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Práticas culturais dos alunos

No documento Formação em teatro e formação de públicos (páginas 109-112)

Apesar da origem das populações da ACE e da ESMAE ser muito semelhante, a verdade é que os alunos têm algumas práticas culturais muito distintas.

A mais importante e mais significativa diferença observada no primeiro conjunto de práticas culturais analisadas está relacionada com os hábitos de leitura. Os resultados não deixam margem para dúvidas e mostram que os alunos da ACE lêem, em média, mais cinco livros por ano que os alunos da ESMAE.

No primeiro conjunto de práticas verificou-se que no consumo de televisão os alunos têm hábitos semelhantes com uma média de menos de uma hora por dia. No acesso à Internet a média de consumo oscila entre uma e três horas por dia, sendo que os alunos da ACE têm um consumo ligeiramente superior aos da ESMAE. Refira-se no entanto que a diferença não é significativa apesar de haver mais 10% de alunos da ACE que alunos da ESMAE nas duas categorias referentes aos consumos mais elevados de Internet.

Saliente-se ainda que, normalmente, os rapazes consomem mais televisão, as raparigas lêem mais e que os maiores consumidores de Internet são as raparigas da ACE e os rapazes da ESMAE. Não deixa de ser interessante constatar que as alunas da ACE são um exemplo claro das relações de “cumulatividade (more-more) entre a prática da leitura e o uso da Internet” (Neves, 2010: 190).

Ao longo da formação, o comportamento dos alunos das duas escolas também tem evoluções diferentes.

Na ACE os alunos têm, no ano em que terminam o curso, consumos inferiores destas 3 práticas culturais e na ESMAE a frequência do curso provoca o aumento dos consumos de Internet e de televisão e uma redução nos hábitos de leitura.

No que se refere às práticas culturais de saída, as diferenças continuam e não é possível afirmar que alguma das populações estudadas tenha práticas equilibradas e diversificadas.

Constatou-se que, em função das respostas mais frequentes dadas pelos alunos, os estudantes das duas escolas só têm consumos idênticos de exposições de arte contemporânea e visita a museus a que normalmente vão, em média, 3 a 5 vezes por ano. As conferências/palestras e os espectáculos de dança são os dois tipos de eventos menos vezes integrados nas saídas culturais dos alunos, sendo que, apesar de tudo, os alunos da ACE ainda conseguem ter um consumo pior que os da ESMAE, cuja frequência não

ultrapassa a 1 a 2 vezes por ano. Os espectáculos de teatro e as sessões de cinema são claramente os eventos culturais que os alunos privilegiam. A frequência dos alunos da ESMAE é tal que, apesar dos alunos da ACE terem um consumo muito aceitável de 1 a 2 vezes por mês, não é suficiente para chegar ao patamar dos alunos do curso superior que afirmam que assistem 3 a 5 vezes por mês a eventos destas duas tipologias.

Os concertos de música acabam por ser um tipo de evento atípico neste panorama pois, apesar das diferenças de consumo, verificou-se que nos outros tipos de evento a relação entre a resposta mais frequente dos alunos e a tipologia do evento era mantida nas duas escolas. No entanto, nesta última categoria tal não acontece. No caso da ACE os concertos de música são o 3º evento menos visto pelos alunos, enquanto que para os alunos da ESMAE é o 3º evento mais frequentado.

Esta pequena alteração faz com que seja necessário convocar as conclusões dos resultados referentes à frequência média dos alunos para cada prática cultural para ver se a diferença é realmente significativa.

Em função do número médio de eventos em que cada aluno participa ao longo de um ano, os resultados mostram que as práticas culturais de saída dos alunos da ESMAE são mais frequentes que as dos alunos da ACE, com os alunos da ESMAE a assistirem a, em média, mais dezoito eventos por ano. Os espectáculos de teatro e as sessões de cinema são os que mais contribuem para esta diferença, os espectáculos de dança são os únicos com igual frequência média nas duas escolas e os concertos de música são o único tipo de evento que os alunos da ACE assistem com mais frequência que os alunos da ESMAE.

Os dados apresentados revelam que a alteração registada é muito significativa, pois os alunos da ESMAE assistem a menos concertos de música que os alunos da ACE, apesar de na sua escola estar a funcionar o curso superior de música. Este aspecto pode permitir concluir que o facto de os alunos puderem ter um contacto privilegiado com alunos de música pode não lhes dar uma particular sensibilidade para frequentar eventos dessa área.

No entanto e apesar de tudo, salienta-se que em termos gerais as práticas culturais de saída dos alunos das duas escolas são muito semelhantes. Pode afirmar-se que os alunos que participaram no estudo são espectadores Lento de conferências/palestras, Andante de espectáculos de dança, exposições de arte contemporânea e visita a museus, Andantino de concertos de música, Allegretto de sessões de cinema e Allegro de espectáculos de teatro.

As conclusões que a análise dos resultados das 3 práticas culturais de saída estudadas em detalhe permite tirar são também particularmente interessantes.

Como já foi referido, a passagem pelas escolas provoca alterações nas práticas culturais dos alunos ao longo da formação.

No que se refere às práticas culturais de saída, verificou-se que no último ano os alunos das duas escolas têm consumos mais elevados de espectáculos de teatro e mais moderados de sessões de cinema. No caso dos espectáculos de dança, a ACE consegue, apesar de tudo, ter uma influência positiva nos seus alunos e aumentar ligeiramente o seu consumo deste tipo de eventos, mas na ESMAE o panorama é diferente e os finalistas têm consumos ainda mais reduzidos que os alunos do 1º ano. As raparigas são, nas duas escolas, as consumidoras mais frequentes de espectáculos de teatro, sessões de cinema e espectáculos de dança.

Sublinhe-se que, apesar da amostra da presente investigação ser composta por futuros artistas, a realidade é que os resultados obtidos em ternos de género são em tudo idênticos aos de outros estudos sobre as práticas culturais de saída (e.g., Neves, 2001), em que se chega à conclusão que o público deste tipo de manifestações é maioritariamente feminizado.

Educação Artística e Práticas Artísticas Amadoras dos alunos

Tendo em consideração que as práticas culturais podem ser favorecidas pela educação

artística e pelas práticas artísticas amadoras, e que segundo Ribeiro “a aprendizagem

artística e estética mais adequada é a que decorre da experiência vivencial e experimental do cidadão que, antes ou depois de ser espectador, é um experimentador de arte” (1998: 3), as ilações que se seguem são importantes para tentar perceber algumas das diferenças diagnosticadas nas práticas dos alunos das duas escolas.

Tal como era previsível, as experiências de educação artística no passado e de práticas artísticas amadoras no presente, são diferentes nos alunos da ACE e da ESMAE.

A maioria da população das duas escolas frequentou, ao longo do seu percurso escolar, por sua iniciativa ou dos seus encarregados de educação, acções extracurriculares no âmbito da Educação Artística. No entanto, saliente-se que o número de alunos que não teve este tipo de experiência é significativamente superior na ACE.

Em função do género, tudo indica que a formação artística ao longo da vida é uma actividade mais frequente nas raparigas. Contudo, sublinha-se que o facto de haver um número muito significativo de rapazes da ESMAE que não respondeu a esta pergunta pode, de alguma forma, alterar a avaliação final. Relembra-se ainda que apesar de haver mais 4% de raparigas do que rapazes da ESMAE que respondeu não, há mais 16% de rapazes do que raparigas que optou por não responder.

As actividades no âmbito das artes performativas foram as mais frequentes. Na ACE não é possível afirmar que haja uma área de formação específica de rapazes ou de raparigas, mas na ESMAE os resultados revelam que as artes performativas podem estar mais associadas ao género feminino e as artes plásticas/visuais ao género masculino.

A possível relação entre a formação artística extracurricular ao longo da vida e as práticas artísticas amadoras não é idêntica nem imediata nas duas escolas.

Enquanto que na ACE só 2% dos alunos que afirmam ter frequentado algum tipo de actividades extracurriculares de formação artística é que não tem actualmente práticas artísticas amadoras, na ESMAE esse valor sobe para os 29%. Este dado faz com que a ACE, quando comparada com a ESMAE, apesar de ter menos 18% de alunos que tiveram formação artística, consiga ter mais 9% de alunos que actualmente tem práticas artísticas amadoras.

A área das artes performativas foi a indicada como a mais praticada de forma amadora pela maioria dos alunos, representando, no mínimo, 70% das respostas.

Refira-se ainda que, em função do género, é possível afirmar que a prática artística amadora é uma actividade maioritariamente masculina.

O estabelecimento de uma relação de causa e efeito entre a educação artística e as práticas artísticas amadoras, com a formação de públicos e as práticas culturais não permite revelar dados particularmente positivos nos alunos da ACE e da ESMAE que tinham, pelo menos teoricamente, condições para ter consumos culturais diversificados, equilibrados e acima da média, mas que na realidade, como já foi referido, regra geral, os alunos estão longe de ser um público cultivado (Gomes, 2004; Santos, 2007) ou um público habitual (Lopes, 2004).

Saliente-se no entanto que, com base nos resultados obtidos, é possível afirmar que a formação artística ao longo da vida pode ter tido influência na decisão dos jovens de frequentar um curso superior na área artística e no facto das raparigas terem práticas culturais de saída mais frequentes que os rapazes.

Depois de apresentadas algumas das conclusões que o confronto dos resultados obtidos nas duas escolas permite tirar, segue-se a procura de respostas às perguntas que foram colocadas no início da presente investigação.

No documento Formação em teatro e formação de públicos (páginas 109-112)