expressiva, inclusive - muito maior do que a simples combinação dos dois. Assim é que se geram soluções como as que se seguem:

Fig. 13.1.4: O aluno cria um grande eixo de animação e penetração no terreno que define o espaço arbóreo (de churrasqueiras, é claro) e o espaço esportivo. Como ponto focal do eixo, o restaurante sobre o espelho d’água, inclusive remetendo a uma imagem comum em Lagoa Santa que são seus trampolins em volta da lagoa.

Fig. 13.1.5: O aluno trabalha as margens do terreno como extensão do calçadão que circunda a lagoa, gerando assim uma continuidade do movimento que já se faz naturalmente no seu perímetro, e garantindo a animação do local. Aproveitando essa linearidade movimentada, os equipamentos de uso coletivo se instalam em porção adjacente e daí se fazem as penetrações para as áreas livres (quadras) e para a área de árvores (churrasqueiras, é claro).

A postura projetual ativa permitiu ao aluno uma abordagem criativa do terreno, modificando a realidade no sentido de potencializar os fortes atributos paisagísticos do local, dotando o centro de lazer de massa de boa funcionalidade, mas também de significado.

Outro exemplo de postura ativa/passiva pode ser verificado num outro caso, desta feita a solicitação de uma casa urbana num terreno convencional:

Fig. 13.1.6: O aluno resolve o problema procurando apenas orientar (posicionar relativamente ao sol) corretamente os quartos, minimizar as circulações (corredores) e fazer uma fachada que nada mais é do que alçar a planta, com a cumeeira onde o senso comum diz que ela deve ser, gerando duas águas de telhado simétricas e caindo no sentido da sua menor dimensão.

Verifica-se, a seguir, como uma postura ativa que não se deixa levar pela

“letargia” resolve um problema análogo. Exemplo bem didático para o caso é a

residência Van Damme, cujo projeto é do arquiteto Humberto Serpa. Aí a edificação se resolve longitudinalmente no terreno, permitindo que ela emoldure o pátio da piscina, ao mesmo tempo que os quartos e salas se abrem para esse pátio, para o sol da manhã e para a melhor vista. A circulação gerada por tal concepção se torna um passeio dentro da casa, ricamente resolvida com a curva e a luz que nela se derrama.

O “pensar ativo” pressupõe a idéia de um conceito forte a partir do qual se funda a criação, como no caso dos prédios “como que pousados” de Niemeyer. A inexistência do elemento fundante gera soluções “bambas” e inexpressivas, como nos exemplos anteriormente citados e extraídos da prática de ensino de projeto. A busca desse conceito de pensar ativo é uma tarefa que pressupõe esforço e, obviamente, ação. É importante também o entendimento que esse conceito não é uma especulação teórica, mas o estabelecimento de uma teoria

aplicada à prática.

Louis Khan explica muito bem essa constatação com a seqüência de pensamentos que orientou a concepção da sua Igreja Unitarista em Rochester, onde ele entende que igreja e escola não são coisas separadas, mas que o cerne do projeto era o sentimento de religiosidade que deveria, portanto, ocupar o centro do edifício, com escola a seu redor (fig. 15.2, adiante). Mário Botta também ajuda a compreensão do conceito quando, didáticamente, mostra os passos percorridos na construção da forma/conceito de uma residência na Suiça. O projeto se funda na idéia de liberar a inteireza do terreno para que seja fruído visualmente. A implantação do volume no canto (único ângulo reto do lote) libera a visão e sugere a massa quase “cega” que protege a intimidade, cria a envolvência do pátio e oferece a melhor localização para os espaços de “servir”.

A busca do conceito muitas vezes se resolve no encontro com a temática apropriada, ou seja, a exploração de um tema, como um fio condutor, pode permitir que se suscitem diversas possibilidades formais. Criar a partir de

poucas referências é dificultar substancialmente a tarefa. A prática projetual apresenta diversos exemplos que mostram a importância de um tema rico em significados.

O projeto premiado em 3o lugar no concurso internacional da Biblioteca Internacional de Alexandria dos arquitetos Carlos Antônio Brandão, José Eduardo Ferolla e Fernando Ramos trabalhou sobre o tema do “caminho”, tão presente na cultura egípcia. A casa na montanha é tema freqüente para os arquitetos mineiros que buscam relações diversificadas e criativas entre o edifício e a montanha, como se pode ver na obra dos seguintes profissionais: Sylvio Podestá na casa que se assenta na montanha, sobre estrutura forte, deliberadamente presente; Carlos Alexandre Dumont que gera uma casa a partir do caminho ascendente; Saul Vilela, na casa que se relaciona com a montanha pela ponte e pela vista; Humberto Serpa na casa que emoldura o céu e faz flutuar a sala (fig. 13.2).

O tema permite associações variadas e abre espaço para a investigação, funcionando mesmo como uma chave criativa. Gilberto Gil ("O eterno Deus Mudança", 1989) ilustra essa afirmativa com bastante propriedade em “Do

Japão”, onde relaciona elementos da cultura japonesa com o avanço

tecnológico daquele país:

Do Japão,

quero uma câmara de filmar sonhos pra registrar nas noites de verão meu corpo astral, leve, feliz, risonho voando alto como um gavião; que filme dentro da minha cabeça

todo pensamento raro que eu mereça, toda ilusão a cores que apareça,

Toda beleza de sonhar em vão Do Japão,

quero também um trem bala de coco para atravessar túneis de dissabor; quero um micro-computador barroco que seja louco e desprograme a dor; visitar um templo zen-disbundista, conversar com um samurai futurista que me dê pistas sobre o sol nascente, que me oriente sobre o novo amor. Do Japão,

quero uma gueixa que em poucos minutos da minha queixa faça uma paixão,