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Partitura 10 Aquecimento vocal

4 EM BUSCA DA TERRA DE SÃO SARUÊ: FUNDANDO

4.1 PRÁTICA REFLEXIVA E EXPERIÊNCIA COMO BASES PARA A

O Projeto Pedagógico do Curso de Música da UFCA, Campus Cariri, coloca a necessidade de a universidade olhar para o que aponta o contexto local e para as bandas de música, sobretudo porque estas são muito presentes na região do Cariri. Por isso, há uma diversidade de ações sendo desenvolvidas nos Cursos de Música da UFC no interior (Cariri e Sobral) para a manutenção, desenvolvimento, pesquisa e formação na área de ensino voltado para as bandas.

O objetivo do Curso de Música da UFCA elencado no PPC assegura:

Formar o professor de música, em nível superior, com conhecimentos da pedagogia, linguagem musical e ensino de instrumentos musicais, capaz de atuar de maneira crítica e reflexiva, interagindo, enquanto artista educador musical, com o meio em que atua (EDUCAÇÃO..., 2009, p. 13 – grifo nosso).

O PPC do Curso em questão ressalta a importância de uma formação que possibilite uma atuação crítica e reflexiva por parte do músico-professor, com formação em Licenciatura em Música na UFCA; estes pilares devem estar imbricados com o processo pedagógico que ocorre no ensino de instrumentos de Sopros/Madeiras. Mas, em que consiste uma atuação crítica e reflexiva? Como promover esses aspectos no ensino de instrumentos musicais voltados para a docência em música?

Uma prática reflexiva pressupõe uma postura, uma forma de identidade, um habitus. Sua realidade não é medida por discursos ou por intenções, mas pelo lugar, pela natureza e pelas consequências da reflexão no exercício cotidiano da profissão, seja em situação de crise ou de fracasso, seja em velocidade de cruzeiro (PERRENOUD, 2002, p. 13 – grifo do autor).

O primeiro autor a contribuir para o desenvolvimento do conceito de prática docente reflexiva – ou em outra área profissional - foi o americano Donald Schön, em 1983, revitalizando o conceito em torno da figura do profissional reflexivo. Segundo este autor, o que gera o conhecimento da ação e a reflexão na ação é a valorização da experiência.

Consequentemente, ele propõe uma “epistemologia da prática” (SCHÖN, 1983), que se baseia

na ideia, de acordo com Di Giorgi et al, (2011, p. 27), de que o “professor reflexivo é o que não depende de teorias e/ou técnicas preestabelecidas, mas o que cria uma nova maneira de compreender o problema e que lhe permita dar conta de suas especificidades”. Desde então, o

conceito se desenvolveu ainda a partir da insuficiência de estudos relacionados à prática docente.

A profissionalização docente em música, baseada em uma prática reflexiva colocada pelo autor, só é possível na medida em que esta esteja permeada pela ação docente dos professores, que formam os futuros professores dentro de uma relação constante de vivência destes aspectos durante o decorrer da graduação, seja no ensino, na pesquisa ou na extensão.

No contexto em que se desenrola esta investigação, deve-se formar professores críticos e reflexivos, que promovam interação com o meio em que atuam e que possam utilizar o instrumento musical como suporte na atuação docente. Estes aspectos devem vir no trabalho docente que ocorre nas aulas de Prática Instrumental durante quatro semestres, entendendo que após este período o estudante deve seguir aprendendo, tocando e refletindo. Antes disto ou em paralelo, o trabalho técnico inerente ao instrumento também deve acompanhar o processo pedagógico.

Para chegarmos numa lógica de formação profissional, é preciso levar em conta a especificidade de cada profissão e perguntar-se como nela pode ser declinado o paradigma reflexivo. Descobrimos, então, que a referência ao profissional reflexivo pode parecer insólita quando se trata do ensino. Isso não acontece apenas porque sua relação com os saberes científicos como bases da ação profissional é muito daquilo que se observa na engenharia ou na medicina, por exemplo (PERRENOUD, 2002, p. 14-15 - grifo do autor).

O autor acrescenta ainda que: “O oficio de professor só pode ter acesso ao paradigma

reflexivo se seguir o mesmo itinerário crítico, já que nunca passou, em larga escala, pelo

fantasma de uma prática ‘científica’” (PERRENOUD, 2002, p. 15).

Para se promover uma formação de professores que permita uma atuação crítica e reflexivadofuturodocente em música, é necessário entender como as experiências pelas quais passamoslicenciandos durante sua trajetória acadêmica podem contribuir para tal, desvelando as decisões metodológicas educacionais que evidenciam a reflexão crítica contínua, tornando nossos estudantes professores que possam desenvolver uma constante prática reflexiva.

São várias as experiências que os discentes vivenciam na Prática Instrumental de Sopros/Madeiras, as quais se somam com as diversas experiências adquiridas anteriormente e trazidas para a sala de aula, que podem contribuir para o alargamento dos aspectos da atuação crítica e reflexiva. Assim, a postura crítica e reflexiva, da qual falo em coro junto com o objetivo do Curso, deve ser construída ao longo da trajetória acadêmica do estudante. “No Cursode EducaçãoMusical - Campus do Cariri, todas as atividades pedagógicas desenvolver-

se-ão a partir dos conhecimentos vivenciados na realidade do aluno e por eles trazidos aos espaços de encontros pedagógicos: salas de aula e laboratórios de prática sonora” (EDUCAÇÃO..., 2009, p. 14).

Um dos autores que desenvolveu o conceito de experiência na educação foi Dewey (2010), no qual busquei as bases para as ideias de reflexão na educação, a partir da noção de

reflective action. Para Dewey (2010, p. 26): “nem todas as experiências são educativas” ou seja, “a crença que toda educação verdadeira é fruto da experiência não significa que todas as experiências são verdadeiramente ou igualmente educativas” (DEWEY, 2010, p. 26-27). Ele acrescenta ainda que “tudo depende da qualidade da experiência que se tem” (DEWEY, 2010,

p. 28). Assim, para Dewey (2010), a questão central na educação, baseada na experiência, consiste na seleção dos tipos de experiências que podem permanecer na vida dos alunos positivamente, influenciando assim novas experiências positivas. Mas de fato o que é experiência? Como se relaciona com a aprendizagem de um instrumento musical?

Para Dewey (2010, p. 45):

Experiência é sempre o que é por causa de uma transação acontecendo entre um indivíduo e o que, no momento, constitui-se ambiente. [...] O ambiente é, em outras palavras, quaisquer condições em interação com necessidades pessoais, desejos, propósitos e capacidades de criar a experiência que se está passando. Mesmo quando uma pessoa constrói um castelo no ar, ela está interagindo com os objetos que constrói em sua fantasia.

Como o sujeito passa pela experiência, de acordo com Dewey, pressupõe para este sujeito uma passividade em relação à experiência vivenciada através do ambiente constituído no momento nas condições de interação. Sobre a experiência, Bondía (2001, p. 20) coloca que

“a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não

o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça.”

Neste contexto, o autor acrescenta ainda que o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Entretanto, ainda de acordo com Bondía (2001), a compreensão do sujeito acerca da experiência como passional não significa que este seja incapaz de conhecimento, de compromisso ou ação.

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que

correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-senosdetalhes,suspenderaopinião,suspender ojuízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço (BOMDÍA, 2001, p. 24). É com base neste autor que compreendo que as experiências passam em cada um de nós de forma ímpar e subjetiva, tendo em vista que a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece. Por conseguinte, cada aluno aprende por meio da experiência de maneiras diferentes e aprendizagens diferentes.

Bondía (2001, p. 27) sugere pensar a educação a partir do par “experiência/sentido”.

Ele coloca ainda que: “O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual sua,

singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna”. Nesta direção, Freire (1996) coloca:

Por isso, é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo, que supera o ingênuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador (FREIRE, 1996, p. 38-39).

Quais experiências decorrentes das decisões metodológicas podem ser significativas e educativas? Quais as experiências que, proporcionadas aos discentes, poderão contribuir no seu processo de formação musical?

Ao falar do ensino de música, Swanwick ressalta as decisões curriculares acerca da experiência:

A competência não é desenvolvida por meio de experiências confusas, mas pode ser melhorada por programas de estudos cuidadosamente sequenciados. Claro que técnicas e manuseio de materiais sonoros são importantes, mas sabemos que eles não são a soma total da compreensão musical (SWANWICK, 2003, p. 67 - grifo do autor).

A prática reflexiva deve também permear os formadores dos formadores, a fim de que esta seja uma constante na relação pedagógica que se desenvolve nas licenciaturas. Por conseguinte, a reflexão sobre a prática pode ressoar nos estudantes, que serão futuros professores, resultando em trajetórias formativas críticas e atuação profissional reflexiva, seja

o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É prensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 39).

Estou em consonância com Freire (1996) quando este diz que a reflexão crítica sobre a prática provoca uma aproximação do discurso teórico com a prática, devendo, a partir de sua análise como epistemologia, aproximá-los ao “máximo”. “Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha da prática em análise e maior comunicabilidade exerce em torno

da superação da ingenuidade pela rigorosidade” (FREIRE, 1996, p. 39).

Algumas das questões, entretanto, que sempre nortearam o meu trabalho como docente foram: O que os nossos alunos devem aprender na Prática Instrumental de Sopros/ Madeiras para que possam atuar como docentes na atual sociedade de maneira crítica e reflexiva? O que os alunos devem saber nesta disciplina para que o instrumento musical de sopro possa ser um suporte para o exercício da docência? Acerca dessa questão, Araújo (2009, p. 2) aponta que:

Colocar a aprendizagem na prática como objetivo central da formação dos alunos significa iniciar pela alteração da pergunta que fazemos regularmente quando vamos preparar nossas aulas – o que devo ensinar aos meus alunos? – por outra mais coerente – o que meus alunos precisam aprender para se tornarem cidadãos profissionais competentes numa sociedade contemporânea?

Ainda me alicerçando em Freire (1996, p. 22), considero que “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática, sem a qual a teoria pode ir virando

blábláblá e a prática, ativismo”. A partir de olhares críticos sobre a atuação docente é que se

percebe o quão esta prática pode ser relevante para a formação em questão. Os olhares devem vir imbuídos de um sentimento crítico-reflexivo, buscando entender o processo pedagógico relacionado ao objetivo da aprendizagem.

Como consequência do olhar focado na prática docente, penso que posso tentar perscrutar como, posteriormente, o perfil profissional dos professores que estão em formação inicial no momento desta pesquisa é afetada pelas vivências propostas no decorrer do Curso, mais especificamente desencadeando uma reflexão acerca de como a metodologia de ensino dos instrumentos de sopro/madeira pode influenciar na atuação dos futuros docentes, investigando se esta prática se configura como componente curricular significativo para a formação de professores de música.

4.2 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MÚSICA E A PRÁTICA COMO