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Práticas de ensino que escapam às convencionais

2 A PRODUÇÃO SOBRE ENSINO E CRIAÇÃO EM DESIGN NO BRASIL A

2.1 ENSINO DE DESIGN NO BRASIL

2.1.5 Práticas de ensino que escapam às convencionais

Os relatos oferecidos até o momento não apresentam variações para o ensino de Design. Contudo, três textos (SEGALIN, 2012; RAMOS; BOCCARA, 2014; MARGARITES, 2014) oferecem o incomum ao romper com aspectos tradicionais do Design, em uma espécie de prática escapatória. Tais práticas revelam uma variação nos modos de ensinar Design.

No primeiro texto, Segalin (2012) apresenta um sentido produzido pela mão na massa – da modelagem. Para a autora, existe um aprender fazendo no qual os modelos físicos são os protagonistas. Enquanto o estudante materializa um objeto, seu entendimento é favorecido e beneficiado durante a composição do modelo físico. A modelagem se torna significativa na elaboração do problema – feita para pensar, resguardando, na materialidade atingida, toda informação oriunda e possível daquele corpo. Ela admite a investigação da plasticidade e do comportamento dos materiais durante a execução do protótipo. Desta forma, “o pensar com as mãos permite aos estudantes experimentarem novos materiais, formas, limitações, aprimorar o repertório pessoal e adquirir uma nova percepção do projetar” (SEGALIN, 2012, p.804). Segalin também adverte que, apesar de a modelagem ser facilitadora para aperfeiçoar a relação homem/produto, ela é desvalorizada no ensino pelos fatores tempo e custo.

O motivo pelo qual considero que essa prática escapa aos aspectos tradicionais do ensino de Design é a afirmação de uma produção incomum. A autora afirma que a modelagem serve para pensar, enquanto as formas de expressão do objeto são testadas até serem definidas. Para Zordan (2010, p.9), “criar na matéria é sempre um trabalho, exercício de uma vontade obstinada sobre a força do material [...] A matéria fala, ensina, intercepta”. Um passo adiante seria ver a modelagem não só como

testagem da materialidade da forma de expressão do objeto, mas, também, como potência para a elaboração de novos problemas na forma em si, extraindo diferença nesse processo. “Não é somente expressar-se, é possibilitar que esse material também se expresse” (MEIRA, 2003, p.22).

No segundo texto, um experimento associa pesquisa e ensino na reconstituição dos figurinos do Ballet Triádico da Bauhaus, (ver Figura 5). O experimento interroga, de início, se valeria a pena investir tempo e energia no aprendizado de uma técnica tão específica, a reconstituição dos figurinos, não somente pelo aspecto formal bem como em função do emprego dos materiais (RAMOS; BOCCARA, 2014).

Figura 5 – Doze Figurinos do Balé Triádico de Oskar Schlemmer – Apresentação parcial no Teatro Metropol de Berlim, 1926.

Fonte: RAMOS; BOCCARA (2014, p.1296).

O método de reconstituição dos figurinos do Ballet Bauhaus deveria ser descrito e replicado (ver Figura 6) porque contem todos os passos da investigação sobre a plasticidade e o comportamento dos materiais usados na execução de protótipos industriais em múltiplos materiais (gesso, arame, estopa, madeira, resinas, fibra de vidro, borracha de silicone, espuma de poliuretano, papelão, colas e pigmentos). Os figurinos da Fundação Bauhaus Dessau, reconstituídos no Centro Universitário Senac

Santo Amaro, e são doados para o acervo da Fundação Bauhaus Dessau, da Alemanha (ver Figura 7). O caminho investido preocupou-se em não repetir os procedimentos, ao adotar o improviso e adaptabilidade das condições (RAMOS; BOCCARA, 2014).

Figura 6 – Desenhos originais de Oskar Schlemmer para o figurino do Ballet Triadico.

Figura 7 – Conclusão da Pesquisa: em cena os dezoito figurinos, em 30/abr. 2010. Palco do Centro de Convenções do C. U. SENAC.

Fonte: RAMOS; BOCCARA (2014, p.1302).

O intento de reconstruir os figurinos mobilizou conhecimentos e a busca por outros materiais que igualmente permitiriam chegar à forma do passado. A proposta de chegar a um produto predeterminado pode, a princípio, não parecer muito criativa, mas os desafios da recriação dizem de um ponto de chegada, mas nada sobre as linhas a serem percorridas. Dessa forma, considero essa prática de ensino escapatória das convencionais, incomum.

O terceiro e último texto mostrou peças que têm inspiração na Literatura para a elaboração de briefings com licenças poéticas9. O exercício tratou de criar marcas e peças gráficas a partir dos sentidos produzidos pela leitura do livro Cidades Invisíveis, do escritor Ítalo Calvino (MARGARITES, 2014). Embora a professora tenha direcionado a uma única obra literária específica, a qual produziu sentidos pela leitura que ela fez, o exercício de toda forma, parece resistir à lógica do mercado, oferecendo uma espécie de desvio da norma, deslocando figuras tradicionais do Design, como o cliente, o negócio e o público-alvo. A proposta tenciona e desmonta a finalidade produtiva das peças gráficas – abastecendo-se da Literatura no desenvolvimento de

9 É uma espécie de erro proposital de que o poeta/autor lança mão para fazer com que uma determinada linha seja reforçada e ganhe luz. Este recurso não mostra o desconhecimento do autor para com determinado tema, mas sim, demonstra, em muitos casos, que ele domina o tema em questão, ao ponto de ser capaz de usá-lo de modo aparentemente indevido apenas para reforçar um ponto de vista. Disponível em: http://www.colegioweb.com.br/portugues/como-funciona-a- licenca-poetica.html#ixzz3sYFK4L00. Acesso em: nov., 2015.

peças que dão visibilidade aos nomes das cidades inventadas por Marco Polo ao imperador Kublai Khan.

As peças gráficas oriundas dos sentidos produzidos pela Literatura provocou uma variação nos atores tradicionais do Design. O intento de construir peças gráficas para cidades invisíveis cria espaço para algo diferente, tornando as peças respostas visuais aos afetos literários apresentados pela professora. Isso acaba por deslocar em parte o cliente, o negócio e o público-alvo tradicionais. O exercício de construir formas de expressão gráfica para a Literatura de Calvino resguarda uma fissura, um afastamento das figuras tradicionais e da complexidade dos sistemas produtivos do Design, assim, considero que essa prática de ensino tem algo que escapa das convencionais.

Os três textos citados (SEGALIN, 2012; RAMOS; BOCCARA, 2014; MARGARITES, 2014) parecem operar um desvio da norma e resistir às lógicas pré- estabelecidas das práticas tradicionais do ensino de Design. Eles esqueceram a finalidade da produção, abriram espaço para uma outra forma de acontecer, permitindo escapar e variar. Na modelagem, na recriação e na Literatura, a direção do ensino feriu as formas tradicionais de produzir Design, escaparam de sua orientação. Ambas as propostas tensionaram os modos tradicionais de produzir Design, por meio de práticas experimentais oriundas de seus interstícios, possíveis de serem produzidas em espaços menos reguladores.

Encerrando a temática relativa ao ensino de design no Brasil, organizada nos cinco movimentos, é possível dizer da utilidade positiva da revisão de literatura realizada. O que não se cumpre é o esgotamento pleno do conteúdo, algo sempre ilusório, em qualquer revisão desse tipo. Contudo, sobre a constituição do objeto bruto

ensino de Design foi possível chegar, em parte, à sua conjuntura atual, à sua forma

de operar com necessidades projetivas e interdisciplinares, às suas críticas de inoperância com o diálogo social e às suas dificuldades com cenários variáveis, bem como às aderências atuais com as práticas das escolas pioneiras. Por último, foram destaques as práticas de ensino incomuns, aquelas que escapam das convencionais através de suas experiências com modelagem, reconstituição de figurinos e Literatura.

De tal modo, essa breve revisão sobre o ensino de Design orienta um espaço de instalação da pesquisa na observação do que constitui sua estrutura. Levantar esses cinco movimentos torna possível dizer de alguns dos modos de seu funcionamento.