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2 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E INTERLOCUÇÃO DE SABERES NO

2.2 PRÁTICA PROFISSIONAL INTEGRADA, INTERLOCUÇÃO DE

CURRÍCULO E FORMAÇÃO

No âmbito do IFFarroupilha, a PPI vem sendo defendida como contexto formativo potencialmente favorável para a problematização, ressignificação, flexibilização e integração de teorias e práticas em processos de constituição dos saberes escolares, ao longo dos cursos. Por meio dela pretende-se desenvolver caminhos para a superação da fragmentação de conhecimentos tradicionalmente presente na organização curricular. Isso, numa concepção de formação do sujeito consciente dos processos e das condições reais do trabalho, capaz de agir na sociedade na produção de um mundo de acesso e permanência de todos no trabalho (IFFARROUPILHA, 2012).

No âmbito dos IFs, a organização curricular dos cursos técnicos “em todas as suas modalidades e formas, ressalvadas as especificidades previstas nestas diretrizes, será organizada por três núcleos: I - Núcleo Tecnológico; II - Núcleo Básico; III - Núcleo Politécnico”, em coerência com os termos da Resolução nº 06 do Conselho Federal de Educação, sendo que esses “Núcleos não serão constituídos como blocos distintos, mas articulados de forma integrada” (art. 45, parágrafo único) (IFFARROUPILHA, 2013, p.17).

Com a promulgação da Resolução nº 06/2012, o IFFarroupilha organizou nova proposta didático-pedagógica contemplando os Núcleos Básico, Tecnológico e Politécnico

para os Cursos Técnicos e Técnicos Integrados ao Ensino Médio, por meio da construção das Diretrizes Institucionais aprovadas pelo Conselho Superior (CONSUP), em 02 de dezembro de 2013. A elaboração dessas diretrizes, além de adequação à resolução, possibilitou a organização e construção dos PPCs, incluindo as práticas profissionais ao longo do itinerário formativo. Práticas essas que contemplam a integração curricular ao desenvolver projetos integradores.

Nesse sentido, as diretrizes dos IFs reforçam que:

A proposta curricular que integra o ensino médio à formação técnica [...] além de estabelecer o diálogo entre os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos e conhecimentos e habilidades relacionadas ao trabalho e de superar o conceito da escola dual e fragmentada, pode representar, em essência, a quebra da hierarquização de saberes e colaborar, de forma efetiva, para a educação brasileira como um todo, no desafio de construir uma nova identidade para essa última etapa da educação básica (BRASIL, 2010, p. 26).

Isso foi reiterado pelo Grupo de Trabalho (GT) dos Cursos Técnicos do IFFarroupilha que tem como uma de suas atribuições, assessorar a Pró-Reitoria de Ensino no planejamento, implementação, desenvolvimento, avaliação e revisão das diretrizes pedagógicas para os cursos técnicos da instituição. (Res. nº 102/2013 – CONSUP). Tal reiteração está expressa nos Princípios Norteadores da educação profissional técnica de nível médio a serem seguidos no IFFarroupilha: “[...] interdisciplinaridade assegurada no currículo e na prática pedagógica, visando à superação da fragmentação de conhecimentos e de segmentação da organização curricular” (art. 5º, § VII) (BRASIL, 2013).

Os agentes do processo educativo, ao formar para o trabalho, devem conceber um sujeito que seja capaz de contribuir na sociedade, que seja consciente das condições reais e dos processos de trabalho. Essa concepção implica na formação de um sujeito em todas as suas dimensões.

Portanto, o desafio de desenvolver e compreender a perspectiva de uma Educação Politécnica articulada e articuladora da educação profissional foi o que motivou a elaborar o presente texto, com foco na análise dos conhecimentos abrangidos na construção das pesquisas pelos estudantes, no contexto da PPI.

Marques, em 1993, já dizia, com o que concordamos,

[...] os currículos escolares se configuram como mera justaposição de disciplinas autossuficientes, grades nas quais os conhecimentos científicos reduzidos a fragmentos desarticulados se acham compartimentados, fechados em si mesmos e incomunicáveis com as demais regiões do saber (MARQUES, 1993 p. 106).

Para isso se romper, continua Marques, a sala de aula precisa ser concebida como lugar de encontro para as relações educativas, como unidade, como superação da fragmentação das disciplinas e das responsabilidades,

[...] em práticas orientadas por e para linhas de eixos temáticos e conceituais interdisciplinares, não apenas uma justaposição de disciplinas enclausuradas em si mesmas, mas de maneira que, em cada uma, se impliquem as demais regiões do saber (MARQUES, 1993 apud MARQUES, 1992, p. 174-7).

Cumprindo o que está previsto nas DCN que regulamentam o Curso TQ, o mesmo contempla “a cada período letivo um montante de carga horária num mínimo total de 130 horas, [...] reservado para o envolvimento dos estudantes em práticas profissionais” (BRASIL, 2010).

O objetivo geral do PI do ano 2013 (PI correspondente à PPI que é objeto de análise nesta dissertação) é: “desenvolver novas possibilidades de aprendizagens interdisciplinares contextualizando a Química e mostrando sua ligação às diferentes áreas do conhecimento” (IFFARROUPILHA – Câmpus Panambi, 2013, p. 2).

No referido PI constam os seguintes objetivos específicos:

Identificar a relação - química e ambiente, considerando as questões econômicas, sociais, políticas e culturais envolvidas; analisar os fundamentos das ciências naturais e sociais com o desenvolvimento das novas tecnologias; compreender a evolução da cultura e das necessidades humanas e ambientais, tendo como base os conhecimentos estudados; aprimorar a responsabilidade social na vivência dos educandos (IFFARROUPILHA – Câmpus Panambi, 2013, p. 2).

Assim, o PI do ano 2013 contemplou um número maior de disciplinas, em cada um dos três anos do curso, envolvendo componentes de todas as áreas do conhecimento conforme

projeto em contextualizar a Química “mostrando sua ligação às diferentes áreas do conhecimento” (PI, 2013, p. 2). É importante, ainda, considerar que um dos aspectos a serem investigados pelas disciplinas, conforme o PI é “estabelecer inter-relações com conceitos e teorias mais amplas, tomando os conteúdos temáticos, não como compartimentos estáticos, mas como repertórios de questões dinamicamente tratadas” (PI, 2013, p.2).

No que se refere a tais inter-relações, o PI contempla a proposição expressa no PPC, quanto à efetivação de ações interdisciplinares planejadas e desenvolvidas de forma articulada entre os docentes do curso TQ.

Estas práticas profissionais serão articuladas entre as disciplinas dos períodos letivos correspondentes. A adoção e tais práticas possibilitam efetivar uma ação interdisciplinar e o planejamento integrado entre os elementos do currículo, pelos docentes e equipes técnico-pedagógicas. Nestas práticas profissionais também serão contempladas as atividades de pesquisa e extensão em desenvolvimento nos setores da instituição e na comunidade regional, possibilitando o contato com as diversas áreas de conhecimento dentro das particularidades do curso (IFFARROUPILHA- Câmpus Panambi, 2010, p.12).

É visível na citação anterior a concepção de uma formação integrada, no curso, possibilitada por planejamentos coletivos de atividades com articulação entre as disciplinas e áreas do curso.

Mas, e o que é integrar? Para Ciavatta, “é tornar íntegro, tornar inteiro” [...] quando se trata de ensino médio integrado, “queremos que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho” (CIAVATTA, 2005, p.2).

De acordo com Ciavatta, a integração da educação geral com a educação profissional é no sentido da busca de superação da dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual e de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo. Concepção essa que necessita ainda romper muitas barreiras no que diz respeito à formação docente, políticas públicas, gestão educacional e garantia de uma formação integrada, completa para a “leitura do mundo e para atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos” (CIAVATTA, 2005, p. 3)

Os conhecimentos que fazem parte da formação no Curso TQ, por exemplo, são tanto os da formação básica em geral, como Física, História, Biologia, Química, quanto os da formação técnica ou tecnológica. Os primeiros são oriundos das ciências, sendo importante

entender a especificidade da natureza dos segundos, cujos contextos de produção e validação necessitam ser explicitados, em sua relação, também, com os primeiros.

A adoção de tais práticas possibilita efetivar uma ação interdisciplinar e o planejamento integrado entre as dimensões constitutivas do currículo, pelos docentes, articuladamente com a equipe pedagógica.

O ensino contemplado no Curso em questão, conforme consta no seu PPC, tem o propósito de qualificar a Educação Básica “considerando o grande número de jovens com direito a cursar o ensino médio, mas que também optam por iniciar sua inserção no mundo do trabalho, numa perspectiva da educação voltada para a politecnia” (IFFARROUPILHA – Câmpus Panambi, 2010, p. 4). A organização curricular, conforme o que consta ainda nesse documento:

É pautada nos princípios básicos do currículo Integrado, tendo como principais eixos estruturantes a ciência, a cultura, o trabalho e a tecnologia, numa perspectiva que busque a constituição de um sujeito omnilateral, através da integração das dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social (IFFARROUPILHA – Câmpus Panambi, 2010, p. 9).

A proposição de formação geral, hoje referendada no núcleo básico, e a formação técnica (contemplada na Res. nº 06/2012 no núcleo tecnológico)

[...] tem o intuito de que o processo de formação do estudante não resulte somente em um técnico ou somente um sujeito a mais que possui um ensino médio concluído, mas sim que vise o pleno desenvolvimento do sujeito em todas as dimensões da vida (IFFARROUPILHA – Câmpus Panambi, 2010, p. 9).

Nesse sentido, a politecnia apresenta relevância ao possibilitar a compreensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos do conhecimento. Esse é um dos grandes desafios enfrentados pela educação brasileira: compreender o ensino proposto e praticado no EM e nas escolas de educação profissional.

Assim sendo, o PPC do Curso organiza os eixos estruturantes base do currículo integrado através dos PI. As práticas profissionais são articuladas, por meio desses projetos, entre os elementos do currículo, pelos docentes e equipes técnico-pedagógicas, no contexto da PPI.

Isso situa a importância, no contexto desta dissertação, de alertar para a necessária vigilância epistemológica em relação ao risco de incorrer numa relação dicotômica entre a

corriqueiras. Isso remete para reflexões referentes à educação profissional. Essa mesma linha de mudança na concepção da organização dos currículos e da formação está presente nas atuais políticas da educação no EM como um todo.

A interlocução, analisada e estudada nesse trabalho de dissertação, é conceituada por Couto como “a comunicação humana, ou comunicação propriamente dita” (2007, p. 116), cabendo situar o interesse em entender, por meio desta pesquisa, a relação de diálogo entre saberes cotidianos e acadêmicos/científicos diversificados (LOPES, 2008). Espera-se que a relação entre saberes diversificados aconteça simultaneamente no espaço escolar e que precisa ser mais bem considerada nos processos de ensino e de aprendizagem.

Marques (1996) apresenta a interlocução, de saberes, como a busca de entendimento das relações que se estabelecem em sala de aula entre saberes dos docentes e saberes de uma turma de alunos. Postula-se, segundo Marques, um novo paradigma de conhecimento e educação baseado na razão de muitas vozes onde os homens constroem e reconstroem seus saberes sob a forma de novas aprendizagens.

Interlocução de saberes significa que a educação se cumpre num diálogo de saberes, não em simples troca de informações, nem em mero assentimento acrítico a proposições alheias, mas na busca do entendimento compartilhado entre todos os que participem de mesma comunidade de vida, de trabalho, de uma comunidade discursiva de argumentação. Interlocução que se faça de saberes não apenas prévios, os saberes de cada um, sobretudo na participação de cada um e de todos na reconstrução de que resultem novos saberes, os saberes de cada específica comunidade em cada diversa situação. Interlocução [...] que é aprender contra o previamente aprendido, negação do que já se sabe na constituição de novo saber, de saberes outros (MARQUES, 1996, p. 14).

A interlocução, segue Marques (1996), constrói e reconstrói os saberes por meio da livre conversação cotidiana ou por meio da argumentação discursiva sobre temas definidos e colocados na mesa de discussões, com igualdade de acesso e de condições. “Nisto se configura a educação, nesta interlocução de saberes em que se constituem a generecidade humana e a singularização dos sujeitos” (MARQUES, 1996, p. 39).

A aprendizagem, enquanto saber novo é resultado da interlocução de saberes, de saberes reconstruídos a partir de saberes prévios dos interlocutores, tecidos por meio das práticas educativas.

Particularmente, nesta dissertação, a perspectiva da articulação entre conhecimentos integrantes da formação no curso TQ é discutida a partir de uma análise das produções dos estudantes ao final do curso, no ano 2013, no contexto da Mostra Técnica da PPI.

Sendo assim, cabe relembrar que, a cada ano letivo, são definidos os temas tomados como objeto de estudo e pesquisa pelos grupos de estudantes, contando com a ajuda dos respectivos docentes orientadores.

Os quadros 6, 7 e 8, apresentados a seguir permitem uma visão abrangente sobre as áreas de conhecimento contempladas nas produções dos estudantes no contexto da PPI desenvolvida no PI, no ano 2013. A categorização levou em conta não apenas o título, mas também o teor do trabalho de pesquisa elaborado e apresentado pelos estudantes. Os quadros 6, 7 e 8 estão organizados por série do curso e identificam também o tema pesquisado por cada grupo de estudantes.

Quadro 6: Trabalhos apresentados na mostra da PPI do 1º ano do curso no ano 2013

Nome do Trabalho Apresentado pelos Grupos

Nº de Estudantes por Grupo Grande Área de Conhecimento Identificada

Área de formação do professor orientador NAZISMO E NEONAZISMO 05 Ciências Humanas - Matemática - Letras - História MÚSICA 05 Linguagem

- Ciências Plena com Habilitação em Física – Educação Física FOTOGRAFIA 05 Linguagem e Ciências da Natureza - Matemática - Química HISTÓRIAS EM QUADRINHOS 05 Linguagem - Química – Física – Educação Física MODA ATRAVÉS DOS

TEMPOS 04 Linguagem

- Educação Artística – História

DÉCADA DE 60 03 Linguagem

- Geografia

- Sociologia e Ciências Sociais

ANIMAIS MARINHOS 05 Ciências da Natureza

- Ciências Biológicas - Ciências Biológicas Fonte: SAP do IFFarroupilha – Câmpus Panambi.

Quadro 7: Trabalhos apresentados na mostra da PPI do 2º ano do curso no ano 2013

Nome do Trabalho Apresentado pelos Grupos

Nº de Estudantes por Grupo Grande Área de Conhecimento Identificada

Área de formação do professor orientador

EVOLUÇÃO DO CINEMA

03

Linguagem - Letras: Português / Inglês - Química ELETRICIDADE E O UNIVERSO 02 Ciências Humanas e Ciências da Natureza - Matemática - Física A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL – ARMAS QUÍMICAS

05 Ciências Humanas - Química - História

DESASTRES NUCLEARES 03

Ciências Humanas e Ciências da Natureza

- Química

- Química e Química Industrial

O SONO, O SONHO E SEUS MISTÉRIOS 05 Ciências Humanas e Ciências da Natureza - Geografia - Sociologia/Ciências Sociais MÁ FORMAÇÕES GENÉTICAS 02

Ciências da Natureza - Ciências Biológicas - Química/Química Industrial

POLÍMEROS

BIODEGRADÁVEIS 04

Ciências da Natureza - Química

- Química e Química Industrial

MEDICAMENTOS 05

Ciências da Natureza - Química - Química

TÓXICOLOGIA 03

Ciências da Natureza - Química

- Ciências Biológicas

A EVOLUÇÃO DOS GAMES 04

Ciências Humanas - Matemática - Educação Física Fonte: SAP do IFFarroupilha – Câmpus Panambi.

Quadro 8: Trabalhos apresentados na mostra da PPI do 3º ano do curso no ano 2013

Nome do Trabalho Apresentado pelos Grupos

Nº de Estudantes por Grupo Grande Área de Conhecimento Identificada

Área de formação do professor orientador

INDÚSTRIA PETROQUÍMICA 04 - Ciências Biológicas ÓPTICA 04 Ciências da Natureza e Linguagens - Física

- Letras: Português /Inglês

PIROTECNIA 03 Ciências da Natureza e Ciências Humana - Química - Química - Filosofia CHOCOLATE 04 Ciências da Natureza e Ciências Humanas - Farmácia e Bioquímica - Matemática - Sociologia/Ciências Sociais GERAÇÃO DE ENERGIA ALTERNATIVA 04 Ciências Humanas e Ciências da Natureza - Ciências Biológicas

- Química e Química Industrial - Educação Física

Fonte: SAP do IFFarroupilha – Câmpus Panambi.

Alguns títulos escolhidos pelos estudantes expressam a relação com a especificidade do curso (Química), como: Desastres Nucleares, Polímeros Biodegradáveis, Medicamentos, Indústria Petroquímica e Toxicologia. Outros tratam de temas mais abrangentes, mas, ao longo das transcrições foi possível perceber que eles, de alguma forma, contemplaram conhecimentos de química. Por exemplo, o título “Óptica” poderia ser interpretado de forma limitada à Física, no entanto os estudantes contemplaram aspectos químicos relacionados ao tema, envolvendo disciplinas do Núcleo Básico, como Biologia.

Temas como Música, Fotografia, História em Quadrinhos, Moda através dos Tempos e Década de 60, estudados por alunos do 1º ano do curso foram identificados com ênfase maior na área das Linguagens, apesar de trazer, na fala dos estudantes, aspectos das disciplinas técnicas. Considerando a formação para o Técnico em Química, que acontece de forma gradativa e com mais intensidade nos dois últimos anos do curso, ainda assim, é importante dizer que os temas poderiam ser direcionados à área técnica, não deixando de contemplar as demais áreas do conhecimento.

No capítulo 3, a seguir, são apresentados e analisados os dados de pesquisa que emergiram da análise do registro das falas expressas por um grupo de estudantes, durante a apresentação do trabalho de pesquisa que realizaram na PPI, com abordagens e discussões que contemplam diálogos referentes a práticas subjacentes a esse contexto.

3 POSSIBILIDADES E LIMITES DE INTERLOCUÇÃO DE SABERES NO ÂMBITO DE UM PROJETO INTEGRADOR

Este capítulo foi elaborado no intuito de analisar um dos trabalhos de pesquisa elaborados pelos estudantes no contexto da PPI, com vistas a explicitar e analisar limites e possibilidades da PPI para promover a interlocução de saberes disciplinares estudados ao longo do Curso, na interação com saberes cotidianos e com implicações tecnológicas e socais da atuação profissional em questão.

Um conjunto de 12 trabalhos de pesquisa, organizados por meio de Projetos Integradores, foram produzidos pela turma. O vídeo escolhido para análise neste capítulo foi um dos elaborados pela turma concluinte do curso, no ano 2013. Trata-se do trabalho Pirotecnia que foi construido e apresentado por três alunas do terceiro ano do Curso na Mostra Técnica do ano 2013, nominadas (na transcrição das falas registradas em áudio) como: Aluna 1, Aluna 2 e Aluna 3.

Um dos critérios para a escolha do trabalho analisado foi a preferência por uma das produções dos alunos do último ano do curso, pela maior representatividade quanto a possibilidades de compreensão de focos de articulação entre saberes do Núcleo Básico e do Núcleo Tecnológico por meio da PPI. O critério de escolha do tema Pirotecnia foi a consideração, inicialmente, de que esse seria um tema mais limitado relativamente aos demais, quanto às questões técnicas e sociais no campo da química.

O presente texto analisa dados de pesquisa produzidos, particularmente, a partir de um vídeo sistematizador, elaborado por três estudantes do terceiro ano do Curso, o qual trata do tema Pirotecnia.

A seguir, são apresentados e analisados os dados de pesquisa construídos a partir do registro das falas dos estudantes durante a apresentação do trabalho de pesquisa realizado no contexto da PPI.

O trabalho apresentado abrangeu um resgate histórico do tema Pirotecnia que contemplou conhecimentos associados à área de Ciências Humanas, conforme expressa o excerto que segue:

[...] a história da pirotecnia começa lá na China, quando os chineses, há mais de dois mil anos antes de Cristo, começam a usar bambu verde e jogam no fogo. Esse bambu, devido ao seu rápido crescimento na presença de calor, produz um ruído, e

eles diziam que esse ruído poderia espantar os maus espíritos que estavam ao redor daquele povo, daquela nação (Aluna 1).

A presença desses conhecimentos acontece de forma simultânea e interligada, no contexto, sugerindo uma integração de conhecimentos que podem ser reportados às áreas de Ciências Humanas e de Ciências da Natureza, com indícios de que elas podem se relacionar entre si. No entanto, a falta de explicações por meio do uso da linguagem científica é percebida, por exemplo, na fala em que a aluna expressa que o rápido crescimento do bambu, com o calor, produz ruído, sem explicar a relação entre eles.

A educação está refletida na sociedade e a sociedade refletida na educação, porém a educação tem responsabilidade de interagir por meio dos conhecimentos universalmente produzidos pela humanidade na perspectiva de contribuir para a transformação da sociedade. Os sujeitos da aprendizagem, os estudantes, provêm de ambientes imersos em uma infinidade de informações, que podem ser valorizados na construção dos conhecimentos escolares, o que só é possível por meio de processos dinâmicos de recontextualização de conhecimentos científicos e cotidianos. Para tanto, se entende que as teorias e as práticas andam juntas, sejam as das ciências ou do cotidiano, nos processos de ensino e de aprendizagem em que o estudante interage nos espaços onde se situa, transformando-se e transformando seu meio.

Isso remete para reflexões sobre a vigilância pedagógica, na relação com contribuições do filósofo Gastón Bachelard (1996), quando ele se refere à ‘experiência primeira’ como sendo o primeiro obstáculo à formação do espírito científico, pois, ela não constitui, de

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