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1 ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E LITERATURA INFANTIL: TECENDO

4.5 Práticas de produção de texto na turma de alfabetização

Registramos no diário de campo, no dia 24 de setembro, uma prática de produção de texto que se deu em decorrência do uso do livro literário explorado no projeto literário institucional. Nessa aula, o objetivo da professora foi a realização da produção textual espontânea pelos alunos para compor um caderno destinado a esse fim. Esse é um trabalho que se fundamentou na proposta da Rede Municipal de Educação de Itabirito, na qual os alunos dos anos iniciais possuem um caderno de produção textual para registro escrito de diversos gêneros textuais. A produção escrita se baseou nos personagens do exemplar literário, os quais os alunos representaram durante a culminância do projeto. Inspirados nos personagens e na narrativa lida e explorada pela docente nas semanas anteriores, cada criança deveria criar a sua própria história.

Durante os vinte e oito dias de imersão na classe, essa foi a primeira proposta de escrita espontânea de uma narrativa. A aula de produção textual era ministrada às sextas-

131 feiras e a docente utilizava-se dessa ocasião para desenvolver a escrita de gêneros textuais diversos de forma coletiva com os educandos. Ao longo da observação, participamos de uma aula para a produção de texto a qual privilegiou-se a construção coletiva de uma ficha informativa sobre personagens folclóricos e os discentes escreveram em forma de frases alguns dados. Devido à baixa frequência de propostas que demandavam produção de textos escritos como narrativas no decorrer do período de pesquisa, buscamos verificar nos cadernos dos alunos indícios de produções textuais que representassem a escrita de forma coletiva ou individual. Encontramos nesse material o registro de alguns gêneros textuais que circulam na sociedade como avisos, convites, parlendas e cantigas. Entretanto, em sua maioria, contemplava o trabalho com a escrita de frases ou pequenos versos. Contudo, verificamos o registro de uma produção coletiva referente ao gênero poema intitulado como “Nosso poema”, de autoria dos alunos. Como não acompanhamos o contexto de produção, questionamos a docente sobre as ações realizadas em sua elaboração que, segundo ela, se deu de forma coletiva, sendo proposto à classe criar uma releitura de um poema.

Com a análise dos cadernos e das observações identificamos que a produção de textos narrativos de forma espontânea pelos alfabetizandos não era, até então, o foco da prática educativa da professora, provavelmente pelo fato de considerar que esse tipo de atividade deveria ser concebido quando os estudantes dominassem a escrita alfabética. Nessa aula, no entanto, ela propicia aos discentes, por meio da proposta da produção textual espontânea, refletir e explicitar suas hipóteses sobre a escrita para a elaboração da narrativa. Destacamos que “não é preciso esperar que as crianças escrevam convencionalmente para realizar atividades que visem desenvolver habilidades, estratégias e comportamentos de leitura e de escrita de textos” (MOURÃO; BAPTISTA, 2009, p. 44).

Salientamos que, ao propor uma produção textual, se faz necessário dotar os alunos de informações que os auxiliem a redigir sobre a temática abordada. “Construir a ideia de textos com as crianças significa articular uma gama variada de conhecimentos linguísticos, o que necessita de muito investimento pedagógico desde o início da escolarização.” (PICCOLI; CAMINI; 2012, p. 70). Para a produção textual é importante que os alunos tenham familiaridade, contato efetivo com o gênero, que entendam do conteúdo, da estrutura, para que possam escrever seus próprios textos. Como a turma participava de momentos recorrentes de leitura de narrativas oportunizados pela docente, já concebiam alguns saberes referentes ao gênero. Enfatizamos, porém, que durante os momentos de leitura com a turma ela não aprofundava na reflexão sobre as características das narrativas. A seguir, apresento o

132 fragmento da aula com as orientações transmitidas pela professora para orientar as crianças na escrita espontânea da história a ser produzida:

No início da aula, os alunos estavam sentados individualmente nas carteiras, a professora está à frente da classe e propõe a seguinte atividade: Hoje, vocês vão criar sua própria história, quero que os personagens sejam vocês! Os alunos demonstram grande interesse pela atividade. A professora seleciona algumas imagens recortadas e solicita: Vai pensando na sua história. Um aluno questiona se é a história da Filomena, posto que, as imagens fizeram parte do projeto literário e retratavam os personagens da história. A docente sinaliza que não, que no momento quem iria criar a história era o próprio aluno. Ela questiona: Antes de começar precisamos? Uma criança responde: Pensar. A professora pergunta: E uma história tem que ter o que? Aluna responde: O título. A professora confirma: Isso mesmo! Alguns alfabetizandos já pronunciavam como seria o título: O meu título será florzinha e amigas. Outro aluno manifestou suas ideias valendo-se de marcas de abertura: O meu será assim, era uma vez uma minhoca que sonhou em conhecer a Disney. Complementando a resposta a professora coloca que tem que ter também o começo, o meio, e as crianças em coro respondem: o final. Posteriormente, ela entregou as imagens dos personagens como: flores, minhocas e outros em que a face era a foto das crianças coladas. Em seguida, deixou com os discentes uma folha em branco para a produção da escrita. (Fragmento da aula registrada no diário decampo no dia 23/09/2018).

No trecho, as estratégias utilizadas pela professora situam os aprendizes a partir da proposta de produção e explica alguns detalhes necessários ao registro do texto. A docente valorizou e instigou o levantamento de hipóteses dos discentes sobre as características do gênero e a partir de tais conhecimentos apresentados foi complementando com suas informações. Não está explícito na fala da docente para a classe a finalidade da produção textual, porém anuncia o tipo de texto que registrariam e que os personagens seriam as próprias crianças. Ao realizar a leitura ou escrita de um texto em sala de aula, faz-se necessário planejar uma finalidade clara e explicitar as condições de produção para os envolvidos contemplando o que escrever, para quem, para que e onde o texto irá circular. Quando escrevemos temos a intenção de alcançar determinados fins, e isso é o que torna as situações de leitura e produção escrita reais e significativas (SANTOS; ALBUQUERQUE; 2007, p. 97). No fragmento da aula acima, as crianças apresentaram seus pontos de vistas e demostraram oralmente alguns saberes referentes à estrutura da narrativa, apresentando expressões que possivelmente vieram da participação em eventos de leitura em ambientes como o escolar ou familiar. Dessa forma, os alunos incorporaram em seus discursos orais determinado vocabulário ou termos presentes em textos que vivenciaram em práticas letradas. Como destaca Tfouni (2006, p. 42) “tanto pode haver características orais no discurso escrito, quanto traços da escrita no discurso oral, há uma interpenetração das duas modalidades”.

Percebe-se que na orientação da docente para a produção escrita não foi explorado com clareza o que deveriam escrever em cada parte da estrutura textual mencionada.

133 Observamos, durante a elaboração textual, que as crianças demonstravam desconhecimento da composição das informações definidas por eles como início, meio e fim. É importante privilegiar nas primeiras produções de um gênero escrito, como este em questão, que o registro se inicie de produções coletivas. Os alunos são crianças de seis anos, escritores iniciantes, e é importante que tenham vivenciado variados momentos significativos de escrita em que observam ações de um escritor competente, como também, a exploração de gêneros de forma sistemática pela professora. É relevante que se forneça objetivos para a produção, explicite a finalidade, que se justifiquem as escolhas por determinado gênero e apresente suas características especificas. Os alunos vão aos poucos se apropriando da estrutura, das especificidades do gênero e das capacidades necessárias para se comunicar por meio de registros escritos. Quanto maior o contato e a discussão sobre os diversos tipos de gêneros em sala de aula, mais facilidade de apropriação as crianças terão, posto que é de fundamental:

(...) importância de termos modelos para a escrita dos textos, ou seja, para aprendermos a escrever, precisamos ler textos variados, para construirmos uma bagagem de conhecimentos temáticos e de conhecimentos relativos às características dos vários gêneros textuais. Em suma, queríamos deixar claro que consideramos que a leitura é essencial para a aprendizagem da escrita (LEAL; MELO, 2007, p. 87)

Com a atividade foi possível observar que muito dos alunos, de acordo com a sua hipótese de escrita, estavam construindo, formulando e reformulando seus conhecimentos sobre a língua escrita para produzir o texto, porém, percebemos que a intervenção da professora para mediar o processo é que possibilitou atingir os objetivos. Para Mourão e Batista (2009, p. 45), a mediação da professora é necessária para as crianças de seis anos, não somente pelo fato de ainda não dominarem com autonomia a escrita e leitura de textos, mas também porque a interação por meio da escrita demanda situações de produção ainda desconhecidas. No decorrer da realização da produção textual foram necessárias várias intervenções. A professora ficou com um grupo a sua volta, o qual ajudava com os sons das sílabas para a construção das palavras. A interação voltava-se para análise das palavras, para formar as frases que aos poucos foram compondo a história. Dessa forma, dialogavam sobre o sistema de escrita e, ao registrar, apresentavam suas hipóteses. Cabe salientar que o texto produzido pode servir para o professor como um indicador do que o aluno já sabe em termos da escrita. A estratégia utilizada pela docente foi de ser a escriba de alguns alunos, anotando em um rascunho as ideias expressas por eles para que pudessem transcrever.

Uma média de três alunos que estavam no nível alfabético de escrita conseguiram encerrar o registro escrito que ainda requeria uma revisão em relação à coerência dos fatos

134 narrados e puderam ler para a professora. Ela sinalizou sobre um dos textos produzidos: Olha, a história da nossa coleguinha aqui ficou muito boa. Vou ler para vocês. Alguns educandos foram até a mesa da criança parabenizá-la pela história, demonstrando que gostaram. Quando a professora possibilitou espaço para ler o texto escrito pelo educando, mostrou um objetivo real para a escrita do gênero que se aproxima de práticas realizadas socialmente, uma vez que as histórias produzidas nos livros têm uma finalidade que é a apreciação do leitor. Portanto, mesmo que a docente não tenha esclarecido os objetivos da produção para os alunos, o texto elaborado pelas crianças destinou- se a leitura da professora e não tão somente para compor um registro no caderno de produção de texto sem circular na esfera escolar.

Essa atividade de escrita individual da história demandou muito tempo e não chegou a ser concluída por todos os alunos da classe. Há de se destacar que nessa aula a docente articulou o desenvolvimento de algumas capacidades que envolvem o processo de letramento, já que envolveu a produção de um gênero textual, e o processo de alfabetização nos aspectos de discussão sobre a língua escrita. As crianças tiveram a oportunidade de desempenhar o papel de escritoras antes mesmo de estarem, convencionalmente, alfabetizadas.