• Nenhum resultado encontrado

PRÁTICAS DE PLANEJAMENTO

No documento Caderno Escola Itinerante n.2 (páginas 79-83)

ESCOLA ITINERANTE CARLOS MARIGHELLA: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA

4. PRÁTICAS DE PLANEJAMENTO

A partir do segundo ano de inserção da Escola Itinerante no acampamento, um dos grandes desafios era qualificar a prática educativa dessa escola, pois sabí- amos pela experiência que havia a necessidade de avanços organizativos. Numa das reuniões com o coletivo de educadores, identificamos os principais avanços e limites vivenciados durante essa experiência e, em um segundo momento, definiu- se algumas estratégias buscando garantir essa escola como motivadora da luta pela terra.

Uma delas era a necessidade de elaborar um planejamento anual onde es- tivessem registrados os objetivos, metas e possíveis temas a serem trabalhados no período, tais como: a participação da mulher na luta; o homem e o meio ambiente; o que plantar; o que colher; a luta contra a violência no campo, entre outros. Embo- ra soubéssemos da necessidade de uma orientação comum e sistemática dessa prá- tica pedagógica, também compreendemos que esta não deve impedir o dinamismo da escola em movimento de luta e resistência do Sem Terra. Fruto dessas reflexões, organiza-se dois dias de reunião entre o coletivo de educadores da Escola Itinerante Anton Makarenko e Carlos Marighella e, a partir do ano de 2008, também com o

coletivo da escola Ernesto Che Guevara. São momentos de estudos sobre a concep- ção de educação e de escola forjadas durante essa prática, bem como, dar destaque às primeiras idéias do planejamento anual.

Posteriormente, reunimos as instâncias organizativas do acampamento (brigadas de 50 famílias) e iniciamos todo um processo de avaliação, socializando os aspectos apontados na avaliação do coletivo de educadores, que foi socializado, discutido e complementado no planejamento anual. Neste momento era oportuno especificar e firmar as formas de participação da comunidade junto à escola, bem como do fluxo de informações a ser garantido pelo setor de educação.

A coordenação pedagógica e o coletivo de educadores das três Escolas Itinerantes da região, por serem na mesma brigada, embora em acampamentos di- ferentes, são vistas como de responsabilidade do mesmo coletivo de direção. Dessa forma, juntam-se para fazer reflexões sobre a escola e seu vínculo com as demais instâncias, analisando também o resultado da aprendizagem das crianças. Assim, iniciam o planejamento anual do período seguinte, não excluindo o que já haviam planejado no ano anterior, mas sim tendo a iniciativa de refletir e aprimorar para garantir o cumprimento do mesmo.

Baseando-se nas linhas gerais, tiradas no planejamento anual para serem trabalhadas no decorrer ano, cada coletivo se organiza para fazer o planejamen- to mensal, auxiliando na escolha do “Tema Gerador”. Muitos temas referenciam às datas do calendário, consideradas importantes por este coletivo, tais como: dia Internacional da Mulher, Massacre de Eldorados dos Carajás, dia do Trabalhador, entre outros mais difundidos como a Páscoa, Natal, etc. Como os temas precisam ter ligação com a realidade vivenciada na escola, com a comunidade e os conteú- dos específicos de cada turma, ressaltamos que, desenvolver o tema associado aos conteúdos, tem sido um de nossos limites, pois algumas vezes os conteúdos que precisam ser estudados são trabalhados separadamente do tema gerador.

O coletivo de educadores reúne-se duas vezes por semana para planejar as aulas semanais. Na segunda-feira pela manhã este planejamento é realizado pelos educadores que compõem cada ciclo. Já na sexta-feira, este é feito com todo o cole- tivo da escola, com o objetivo de manter uma “sintonia” entre o planejamento dos ciclos e pensar atividades (práticas) conjuntas com os educandos da escola. Ocorre também a avaliação das atividades desenvolvidas na semana em cada turma, para que assim, criem-se condições de observar a metodologia usada e possibilitar me- lhoras no próximo plano.

No planejamento coletivo, por ser o principal momento de tomar decisões para a escolha do tema gerador, os representantes do setor de educação ajudam

a defini-lo. Esse papel é proposto porque o setor de educação tem seus membros distribuídos por todo o acampamento e assim podem identificar situações que cau- sam discussões e anseios nas famílias e provocam interesse nas crianças. O Tema Gerador trabalha para a superação destas situações limites. Assim, a escola passa a articular o trabalho pedagógico, de forma dialógica em torno da referida temática. Como os temas trabalhados partem do contexto atual do movimento e da sociedade como um todo, percebe-se que há uma necessidade muito grande de aprimorar os tempos educativos na escola, para incentivar também a participação da comunida- de na mesma. As situações dadas no cotidiano da escola têm oferecido momentos de aprendizagem aos educandos, educadores e comunidade, fazendo apresentações de textos, cartazes, desenhos, gincanas, homenagens (mães, pais, crianças...) até mesmo místicas e teatros, relacionados aos temas trabalhados desde a educação infantil até 2° ano do 2° ciclo.

Vida e escola se entrecruzam

Desde o início a comunidade, as crianças e os educadores têm clareza de que a escola deve ajudar no avanço da luta, por isso entendemos que não é possí- vel deixar de se estabelecer relação entre os acontecimentos do acampamento ou assentamento e o trabalho desenvolvido na escola. Trazemos algumas situações significativas para o trabalho dos educadores, que também refletiu nas ações das equipes organizativas da comunidade. A brincadeira PIPA, por exemplo, que era destaque no acampamento, por ser uma brincadeira popular e de baixo custo, tor- nou-se então o brinquedo preferido pelas crianças e adolescentes. Porém, talvez por falta de instruções ou capricho, a brincadeira tornou-se polêmica pois ocasio- nou alguns problemas com os fios de energia. “O assunto passou pelos ouvidos

e bocas de todos daqui, acho que isso tinha que ser proibido.” (coordenador da disciplina). Outras opiniões foram sendo formadas, fornecendo elementos e até conteúdos para os educadores trabalharem. “Essa tal de pipa me irrita muito,

não sei onde o Tiago arruma tanto lixo pra dentro do barraco.” (acampada –

Elizarde Martins).

Por estas e outras opiniões firmamos que todos nós trabalharíamos com o tema “pipa”. Este tema condicionou na dinâmica das aulas, o trabalho coletivo, pois nem todos conseguiam confeccionar o brinquedo. Pesquisou-se sobre a histó- ria desse brinquedo, buscando no conhecimento científico conhecer sobre a origem do plástico, linha, papel, varetas, influência do vento, e ainda alguns conceitos, através de informativos, pesquisas e encaminhamentos práticos com as crianças e as famílias do acampamento.

O resultado do aprendizado pode ser percebido, como afirma a educadora durante a avaliação do tema escolhido; “Percebi que o tema quando vem mesmo

da realidade da criança é muito produtivo, eles conseguem participar e aprender mais.” (Vânia Cristina – educadora do 2º ano do 1º ciclo).

Em 2005, aconteceu a Marcha Nacional do MST, esse fato também teve uma repercussão muito interessante com o coletivo da escola. As pessoas es- tavam se organizando para participar da marcha, então o assunto era auge no acampamento. O tema veio para a discussão do coletivo de educadores, com os seguintes objetivos: despertar nos educandos o interesse em conhecer a trajetória, conquista e dificuldade dos integrantes do MST, podendo assim fazer um resgate de momentos históricos de luta do Movimento dos Sem Terra. Debatermos sobre os tipos de manifestações feitas pelo o MST, localização em mapas, pesquisa dos objetivos da marcha, entre outros. Podemos destacar uma das aulas que aconte- ceu no 2º ano do 2º ciclo, quando foram levantadas algumas curiosidades sobre a Marcha Nacional de 1997, e ficamos sabendo que, no acampamento, havia pessoas que participaram da mesma. Foi sugerido às crianças, que fizessem uma entrevista com os marchantes.

Discutimos o conceito da palavra entrevista. Com auxílio das educa- doras, as crianças produziram um questionário, que serviria de apoio para o trabalho. Foram distribuídas quatro questões para cada grupo de atividades. O educando coordenador do dia, convidou o participante para dar as informações necessárias.

Após a entrevista sistematizaram as respostas obtidas no quadro e, em se- guida, a produção de um texto coletivo e a transcrição do mesmo, em pequenos cartazes que foram distribuídos por alguns pontos do acampamento, informando todas as famílias acampadas sobre a marcha. No dia que os participantes deram início a Marcha Nacional de 2005, as crianças acompanharam até o município vi- zinho, organizadas em filas. Juntamente com os demais participantes, carregavam faixas e bandeiras e davam gritos de ordem. No decorrer das aulas falávamos dos objetivos do MST e a importância da participação das crianças e das mulheres nas reivindicações dos nossos direitos.

E por fim, quando os marchantes retornaram, fizemos o encerramento do

tema com a apresentação de algumas situações (engraçadas, cansativas,formativas

etc.) acontecidas durante a marcha. Os militantes que participaram, prontificaram- se então para dar seu “testemunho” à todas as crianças.

Essa atividade proporcionou práticas formativas importantes como produ- ção de textos, cartazes que saíram da sala de aula e serviram de informes para

os acampados; dando utilidade social a leitura e escrita. Exercitamos a prática da pesquisa sobre nossa realidade, onde as pessoas protagonistas daquele momento da história retomaram os significados do mesmo. Destacamos entre outros, esses dois momentos como práticas que ajudaram a reafirmar a escola e sua presença pedagógica na comunidade, bem como significativas para os educadores que es- tavam ainda inseguros sobre como planejar a partir de questões concretas da vida das pessoas.

No documento Caderno Escola Itinerante n.2 (páginas 79-83)