• Nenhum resultado encontrado

ENSINO DE ARQUITETURA: TRÊS MOMENTOS NA HISTÓRIA

7.3. l Entusiasmo pela Arquitetura

7.3.5. Postura crítica.

Blondel, através de seu espírito crítico, apresentava posturas bastante questionadoras quanto às vanguardas gratuitas.

Assim, com aforismo tais como: “Cuidado com a escravidão da moda”, “Aquele

que está vivo tem direito à crítica”, alertava que “os estudantes não deveriam escutar aqueles que lhe seduzem, intentando fazê-los crer que a arte do passado está exaurida e que, para ser moderno, se deve ser extravagante”.

(conforme Kauffmann, 1980, pag. 72).

Considerando a sua posição destacada no cenário arquitetônico da época, sua influência e sua presença acadêmica, é tranquilizador constatar que sua presença analítica e questionadora se impunha em um momento tão confuso para a evolução da arquitetura.

Blondel conseguia exercer o papel de pensamento avaliador das tendências da época e, embora algumas vezes tenha assumido um papel conservador, suas idéias eram extremamente importantes para o desenvolvimento da prática arquitetural da época e do entendimento dos novos tipos e “estilos”.

Como professor, arquiteto e pesquisador, Blondel teve influência marcante nas gerações subsequentes e isto é claro quando, por exemplo, se avaliam as posições de um gênio como Boullée referentes ao ensino de arquitetura. Boullée (1993) salientava a importância da natureza como modelo e, portanto, fonte do belo. Estimulava, a observação da natureza e suas formas e, em um segundo momento, o desenho de observação e a cópia das riquezas da arquitetura. Acreditava que o ensino deveria começar pela cabana mais simples até os tipos mais complicados. Esta e outras constatações como se seguem, continuam na base do ensino de arquitetura, inclusive nos nossos dias; ou não são essas as premissas pedagógicas do nosso ensino? Senão vejamos:

a) Método não linear de ensino segundo Boullée: “Dentro das Belas Artes não

é possível instruir por um método seqüente como nas ciências exatas” (in

“L’architecture visionnaire et néoclassique”)

b) Objeto arquitetônico como síntese de determinantes e condicionantes: “A

comodidade, a ordem, sem que sejam destruídos nenhuma de suas partes” (in Benévolo, 1981)

c) Busca de caráter: “Eu chamo de caráter o efeito que resulta daquele objeto e

causa em nós uma impressão qualquer” (in L’architecture visionnaire et

neoclassique”) Boullée mostra como a observação da natureza pode gerar “caráter” em arquitetura: a luz do verão com sua alegria, pode ser aplicada em tipologias como casas de banho, mercados, etc; a luz do inverno, que produz imagens tristes, sombras, formas angulares sugere como devem ser projetados os túmulos e monumentos funerários: uma muralha nua, proporções baixas, muitas sombras.

d) Importância do mestre-prático: “o professor deve ensinar sua arte como ele

mesmo e concebe” (in L’Architecture visionnaire et neoclassique’)

O método Beaux-Arts, consagrado pela história da arquitetura, é o resultado de três séculos de evolução e ai segundo Denise Scott - Brown (1978), reside a sua principal diferença quanto aos métodos contemporâneos: ele é resultado de uma evolução e não de uma revolução (se referindo ao Movimento Moderno).

O método Beaux-Arts se caracteriza pela abstração do desenho e representação da realidade, baseado claramente nos fundamentos cartesianos da ciência. (Para James Stirling se confunde com a arquitetura fascista). Caracteriza-se, ainda, pelo individualismo, racionalismo e cientificismo, baseando-se na crença de que o todo precede as partes. Segundo Leon Krier, a preocupação da “Beaux-Arts” era antes em ordenar do que com a ordem em si, o que poderia gerar um esvaziamento do significado, na medida em que os espaços criados eram “vazios”, face à extrema importância dada ao edifício como envelope.

Embora a idealização e a abstração possam ser encaradas como alienantes, esta técnica permite a exploração e manipulação ampliadas do objeto arquitetônico. Colquhoun (l978) inclusive a compara com a partitura musical que teria sido importante fator evolutivo na música - embora fosse sua abstração - na medida em que incorporava à sua exploração também a dimensão visual.

De qualquer maneira, o método “Beaux-Arts” instaurou importantes conceitos no ensino de projeto, tais como:

a) TIPOLOGIA: O estudo sistemático dos tipos, suas propriedades, demandas e possibilidades expressivas.

b) PARTIDO: ponto de catalização das idéias e unificador de condicionantes e determinantes, verdadeiro “constructo” onde de se sintetiza a idéia arquitetural e se materializa o conceito.

c) COMPOSIÇÃO: estruturação geométrica do espaço, sistematização e normatização de regras compositivas que, embora rígidos na Beaux-Arts, sofrem evolução com o tempo e ainda hoje se apresentam como regras e normas.

d) DISPOSIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO: estabelecimento de lay-out básico, preocupação com o funcionamento e a dimensão utilitária do espaço. e) SEQUÊNCIA: “parti” como primeiro passo e “l’esquisse” como

desenvolvimento da idéia e como núcleo central referenciador de todos os detalhes subsequentes.

f) “MARCHE”: a importância da consideração dos movimentos no edifício, o estabelecimento de eixos de movimento, do passeio, a incorporação da dimensão de tempo na concepção espacial.

g) “STUDIOS”: a criação do sistema de estúdios, ainda hoje base do ensino de projetos no mundo inteiro.

h) CAMARADAGEM: Integração vertical entre alunos de diversos períodos, onde o ensino/aprendizado se efetiva também entre pares, através do convívio e do intercâmbio

i)“APRENDER FAZENDO”: Base do ensino de arquitetura de todos os tempos, onde a hierarquia dos conteúdos a serem ensinados se confunde com a prática, gerando transmissão de globalidade e nunca de partes de conteúdos.

A escola de Beaux-Arts passa a ser, portanto, muito mais do que um lugar físico, mas um sistema de pensamento e ensino que se notabiliza não apenas pelo processo, conforme demonstrado acima, mas também pelo profissionalismo, pela pertinência de seus programas, profundamente ligados ao seu tempo e pelos critérios estéticos bem estabelecidos. Segundo ainda Denise Scott-Brown (1978) temos a aprender com a BEAUX-ARTS a capacidade de trabalhar livremente uma fórmula aceita.

Este Capítulo não poderia ser encerrado sem se retomar a presença de Blondel: “Nous n’avons pas l’amour pour les choses que nos ignorons”.