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Caderno Escola Itinerante n.2

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Academic year: 2019

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Texto

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ITINERANTE:

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EXPEDIENTE:

Produção:

Setor de Educação (MST- PR) e

Secretaria de Estado da Educação (SEED/PR) – Departamento da Diversidade - Coordenação da Educação do Campo

Elaboração:

Jurema de Fátima Knopf Marcos Gerhke

Maria Izabel Grein Jesun Ferreira da Silva Adriana de Andrade Alcione Nunes Farias

Cintya Ariadyne Rodrigues de Freitas Daniela Carla de Oliveira

Marciane Maria Mendes

Coordenação: Isabela Camini

Sandra Luciana Dalmagro

Colaboração:

Alessandro Santos Mariano Caroline Bahniuk

Revisão:

Márcia Flamia Porto

Capa:

Equipe de elaboração

Diagramação: Ivan Vilhena

Fotos:

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S

umário

Apresentação ... 4

I - EXPERIÊNCIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Escola Itinerante Paulo Freire: experiência de educação

Jesun Ferreira da Silva ... 7

Escola Itinerante Sementes do Amanhã: uma história de lutas e conquistas Adriana de Andrade ... 25

A trajetória de resistência da Escola Itinerante Ernesto Che Guevara

Alcione Nunes Farias ... 43

Escola Itinerante Carlos Marighella: uma construção coletiva

Cintya Ariadyne R. de Freitas e Jurema de Fátima Knopf ... 65

II - A ANÁLISE DO MST E DO ESTADO

Escola Itinerante no desafio da luta pela Reforma Agrária

Marcos Gehrke e Maria Izabel Grein ... 87

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A

preSentAção

Com satisfação, apresentamos o 2º caderno da “Coleção Cadernos da

Es-cola Itinerante – MST” que dá continuidade a sistematização e reflexão sobre o

processo de educação no campo. Esta Coleção tem por objetivo registrar as experi-ências já existentes, fortalecer e socializar o trabalho ali desenvolvido, na intenção de que esta prática se consolide; aprofundar a reflexão pedagógica das escolas já existentes e das que vierem a ser criadas; trazer para discussão as implicações que uma escola coloca para o Movimento Social e este para a escola.

Esperamos também que estes cadernos sejam um instrumento na formação dos educadores, bem como para o conjunto do MST e outras entidades educativas, no apropriarem-se cada vez mais desta experiência coletiva.

Este era o objetivo do Caderno 1 “Escola Itinerante do MST: História, Pro-jeto e Experiências”, publicado em abril de 2008, ao trazer a história das Itinerantes no Estado do Paraná; uma reflexão sobre o Projeto Político e Pedagógico e as expe -riências das três primeiras escolas criadas desde que legalmente reconhecidas pelo poder público do Estado do PR., socializando a caminhada da escola no campo.

O Caderno 2 tem por foco discutir com mais profundidade as práticas peda-gógicas vivenciadas nos acampamentos, escolas e na itinerância dos mesmos.

O caderno divide-se em duas partes: a primeira traz o relato de quatro esco-las que, de algum modo, expressam o que é fazer a escola acontecer numa circuns-tância de ocupações, conflitos, despejos, itinerância, enfim, coladas à prática social dos Sem Terras em movimento. Estas experiências são: EI Paulo Freire cuja marca é a pertença ao MST; EI Sementes do Amanhã que construiu uma bela experiência pedagógica e um sólido coletivo de educadores; EI Ernesto Che Guevara caracte-rizada por uma trajetória ímpar de conflitos e resistências; EI Carlos Marighella destaca-se pela preocupação dos educadores com o processo ensino-aprendizagem. Enfim, retratos de escolas que em seu cotidiano buscam construir, a seu modo, a Pedagogia do MST.

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é o comum no sistema de ensino.

Este Caderno foi construído no período de abril a setembro de 2008. Ten-do presente que a sistematização é um processo feito pelos sujeitos da prática em questão, este trabalho é fruto do esforço coletivo do Setor de Educação do MST e dos coordenadores destas escolas, e da parceria com a Secretaria de Estado da Edu-cação do Paraná. Queremos salientar que os textos das quatro experiências foram construídos a muitas mãos, num processo que exigiu o conhecimento íntimo das escolas, mas ao mesmo tempo o necessário afastamento para melhor refletir seus significados e implicações. Entendemos que a sistematização permite explicitar os desafios, dando-nos condições para enfrentá-los com maior clareza.

Esta sistematização só está sendo possível dada à disposição e o empenho do Setor de Educação do MST em registrar e cuidar da memória das Escolas Itine-rantes. Isso porque entendemos que o tempo e a dinâmica das Escolas Itinerantes são diferenciados da grande maioria das escolas públicas, o que traz possibilidades de avançar na construção de uma nova forma escolar, mas também impõem ten-sões e limites, muitos deles refletidos ao longo dos textos aqui apresentados. Daí a importância e a necessidade da sistematização.

Durante a trajetória do MST com a escola, identificamos que a luta pelo direito à educação é permanente, ou seja, luta-se para conquistar a escola nas áreas de Reforma Agrária; luta-se para mantê-la no campo, sob a constante pressão de ser fechada, transferida ou viver sob condições precárias; e ainda luta-se para in-tervir e transformá-la política e pedagogicamente, colocando-a na perspectiva da classe trabalhadora. Entendemos que este terceiro aspecto mesmo que já esteja no horizonte, merece maior atenção. Os textos aqui presentes refletem estes três níveis da luta por escola e esperamos que a leitura dos mesmos possa ganhar aliados para avançarmos em todos estes campos de embate.

Boa leitura!

Setor de Educação do MST

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I . EXPERIÊNCIAS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

ESCOLA ITINERANTE PAULO FREIRE:

experiência de educação

Autor: Jesun F. da Siva1

“Paulo Freire, educador do povo, seguimos sua luta, na construção do novo!”

Palavra de ordem da Escola.

1. INTRODUÇÃO

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e, assim, foram criadas as brigadas de 500 famílias. Cada brigada se organizaria em setores, núcleos de base, direção da brigada e necessitava escolher um nome que a identificasse. Na nossa região, o nome foi sendo consolidado como Contestado, devido à luta dos caboclos na Guerra do Contestado, fato que aconteceu por volta de 1914, na região sul do estado do Paraná, nossa localização atual.

Este texto traz presente a luta e as experiências desenvolvidas na Escola Itinerante Paulo Freire, no Acampamento 1º de Maio, município de General Car-neiro e no Acampamento Reduto de Caraguatá, pertencente ao município de Paula Freitas, ambos na região sul do estado do Paraná.

2. ESCOLA ITINERANTE PAULO FREIRE NO ACAMPAMENTO 1º DE MAIO

No início de 2003, a região do Contestado começou a pensar uma nova forma de organizar o acampamento com o objetivo de preparar as famílias para o futuro assentamento.Também tinha a necessidade de fortalecer o Movimento Sem Terra em todo o conjunto da brigada, pois havia muitos limites em organizar nos-sos assentamentos e, neste sentido, o acampamento contribuiria para fazer lutas e elevar o nível de consciência da nossa base.

Houve muitas reuniões envolvendo a direção da brigada e outras instân-cias para discutir como seria esta forma de organização que buscava formar os Sem Terras para assumirem o compromisso de construtores mais ativos de sua história. Com grande expectativa deu-se início a construção do Acampamento 1º de maio, nome este escolhido por ser o dia do trabalhador e o dia de início do acampamento. Isso, no ano de 2003, nas margens da Pr 151 que liga o Município de General Carneiro a Bituruna. O acampamento ficava próximo ao município de Bituruna, em uma área de aproximadamente 2 alqueires de terra, cedida pelo As-sentamento Etiene2. A meta da Brigada era de 200 famílias, mas com uma semana

de acampamento já tinha aproximadamente 450, sendo a maioria delas vindas de municípios vizinhos como Bituruna, União da Vitória, Curitiba, Pinhão, General Carneiro, Porto Vitória, Cruz Machado. Palmas, Porto União. As famílias são de etnias diversas, como parda, Italiana, negra, índia e cabocla.

Na convivência entre as famílias começaram aparecer algumas dificuldades como a de viver num espaço pequeno com muitas pessoas de culturas diferen-tes ajudando a tomar decisões, tendo que participar de várias reuniões. Também

2 Etiene era a antiga dona da fazenda onde se encontra o assentamento com 24 famílias, estas não

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apareceram outras dificuldades, como a falta de alimentação, pois havia algumas famílias mais necessitadas, que estavam ali no acampamento na esperança de uma vida menos sofrida. Frente a estas dificuldades, a coordenação do acampamento, junto com o setor de formação, sentiu a necessidade de fazer um trabalho de base, pois convivendo juntas, no mesmo espaço, as famílias percebiam suas diferenças. Nesse sentido, a partir do trabalho de base, as famílias começaram a adquirir algo muito positivo, a formação de valores educativos como a solidariedade: as que tinham mais condições ajudavam as outras.

Neste acampamento também tivemos muitos problemas internos e externos como a de pessoas vindas, para desestruturar a organicidade ali existente, promo-vendo uma divisão interna no acampamento. Um exemplo bem claro disso foi quando algumas pessoas, aproveitando a saída da direção do acampamento, foram até a prefeitura e articularam uma reportagem num jornal local dizendo que o IN-CRA não tinha conhecimento do acampamento. Isto fez com que as famílias se revoltassem contra a direção do acampamento, pois se sentiram enganadas. Este acontecimento atrapalhou e desgastou muito a militância, pois também os acampa-dos entenderem que aquela reportagem era uma mentira e que tinha como interesse desestruturar a organicidade do acampamento e criar desconfiança entre o grupo. Foram alguns dias de muita apreensão, até que a verdade veio a tona e o grupo de infiltrados foi convocado a se retirar do acampamento.

Permanecemos 105 dias na beira da estrada e este período serviu para dar qualidade à organicidade do acampamento, preparando as famílias para enfrentar os desafios da luta.

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No dia 08 de junho de 2003, iniciamos o trabalho na Escola Itinerante Paulo Freire com aproximadamente 90 educandos do pré a 4ª série e 05 educadores que trabalhavam como voluntários. Como ainda a escola itinerante não era reconhe-cida legalmente pelo Estado, iniciamos o trabalho como uma extensão da Escola Municipal João de Paula, localizada no assentamento Rondon, município de Bi-turuna. Os desafios eram constantes no trabalho com as crianças. Os educadores se colocaram como educandos no decorrer do processo pedagógico, aprendendo e ensinando ao mesmo tempo. Como nenhum educador tinha formação específica, dois educadores que estavam cursando o magistério no IEJC (Instituto de Educa-ção Josué de Castro), em Veranópolis – RS, ajudavam a coordenar a Escola, com o apoio da direção da brigada.

No dia 15 de agosto de 2003, o acampamento deu mais um passo importan-te na busca do objetivo das famílias acampadas, a importan-terra. Com mais de 350 famílias fizemos a ocupação da fazenda Zattar, um grande latifúndio com mais de 5000 hec -tares, no município de General Carneiro. A ocupação foi pacífica, pois na fazenda só haviam três famílias, empregadas do patrão. Com a ocupação não conseguimos levar a estrutura da escola, pois o transporte não foi suficiente, mas já no dia 17 de agosto do mesmo ano, recomeçamos as aulas em locais improvisados. Não conse-guimos arrumar caminhão para trazer os materiais da escola e isso dificultou um pouco o trabalho. Demoramos cerca de 60 dias para trazer os materiais, mas logo após iniciamos a construção em forma de mutirão.

Neste período de luta, com a ajuda das famílias acampadas, conseguimos construir uma boa estrutura para a Escola e já tínhamos um grupo de educadores/ as atuando. No final do ano de 2003, finalmente, a Escola Itinerante foi aprovada pelo Conselho Estadual de Educação do Paraná. Isto foi muito importante para todo o coletivo de educação, pois o trabalho como uma extensão da escola do Município estava muito difícil, uma vez que não entendiam a dinâmica da Escola Itinerante. Isto em alguns momentos trazia problemas para o coletivo de educadores que eram criticados e julgados em relação a forma de trabalho com as crianças. Por exemplo, algumas atividades desenvolvidas na escola, como passeios de observação no acam-pamento, trabalhos na horta, não eram aceitas por alguns pais e também pessoas da secretaria de educação do município questionavam e julgavam que não era importan-te. Questionava-se o fato dos educadores/as não serem formados para dar aula.

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es-paço. Era necessário fazer a inserção da criança recém chegada no acampamento, sem deixar que esta prejudicasse o andamento da turma.

O fazer pedagógico da escola era algo desafiador para todo o coletivo de educadores/as, algo que fomos construindo coletivamente: como aprender e ao mesmo tempo ensinar. No início de cada ano, o coletivo de educadores/as se en-contrava para planejar como seriam as atividades com as crianças na escola. Para isto, sempre usavam alguns materiais de apoio e estudo como: “O planejamento

(caderno de educação nº 06; MST, 1995)” e “Princípios da educação do MST

(ca-derno de educação nº 08; MST, 1996)”... Geralmente era uma semana de estudo

e planejamento anual da escola, onde era feito uma análise da realidade com as instâncias do acampamento para identificar um tema gerador, que serviria como subsídio para os demais planejamentos dos educadores. A partir do planejamento anual da escola, o coletivo de educadores se reunia para fazer um planejamento semestral, onde era definido um sub-tema, para o desenvolvimento do semestre. Os educadores/as desenvolviam os seus planos de aula diariamente, o que era feito coletivamente.

Com o passar do tempo os educadores/as começaram a desenvolver os pla-nejamentos de aula através dos tempos educativos. Esta dinâmica de trabalho foi adotada pela escola que passou a se preocupar com os diferentes momentos e di-mensões da criança. Isso se fez necessário porque algumas pessoas, por não terem clareza da concepção de trabalho desenvolvido na escola, diziam que os educado-res/as só faziam passeio com as crianças, ou até mesmo, que eles não precisavam de terra, porque não faziam lavoura, no sentido de que dar aula não era trabalho. Diante disso, a preocupação com o desenvolvimento da criança em toda a sua di-mensão, fez com que os educadores/as fossem mais respeitados no acampamento. Inúmeras vezes, a Escola Itinerante Paulo Freire teve que reestruturar o foco do seu planejamento, pois se deparou com alguns problemas da realidade que precisavam ser trabalhados com as crianças. Podemos dizer que os problemas do acampamento interferiam na escola e nas crianças. Alguns acontecimentos ti-nham reflexos imediatos e não poderíamos deixá-los passar sem trabalhar com as crianças, pois sabíamos que isto refletiria nas famílias. Podemos citar um exemplo, quando um grupo contra o MST começou a articular as famílias com o objetivo de desorganizar o acampamento, na sala de aula e na escola como um todo, em vários momentos, as crianças perguntavam: “educadora de que lado a senhora

está? do MST ou da Prefeitura?” (fala de um educando do 2º ano do 1º ciclo). A

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os princípios e valores do MST. A fala a seguir expressa um pouco o trabalho que a escola buscava desenvolver:

Eu gosto daqui, a gente pode vir estudar e ninguém fica reparando as

roupas da gente, acho que é porque todo mundo é pobre, ninguém é rico. Não tenho tanta vergonha de falar agora que sou coordenadora da turma, acho que é por isso.” (Educanda Cirlene, 07 anos).

O acampamento 1º de maio passou por vários enfrentamentos com a classe dominante da região. A prefeitura sempre buscou desarticular o acampamento, pois isso facilitaria o desmatamento para a extração de madeira. Muitas vezes tivemos que intervir politicamente alertando as famílias que não se deixassem iludir, ou, se cooptar e cair na armadilha do capital. Outras vezes, grupos de pessoas, articulados pela mesma classe de poderosos da região, se aproveitavam de que a área era muito grande e entravam nas terras buscando explorar, principalmente, erva mate. Um grupo do acampamento mais ligado ao MST precisava se mobilizar para afastar estas pessoas da área. Isto gerava uma série de discussões nas diferentes instâncias do acampamento, porque algumas pessoas não entendiam a importância de intervir nesta realidade para evitar a exploração indevida dos recursos naturais.

Como a escola é uma ferramenta importante na divulgação dos fatos, apro-veitava-se para discutir os conflitos do acampamento, através de atividades espe -cíficas criadas para tratar destes acontecimentos. Uma delas era o varal da notícia, no qual as crianças pesquisavam o acontecimento e construíam-no em forma de notícia, fazendo a exposição do fato nos diferentes espaços do acampamento. Esta foi uma das atividades muito bem recebida por toda a comunidade acampada, pois ajudava a informar e esclarecer sobre alguns ocorridos que nem sempre chegavam a todos ou, muitas vezes, chegavam de formas distorcidas.

No início de 2007, o acampamento começou a ser reestruturado, pois no mo-mento estávamos com aproximadamente 140 famílias e em torno de 96 crianças. Com a reorganização interna, afloraram alguns problemas, pois havia algumas fa -mílias novas de acampamento, vindas de outros assentamentos. Estas, por já terem vendido seus lotes em outros assentamentos, começaram a disseminar a idéia de que na forma em que se encontrava o acampamento, não sairia o assentamento. Para isto acontecer as famílias teriam que se espalhar na área para pressionar o INCRA.

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Este grupo de pessoas, que sempre teve interesse na exploração de madeira, eram vendedores de lotes em outros assentamentos. Como o MST defende a preservação do meio ambiente e desaprova a extração ilegal da madeira, tomou a decisão de se retirar do acampamento. Com isto, a prefeitura assumiu o controle do acampamen-to com interesses políticos, já pensando nas eleições municipais de 2008.

Mesmo durante todos estes acontecimentos, o grupo de educadores/as con-tinuou o trabalho. Já nos primeiros dias, algumas crianças, pais e mães pergunta-vam se a escola iria ficar no acampamento. Esta também era a angústia dos educa -dores/as que não sabiam o que responder já que sempre nos posicionávamos como militantes do MST e não aceitávamos as decisões impostas por estas pessoas.

O grupo de educadores/as da escola permaneceu trabalhando com os edu-candos/as. Sabendo de que os educadores/as eram militantes do MST, o grupo contrário ao Movimento começou a planejar uma forma de tirá-los do acampa-mento, pois se sentiam ameaçados com a possibilidade do coletivo de educação atrapalhar os objetivos deles. Foram várias as formas e tentativas para retirar os educadores, como por exemplo: não enviar as crianças para a escola ou falar mal dos educadores e até mesmo trazer propostas da prefeitura para assumir a educação no acampamento. Como isto não foi suficiente para desestruturar o grupo do MST, começaram a usar de formas ainda mais violentas, ameaçando os educadores/as. Falavam que iriam atear fogo no barraco dos militantes do Movimento; gritavam ou chamavam para a briga e, muitas vezes, mandavam recado, dizendo que iriam expulsar os educadores/as do acampamento que era da prefeitura.

Como nós sabemos que a Escola Itinerante está dentro do acampamento, ela segue a organicidade interna. Por este motivo sentimos que a escola não poderia mais permanecer em um espaço onde a organicidade está deficiente. Até porque ela possui um Projeto Político Pedagógico que se diferencia da pedagogia tradicio-nal, atendendo pessoas em situação de itinerância e educando para novas relações sociais. Outro aspecto importante é de que a comunidade acampada também deve ajudar a garantir esta escola. Frente aos rumos que o Acampamento Primeiro de Maio tomava, ficava inviabilizada a proposta de educação. Tendo em vista a neces -sidade de escola em outros acampamentos, definiu-se que a Escola Itinerante Paulo Freire se deslocaria para outro espaço que também necessitava de escola.

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após o encerramento do ano letivo de 2007, pelos motivos já expostos e também, porque as famílias não estavam mais dispostas a preservar a mata nativa que existia no local e ao mesmo tempo se espalharam na área, descaracterizando a condição de acampamento.

Com a decisão de levar a escola para outro acampamento, no dia 30 de novembro foram encerradas as atividades escolares com 36 crianças. Foi um mo-mento de muita emoção, pois as crianças que estudavam na Escola tinham carência de coisas como: alimentação, casa, afeto, carinho e tudo isto estas crianças encon-travam um pouco na escola e nos educadores/as. Estes, por sua vez, sentindo-se traídos por aqueles que um dia os chamaram de companheiros, estavam muito tris-tes por ver que a luta de anos não era reconhecida por parte das famílias. Apesar da revolta, os educadores/as se mostravam firmes e com abraços apertados, se despe -diram de cada criança e motivando-as, pela última vez, a continuarem os estudos.

A Escola Itinerante é bem diferente, a gente pode participar das aulas

conversar sobre o que não entende, eu tive um pouco de dificuldade

em me adaptar com a organização da escola, mas acho que foi muito

bom porque a gente fica mais responsável, assume tarefas (Educanda Indiamara, 11 anos).

3. ESCOLA ITINERANTE PAULO FREIRE NO ACAMPAMENTO REDUTO DE CARAGUATÁ

No final do ano de 2007, depois de ampla discussão entre as famílias acampa -das e os educadores/as, a Escola Itinerante Paulo Freire, foi transferida para o acam-pamento Reduto de Caraguatá, que está localizado no município de Paula Freitas, perto da comunidade de Faxinal, aproximadamente 09 km da sede do município.

O acampamento Reduto de Caraguatá teve seu nome escolhido em home-nagem a um reduto de caboclos que lutaram na Guerra do Contestado em 1914, na região sul do Estado do Paraná. Tem aproximadamente 40 famílias acampadas, vindas de diversas partes e cerca de 20 crianças em idade escolar de 05 a 10 anos de idade.

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em forma de mutirão. Devido a demora, pois não havia praticamente nada de ma-teriais, a comunidade acampada tomou a decisão de começar as aulas em outros espaços. Toda esta discussão foi facilitada por estarmos em um acampamento que contava com uma boa organicidade. Isto proporcionou um debate profundo sobre a proposta da educação da Escola Itinerante e do MST.

Dia 12 de março iniciamos as aulas com as crianças. Estas foram organi-zadas nos ciclos de formação humana, que agrupa as crianças por idade. Antes de iniciar as aulas, desenvolvemos o planejamento anual da escola, com os educado-res/as mais os representantes do setor de educação. A partir deste foi construído um planejamento semestral e os educadores se organizavam coletivamente nos seus planos diários.

A estrutura da escola foi planejada junto com a coordenação do acampa-mento, pois esta escola é diferente em vários aspectos e por isto temos que pensar uma estrutura que seja diferente das tradicionais. Neste sentido definimos e come -çamos a construir as estruturas em forma de figuras geométricas, o que foi um de-safio para os carpinteiros. Hoje já temos construído uma sala de aula com 08 lados se aproximando do formato redondo, onde funciona o 1º ciclo; outra sala quadrada do 2º ciclo e o triângulo do 3º ciclo. Temos também a cozinha e o refeitório que são retângulos; nossa biblioteca que é a figura hexágono. Estas figuras ajudam na com -preensão das crianças a diferenciar e melhorar a percepção do espaço e a localiza-ção das crianças na estrutura da escola. Também pretendemos superar o formato predominante das construções quadradas. Entendemos que temos o desafio de não só termos uma escola diferente na sua estrutura, mas que seja diferente em todo o processo de ensino aprendizagem das crianças, voltada para a formação humana, respeitando as crianças como sujeitas de um projeto de transformação de toda a sociedade. Construir uma nova estrutura de escola é iniciar todo um trabalho com o objetivo de ter a história como base para construir um jeito de pensar a educação, tendo em vista a realidade e os sujeitos.

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Estamos iniciando um projeto de escola diferente, já temos as salas que tem sua figura diferenciada, logo após temos o objetivo consolidar uma dinâmica de trabalho onde a criança possa circular em diferentes espaços. Vamos construir uma sala da ciência e cultura, outra sala da leitura e escrita, a sala da lógica matemática. Pois entendemos que os ambientes devem ser educativos, assim as crianças se sen-tiriam mais instigadas a conhecer mais sobre aquele ambiente.

Na semana de 15 a 18 de agosto estivemos participando do FERA3

COM-CIÊNCIA que aconteceu em União da Vitória. Fizemos uma exposição de fotos da escola divulgando-a, pois é importante que outras pessoas saibam que em nossos acampamentos existe escola. Acreditamos que com isso os educadores das outras escolas possam refletir sobre uma educação diferente.

Também fizemos uma visita, com as crianças, no local do evento. Numa quinta-feira de muita chuva, nos preparamos com as crianças, explicando que não seria só um passeio, mas sim uma atividade – muitas das crianças não têm muita oportunidade de sair para conhecer outros espaços. Saímos as 11h00min do acampamento e chegamos à cidade por volta de 12h00min, pra o almoço. Para as crianças tudo estava sendo muito gostoso. Já na saída do refeitório recebemos um lanche para a tarde e também uma capa de chuva. Nesta tarde elas assistiram apresentação de crianças, relatando sobre os trabalhos expostos, assim como peças de teatro, ficando muito entusiasmadas. Retornamos para o acampamento por volta das 17h00min.

No dia seguinte, na sala de aula, as crianças escreveram cartas, contan-do o que, contan-do passeio eles mais gostaram e o que mais chamou a atenção delas. Estas cartas foram escritas para as crianças do assentamento Contestado que fica localizado no município da Lapa PR. Juntamente com as cartas, manda -mos algumas fotos para as crianças conhecerem um pouco da nossa realidade de acampamento. É importante destacar que este trabalho de socialização de cartas entre as crianças já esta sendo feito há algum tempo. Todo este trabalho de escrever cartas remete a uma série de outros conteúdos importantes que são trabalhadas na escola: localização, como eles vivem, diferença entre assenta-mento e acampaassenta-mento.

4. COMUNIDADE E ESCOLA

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atividades mais freqüentes foram os mutirões que eram feitos para a construção e ampliação da escola, assim como estudos sobre o funcionamento e participação da mesma. Isso foi feito em diferentes momentos de relação com a comunidade, cabendo à escola instigar a comunidade acampada a se organizar para ajudar nas atividades. Os mutirões eram desenvolvidos todos os sábados, quando as famí-lias se reuniam para estudo e trabalho. Com o passar do tempo esta dinâmica foi sendo esquecida, pode-se dizer que isto fez com que as famílias fossem perdendo o gosto pela cooperação, passando a se preocuparem com seus interesses pesso-ais, descolados do coletivo, gerando sentimento e atitudes individualistas, com perdas na organização coletiva.

Algumas das atividades instigaram muito as famílias: uma delas foi o encontro no acampamento no ano de 2006, dos Sem Terrinha, com mais de 100 crianças de toda a brigada Contestado. Esta atividade fez com que as famílias se mobilizassem para garantir as estruturas, alimentação para a realização do encontro além de proporcionar um espaço de formação para as crianças e tam-bém para os adultos que desenvolveram atividades no encontro. Tamtam-bém em outros momentos coletivos todos participavam nas místicas, noites culturais e almoços e jantas coletivas.

5. ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE PAULO FREIRE

5.1. Setor de Educação e coletivo de educação

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5.2. Tempos educativos na escola

A Escola Itinerante é organizada por tempos educativos, estes tempos fo-ram criados a partir das demandas do dia-a-dia da escola. Assim entendendo, temos que potencializar todo o tempo que as crianças permanecem nela, com o objetivo de torná-los educativos. São eles: tempo formatura, tempo aula, tempo recreio, tempo leitura, tempo oficina, tempo trabalho, tempo organicidade e tempo esporte lazer. Estes tempos trazem algumas especificidades como:

-Tempo Formatura

“Tem tanta coisa que eu gosto de fazer aqui, mais gosto de vim para a escola, parti-cipar das místicas para o acampamento” (Educanda Indiamara, 11 anos).

Este tempo educativo acontece no início das atividades e é o primeiro tempo educativo vivenciado pelas crianças e pelos educadores. Neste momen-to, os educandos e educadores fazem a conferência das turmas e vivenciam a mística, cada turma diz a sua palavra de ordem e entoam o Hino do MST e do Brasil. O momento da mística visa o desenvolvimento das emoções, trabalha com a arte e a cultura, e com a criação artística das próprias crianças. Também visa situar as crianças desde estas dimensões na realidade brasileira e no movi-mento social.

Este momento planejado pelos próprios educandos/as, com o apoio do educador/a, geralmente é pensado no tempo organicidade e é realizado duas vezes por semana. Este espaço é importante para que as crianças desenvolvam e exerci-tem a oralidade, fazendo a conferência das turmas e apresentando aos demais o que foi planejado como atividade.

-Tempo aula

Este tempo é o mais extenso na escola, pois desenvolvemos as atividades mais teóricas, podemos dizer assim. É o tempo onde os educadores são desafiados para atenderem as demandas e os limites dos educandos.

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-Tempo recreio

É o momento onde as crianças se alimentam, este tempo ainda é um desafio para nós educadores. Buscamos o envolvimento dos educandos nas atividades lú-dicas, trabalhando as relações entre os/as educandos/as. Consideramos este tempo educativo; no início do trabalho, na escola, as crianças maiores ganhavam a vez de pegar o lanche e, com o passar do tempo, as crianças foram se educando respeitan-do a fila. Aprendiam a importância de cultivar bons valores, por exemplo: deixar os menores pegar o lanche primeiro sem nenhuma imposição física por parte dos maiores. São atitudes como estas que devemos cultivar em nossas escolas, fazendo uma educação mais humanizadora.

-Tempo leitura

Tempo específico para a prática da leitura, uma vez que entendemos que só se aprende a ler, lendo, como diz um velho ditado popular. É o momento onde as crianças são instigadas a leitura de diferentes tipos de textos. Também entendemos que as crianças devem se sentir motivadas para a prática da leitura e o espaço onde elas fazem as leituras é importante. As crianças fazem esta prática em espaços dife-rentes, como debaixo de uma árvore, até mesmo no sol quando está muito frio. Este tempo acontece uma vez por semana e também é um desafio planejar atividades criativas que despertem ainda mais o gosto pela leitura. O ato de ler possibilita uma análise mais aprofundada da realidade.

-Tempo oficina

Este tempo é bem dinâmico e são feitas várias atividades, como construção de materiais para utilização dos educandos como fichas de leituras, dominó da ta -buada, alfabeto móvel, construção de brinquedos, etc.. Também este tempo é usado para trabalhar algumas atividades de reforço com alguns educandos/as, através do uso de outros recursos que facilitem o entendimento da criança. Este acontece uma vez por semana e os materiais construídos pelos educandos são valorizados e usa-dos nos demais tempos. Temos uma educadora exclusiva para trabalhar este tempo. Nosso grande desafio é desenvolver este tempo proporcionando momentos em que possamos ajudar as necessidades específicas das crianças.

-Tempo esporte lazer

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para o estudo mais teórico das praticas esportivas. Este tempo também serve para trabalhar o respeito aos limites de alguns educandos, proporcionando as crianças momentos de descontração, sem perder a importância das atividades. Entendemos que temos que avançar neste tempo educativo no sentido de estar resgatando al-gumas brincadeiras e jogos que foram esquecidos com a introdução desta cultura americanizada nas nossas brincadeiras e jogos, o que fez nossas crianças adorme-ceram a capacidade de criar e construir seus jogos e brinquedos.

-Tempo organicidade

“A escola itinerante para mim, no início, foi quase um choque. Vim da esco-la da cidade para um acampamento que eu nunca tinha visto antes. Foi muito difícil até me acostumar,mas agora eu adoro estudar aqui, morar neste lugar. Nesta escola a gente é

organi-zado em grupos, as turmas tem nome. A gente brinca, canta, dança e aprende muito com isso”

(Educanda Atais, 10 anos).

Tempo destinado às crianças para se reunirem nos núcleos de base da tur-ma. Ali tratam da organicidade e outras atividades que são de responsabilidade de todo o coletivo da escola. Tem por objetivo fazer as crianças se sentirem parte desta escola, com responsabilidades com a mesma e também com os espaços de partici-pação e decisão.

-Tempo trabalho

O objetivo deste tempo educativo é desenvolver atividades mais práticas, ou seja, trabalhos na horta e outros ambientes para que as crianças compreendam o valor de cultivar produtos orgânicos, e assim colher uma vida mais saudável, per-cebendo que o trabalho é uma atividade importante para a nossa formação huma-na. Este tempo acontece uma vez por semana e é importante para que as crianças valorizem as coisas. Passam a entender que para ter o alimento, no lanche, alguém teve o trabalho de plantar, colher, fazer a comida, ou a construção da escola, etc., ou seja, o ser humano depende do trabalho para viver.

5.3. Organicidade das turmas

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são coletivos onde desenvolvemos atividades específicas do cotidiano da escola e também há o planejamento de outras atividades como o tempo formatura que é de responsabilidade das coordenações das turmas. Sentimos ainda que os educandos não estão com muita oportunidade para se auto-organizarem, faltando momentos e incentivos por parte dos educadores para isto acontecer. Este é um grande desafio que temos que superar em nosso trabalho.

As turmas estão também organizadas em ciclos de formação humana onde elas são agrupadas por idade e reagrupadas em função das necessidades de co-nhecimento. Estamos ainda em processo de adaptação, mas entendemos que esta forma de organização possibilita ir além do ler e escrever. Este é, sem dúvida, uma forma de garantir e, juntos, construir uma educação do campo que respeite os seus sujeitos como parte deste meio e como construtores da sua própria história.

6. PLANEJAMENTO DA ESCOLA ITINERANTE PAULO FREIRE

“Eu gosto de estudar na Escola Itinerante porque todo dia é diferente: nas aulas a gente sai e faz passeios pelo acampamento para conhecer as coisas” (Educando Leonardo, 09 anos).

O planejamento sempre foi construído de forma coletiva, buscando a con-tribuição da comunidade acampada na construção do planejamento da escola. No início do ano os educadores e as pessoas responsáveis pelo setor de educação do acampamento se reuniam para desenvolver o planejamento anual da escola. Geral-mente durante uma semana, estudávamos os cadernos do setor de educação como os Princípios da Educação no MST (Caderno de educação nº 08; MST, 1996) e o Caderno de Planejamento (Caderno de educação nº 06; MST, 1995) assim como outros materiais importantes para este processo de construção coletiva.

Nos primeiros três dias da semana estudávamos os cadernos e logo após dá-vamos início ao planejamento anual da escola. Também desenvolvemos alguns ou-tros planejamentos de atividades para o envolvimento da comunidade acampada. Um deles foi o projeto para construção de um parque infantil com materiais alternativos. Ambos os planejamentos eram apresentados na coordenação e no setor de educação e analisados mais profundamente com os educadores e coletivo de pais e mães.

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quan-do os educaquan-dores/as planejavam dentro quan-dos ciclos; isto proporcionava um melhor entendimento dos conteúdos trabalhados, os educadores preparavam em conjunto, uma melhor metodologia de trabalho para a aplicação de determinado conteúdo.

7. APRENDIZAGEM DAS CRIANÇAS

Durante todo o processo de construção e implementação da Escola Itine-rante nos acampamentos, sempre ficamos atentos ao aprendizado das crianças. Muitas vezes, nos deparávamos com situações preocupantes com a de algumas crianças que já vinham para a Escola com dificuldade na aprendizagem. Tínhamos por exemplo, casos de crianças que não estavam alfabetizadas no 2º ano do 2º ciclo e pré-adolescentes que não dominavam a leitura e a escrita. Com o trabalho insistente dos educadores, conseguimos ter grandes avanços. Algumas ações foram desenvolvidas para ajudar essas crianças na retomada de conteúdos necessários e sanar as dificuldades apresentadas na leitura, escrita e cálculo. Através de ativida -des de contraturno, onde se organizou agrupamentos de crianças com as mesmas necessidades, notamos o avanço delas na escola. Nós entendíamos que para elas adquirirem um bom desenvolvimento, dependia de algo além do tempo na escola, dependia de um trabalho mais amplo que envolvesse a comunidade e tivemos al-guns limites. Pensando que a criança precisava ser incentivada também em casa, pela família, pois isto reforça os interesses da criança com a escola, vimos que isso não acontecia, pois os pais, muitas vezes não eram alfabetizados e assim alegavam que não podiam ajudar seus filhos com os temas de casa.

Considerando que esta também era uma preocupação do acampamento dis-cutimos a importância de efetivar uma turma de Educação de Jovens e Adultos buscando superar esta dificuldade e avançar na educação em sua totalidade. As próprias crianças passaram a incentivar seus pais a continuarem os estudos e, em alguns casos, o processo de alfabetização foi iniciado em casa, com os filhos aju -dando os pais.

É preciso ter muito esforço, dedicação e nunca desistir daquele educando/a que apresenta dificuldade na aprendizagem, trabalhando com maior ênfase.

8. LIÇÕES E APRENDIZADOS

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da escola, exigia muito de cada um, mas com as indicações feitas por pessoas que já atuavam como educadores/as nos demais núcleos de base foram aprendendo a pensar e fazer essa escola.

No início do acampamento já fomos consolidando o coletivo de educado-res/as, pois tínhamos claro que era preciso ter um coletivo forte para enfrentar a luta pela terra e junto a esta luta garantir a Escola Itinerante, pois a escola tem um papel importante no acampamento. Há momentos na luta que a Escola se torna o espelho para as famílias do acampamento, pois alguns problemas refletem direta -mente na escola, e cabe a esta trabalhar com a realidade que a envolve, contribuin-do para a superação das dificuldades.

Neste sentido é importante vislumbrar como se dá a construção do conhe-cimento, nunca desistindo de uma criança, precisamos respeitar o seu desenvol-vimento e possibilitar que avance com a interferência do adulto que pode e deve ensinar.

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ESCOLA ITINERANTE “SEMENTES DO AMANHÔ

uma história de lutas

e conquistas

Adriana de Andrade4

1. COMO TUDO COMEÇOU

No ano de 2004, na região foi organizado um acampamento provisório em uma comunidade chamada Roselito, localizada no interior do município de Dia-mante do Oeste. Dada a decisão,no dia 18 de maio do mesmo ano, começaram a chegar famílias vindas de vários outros municípios, sendo que grande parte delas eram brasiguaias5. Após dois meses de acampamento, aproximadamente 900

fa-mílias faziam parte da comunidade acampada. Essas pessoas estavam ansiosas e esperavam pela ocupação de uma nova área.

4 Coordenadora Pedagógica da Escola Itinerante Sementes do Amanhã e membro do Coletivo Es-tadual de Educação do MST no Paraná. A tarefa de sistematizar esta experiência foi coletiva, do grupo que compõem atualmente o Coletivo de Educadores da Itinerante Sementes do Amanhã. Ver nomes das pessoas

que compõem esse coletivo ao final do texto.

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O dia 30 de julho chegou - uma data que não será esquecida. Por volta das 17h00 horas foi realizada uma assembléia para comunicar a todos que naquela noite, fria e escura, se realizaria a ocupação.

A viagem começou, e a cada instante, pelo caminho, juntavam-se mais pes-soas. Por volta das 06h30min da manhã do dia 31 de julho chegaram à Fazenda Boito, localizada no município de Matelândia, entre as cidades de Cascavel e Foz do Iguaçu, região Oeste do Estado do Paraná. A Fazenda tem aproximadamente 380 alqueires divididos em três partes, sendo que era destinada para a pecuária de corte, tendo como proprietária Lurdes Boito6.

Ao ver a terra desejada, as famílias se entusiasmaram, ali baixaram dos caminhões os seus pertences, enquanto outras famílias iam chegando ao local. Em seguida iniciaram os trabalhos de infra-estrutura dos barracos. Vendo que o acam-pamento seria muito grande, imediatamente iniciou-se a organização dos núcleos de base, facilitando à comunicação e a organização. Desta forma, cada integrante assumiu uma tarefa dentro dos diversos setores existentes: saúde, educação, comu-nicação, alimentação, segurança, entre outros.

Com o passar dos meses inicia-se o processo para a escolha do nome do acampamento, pois este nome deveria ser fruto de discussões e escolhas dos pró-prios acampados. Após várias sugestões, muita conversa e estudo, dois nomes fo-ram indicados: Chico Mendes e José Martí. Após inúmeras discussões nos grupos e com a ajuda de textos sobre as indicações para a discussão coletiva, foi escolhido o nome de Chico Mendes7, por ser um grande defensor do meio ambiente e dos

trabalhadores na Amazônia.

2. O SONHO SE FAZ REAL

O setor de educação, um dos mais discutidos no início do acampamento, foi crescendo aos poucos. Conforme sua demanda frente ao grande número de famí-lias que chegavam, este foi se consolidando e obtendo confiança dos acampados. Devido as muitas tarefas colocadas para este setor, foi preciso organizar uma dinâ-mica de trabalho. A primeira atividade foi estruturar sua organicidade, seguida da organização de suas frentes de trabalho (Educação de Jovens e Adultos, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio).

6 A proprietária da Fazenda Boito tem problemas com a justiça, pois fez o pagamento da compra desta

fazenda com dólares falsificados, fato este, questionado em juízo pelo antigo dono da área.

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Por existir um número expressivo de jovens e adultos analfabetos ou com pouca escolaridade no acampamento, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) co-meçou a ser implementada a partir das discussões nos núcleos de base8, do

levan-tamento de dados dos educandos e educadores. Assim, as aulas foram iniciadas em meados de novembro de 2004, com aproximadamente seis turmas, numa média de 10 educandos em cada uma delas.

Contudo, a tarefa não foi só essa. Logo vieram outras dificuldades: as crianças que estudavam em uma escola fora do acampamento, em uma Vila pró-xima, sofriam com as péssimas condições do transporte escolar, também com a discriminação em relação a forma de se vestirem, ao tratamento desigual dado pelos professores, a culpa por um surto de hepatite B que havia no acampamento. Nem água podiam tomar nos copos da escola. As crianças eram discriminadas por estarem na condição de acampadas e serem sem-terra. Isso tudo as deixava sem vontade de ir pra aula, porém, muitas eram obrigadas pelos pais, como nos conta uma acampada, Rosalina de Oliveira: “Todo dia eu tinha que obrigar o meu

filho a ir para aula. Às vezes cheguei a bater, mas não adiantava, no outro dia

era a mesma coisa”.

Sendo assim, começamos a nos preocupar para garantir melhores condi-ções de ensino para nossas crianças. E foi neste contexto que aproveitamos a vinda de membros do Setor de Educação do Movimento, com mais experiência na orga-nização nas Escolas Itinerantes, para discutirmos a possibilidade de organizar essa escola em nosso acampamento, visto que com ela poderíamos tentar resolver as dificuldades enfrentadas nas escolas da região. Essas discussões iniciais também contaram com a participação da direção da Brigada José Martí (organização de 500 famílias, da qual o acampamento Chico Mendes faz parte), além da comunidade acampada.

Tomada a decisão de construir uma Escola Itinerante no acampamento, começam o trabalho, juntamente, com as famílias. No primeiro momento, a idéia ficou confusa para a comunidade, pois alguns levantavam dúvidas sobre a vali -dade legal desta escola, questionando: “Será que a escola é de verdade”? Outra questão que causou estranheza foi o fato de que os educadores seriam do próprio acampamento e inicialmente, sem formação específica para o exercício do magis -tério. Também temiam perder a “bolsa família” caso esta escola não pertencesse à rede municipal ou estadual de ensino. Questões que foram se resolvendo com a discussão e construção da escola. No decorrer do processo as famílias foram

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entendendo o que é Escola Itinerante como expressa a fala Raimunda, dirigente do acampamento:

Entendo que a Escola Itinerante muda de acordo com a necessidade do acampamento, também é um grande centro de formação de consciência, tanto das crianças como dos coordenadores e pais que participam do de-senvolvimento das atividades da escola, porque a Escola Itinerante vive num processo constante de construção. Todos os dias aprendemos e ensi-namos coisas novas e é assim que nos formamos novos sujeitos.

O avanço do processo a implementação da Escola Itinerante, dentro do acampamento, foi uma questão de tempo, pois as famílias já se sentiam confortadas por saber que seus filhos teriam uma educação voltada para o campo, incorporando a realidade vivida no acampamento. Com a Itinerante, o principal objetivo da co-munidade era superar o problema da discriminação sofrida pelas crianças na escola da cidade, como também evitar que fossem “apelidados” de serem sem-terra. Ser Sem Terra9, para eles, era motivo de orgulho.

Ao mesmo tempo em que se realizavam as discussões sobre a escola com as famílias, negociávamos com a Secretaria de Educação do município de Matelân-dia, a fim de conseguir a estrutura física da escola, pois até então, só tínhamos as carteiras e cadeiras enviadas pelo Estado. Então, o município disponibilizou lonas pretas para a construção das salas de aula e material para instalação da luz elétrica. Com o material disponível todo o trabalho de construção da escola ficou sob a res -ponsabilidade da comunidade, que se organizou em brigadas (organização de 50 famílias) para realizar as seguintes tarefas: construção das salas, lixeiras, bancos e mesas para a educação infantil, construções de banheiros, embelezamento do acampamento e escola, biblioteca e refeitório. Enquanto realizava-se este trabalho sob o olhar atento das crianças, o coletivo de educadores escolhidos no processo de avaliação feito pela comunidade, estudava e planejava o começo das atividades escolares, que se iniciaria tão logo a estrutura da escola fosse concluída.

No dia 21 de abril de 2005, enquanto todas as escolas da rede municipal e estadual estavam sem aula por ser feriado10, nós Sem Terra, acampados, iniciamos as

9 A grafia da expressão Sem Terra com letra maiúscula significa que independente da posse ou não da terra os integrantes do MST se identificam com o Movimento, criando uma identidade própria de Sem Terra

de pertencimento a este movimento social.

10 Este feriado é em homenagem a José da Silva Xavier conhecido por Tiradentes que foi enforcado

no dia 21 de abril de 1792. Ele foi um dos líderes da Inconfidência Mineira a qual tinha por objetivo libertar o

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atividades escolares buscando forjar a escola que queremos. “Queremos uma escola que não ensine somente o A, B, C, ou quanto é 2+2, mas sim uma escola que ensine

as crianças a verdadeira importância de estudar” Pedro (no trabalho de mutirão).

Neste momento, a comunidade se sentia mais fortalecida, confiante e tam -bém mais organizada e disposta a trabalhar para conseguir seus objetivos. O traba-lho para construir e organizar a escola mostrou que de fato, podíamos conquistar o sonho de ter um pedaço de terra. Portanto, a comunidade se responsabiliza em cuidar da escola, em todos os sentidos: limpeza das salas de aula, e dos espaços, embelezamento, disciplina, lenha e horta.

Todavia, numa noite de muita chuva e vento, as salas de aula foram ao chão, necessitando ser reconstruídas pela comunidade. Neste mesmo dia fomos informados através da Prefeitura de Matelândia, que acabara de chegar os mate-riais para construção das salas, vindas da Secretaria de Educação do Estado. Isto motivou novamente toda a comunidade, que se pôs a engenhar uma nova estru-tura para a escola, que antes era provisória, construída debaixo de um barracão. As novas estruturas foram construídas sobre o piso de alvenaria, no local que antes servia de pátio e abrigava as máquinas da fazenda. Enquanto este trabalho de reconstrução acontecia, as brigadas do acampamento estudavam e levanta-vam nomes para esta escola. Entre várias indicações tivemos Patativa do Assaré, Paulo Freire, Dandara, Olho de Água e Sementes do Amanhã, nomes estes que foram apresentados em uma reunião de coordenação do acampamento. Depois de discussões e votação, o nome escolhido foi SEMENTES DO AMANHÃ, por reconhecer que as crianças são nossas sementes de um amanhã que almejamos para um futuro não tão distante.

Atualmente, a escola está organizada, em sua estrutura física e pedagógi-ca, de forma que todos possam opinar, e também criticar, quando necessário. As famílias participam do processo educativo e no acompanhamento das crianças na escola. A direção do acampamento ajuda na avaliação da escola, definindo os edu -cadores. Desta forma, as discussões não param, pois o processo é longo e comple-xo e exige dedicação de todos que se envolvem na tarefa de educar, tendo presente a “Pedagogia do Movimento” e a necessidade de construirmos uma escola que respeite o ser humano desenvolvendo-o em todas as suas dimensões.

3. A ESCOLA NA RESISTÊNCIA DO ACAMPAMENTO

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enviado pelo governo federal. Foi neste momento que fomos comunicados que havia uma reintegração de posse da área. Logo em seguida, foguetes de alerta chamavam todos do acampamento, o que os assustou muito, pois ainda há pouco estavam ali juntos, tranqüilos, aparentemente seguros. A notícia imediatamente se espalhou, pro-vocando insegurança, medo e desespero, sufocando perguntas que desejavam fazer, mas que não deu tempo. Muitos corriam para ter mais notícias, mas a orientação era de aumentar o número de famílias no acampamento. Ônibus, caminhões e carros com pessoas de outros assentamentos chegavam para o reforço e todos deveriam passar a noite acordados na expectativa, na ansiedade e prontos para resistir.

O tempo passava, as estrelas começaram a ficar mais longe. O dia começou a clarear, entre o vem e vai das pessoas. Já era a hora marcada, combinada que to-dos deveriam estar à beira do asfalto, próximo há 300 metros do acampamento. Ali as barreiras foram montadas. No meio delas, um pé de eucalipto foi derrubado na estrada impedindo a passagem de veículos na Rodovia das Cataratas, KM 05. Por volta das sete horas e trinta minutos da manhã do dia 30 de novembro de 2005, foi organizada uma assembléia. A direção da brigada (de 500 famílias) declarou aos presentes que o pior estava por vir, já que estava prevista a reintegração de posse. Neste momento, um foguete lá no alto avisava que a polícia estava chegando. Eram aproximadamente 400 policiais, com carros, ônibus e cães. Do outro lado, cerca de 1.200 Sem Terra, com barreiras no asfalto e barrancos, que davam acesso ao acampamento. À frente, estavam crianças, mulheres, algumas gestantes, entre elas. Naquele cenário, visualizavam o inimigo que tinha por objetivo tirá-los pela força do Estado, daquela área, atuando a serviço do capital.

Após várias tentativas de diálogo entre os Sem Terra e a Brigada Militar, a fim de evitar o confronto surge do meio da multidão duas crianças: Fabiula e Julia -na, portando nas mãos uma Bandeira do Movimento e flores de eucalipto, colhidas do pé que havia sido derrubado para dificultar a passagem dos policiais. Elas ao se aproximarem do Comandante Mauro disseram: “Queremos continuar estudando no acampamento e ter nossa terra aqui”.

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Enfim, o pior passou, mas a insegurança permaneceu. Mesmo depois de dois anos a área não foi desapropriada para fins de Reforma Agrária, por isso sem -pre existe a possibilidade de voltar a acontecer outro fato semelhante, por conta desta área estar sob pendências judiciais.

Logo após este episódio o acampamento Chico Mendes se fortaleceu, as famílias acampadas foram fortalecendo a identidade e orgulho de lutar pelo sonho, que só se faz real com muita luta.

Hoje após três anos de ocupação temos no acampamento um número bem menor de famílias do que no início da escola, totalizando aproximadamen-te 167. Dentre estas, continua a prevalecer os brasiguaios que com toda sua história de sofrimento e dor, vêem no Movimento Sem Terra uma expectativa de realização de seus sonhos, ou seja, conquistar um pedaço de terra para dela tirar o seu sustento.

Neste acampamento também temos uma estrutura privilegiada se compa-rado aos demais acampamentos da região. Todos os barracos são de lona, e alguns rodeados de madeira, todos têm luz elétrica e água encanada com mangueiras pró-ximas dos barracos que vem de uma nascente de água no próprio acampamento. Anteriormente à ocupação, a nascente de água se encontrava contaminada pelos chiqueiros de porcos. Diante dessa situação, a comunidade acampada realizou um trabalho de descontaminação, usando cloro, limpeza e preservação das minas por meio do reflorestamento nos arredores da nascente.

Existe um trabalho muito bom com o setor de saúde em nosso acampamen-to, as famílias são atendidas numa farmácia onde são feitos medicamentos alterna-tivos de ervas cultivadas na horta medicinal. Em caso de emergência, as pessoas são encaminhadas para o posto de saúde mais próximo.

Contudo essa estrutura privilegiada nos faz pensar na acomodação das fa-mílias no que diz respeito à organização do acampamento e a luta deste espaço. Evidenciamos essa questão com o exemplo que veio a tona a partir da rediscussão do pagamento da luz e os encanamentos de água.

4. A ESCOLA SEMENTES DO AMANHÃ

A Escola Itinerante está organizada de forma que muitos podem contribuir e construir seu processo. Ela se estrutura a partir do Ciclo Básico de Alfabetização11

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do avançar no processo de consolidação dos Ciclos de Formação Humana, respeitando as diferentes temporalidades dos educandos e fazendo um contraponto a escola tradicional. No Ciclo de alfabetização cada educando tem dois anos para atingir as metas de aprendizagem, sendo que, no primeiro ano de cada ciclo, o educando não pode ser retido a não ser que o mesmo não tenha a freqüência de 75 % nas aulas. Nesta forma de reestruturar a escola por ciclos, ainda temos muitas limitações e na prática, o que ainda prevalece é a organização por série, uma das características da escola capitalista.

As mudanças aparecem simultaneamente também no processo de avaliação dos educados, visível em vários espaços do acampamento, nas reuniões com os pais, o que acontece mensalmente, possibilitando verem de perto o aprendizado e limites dos educandos. O educador avalia através de textos, interpretação, pesquisas, traba-lhos em grupos. No final do semestre, essas avaliações são sistematizadas num pare -cer descritivo que é entregue aos pais. Este pare-cer é feito a partir dos registros conti-dos nos cadernos de acompanhamento conti-dos educanconti-dos, construíconti-dos semanalmente.

Na Escola Itinerante Sementes do Amanhã, a Educação Infantil acolhe as crianças de 5 e 6 anos, o 1° ciclo e o 2°ciclo corresponde às turmas iniciais do En -sino Fundamental. Quando avançam para as turmas finais, deste nível de en-sino, as crianças passam a estudar em uma escola estadual localizada na Vila Agrocafeeira, localizada há três quilômetros do acampamento, pois ainda não conseguimos aten-der esta demanda em nossa escola.

No decorrer destes anos, o número de educandos na escola sofreu altera-ções acompanhando a própria dinâmica do acampamento que inclui a rotatividade das famílias. Assim, no período de funcionamento da escola, chegamos a ter apro-ximadamente 220 crianças matriculadas, com um número de 350 famílias acam-padas. Como dissemos anteriormente, temos hoje 167 famílias no acampamento e em 2008 atendemos um total de 86 educandos, dispostos nas seguintes turmas dos ciclos, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 1: Número de educandos por ciclos

Ciclo Número de Educando

Educação Infantil 13

1° ano do 1° ciclo 17

2°ano do 1° ciclo 17

1° ano do 2°ciclo 25

2°ano do 2° ciclo 14

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As atividades com os educandos acontecem pelo turno da manhã e estamos organizados em tempos educativos, como explicamos a seguir:

- Tempo Formatura:

Acontece todo o dia sempre no início das atividades às 07h45min da manhã. É coordenado pelo educador e sua turma com mística, hino do MST ou o do Brasil e com as “palavras de ordem”. Cada turma é identificada com um nome discutido coletivamente, que os representam: Pequenos lutadores, Filhos da Terra, Dandara, Educandos Camponeses e Estrela de um Novo Tempo. Percebemos esse momento como educativo, no qual os educandos têm a oportunidade de se expressar, através da mística, seus sentimentos e criatividade. Porém entendemos que esse tempo é li-mitado quando não efetiva-se com o esforço do educador e do coletivo da escola.

- Tempo Núcleo de Base ou auto – organização dos educandos:

Ocorre duas vezes por semana em cada turma, com duração média de 30 minutos. É encaminhado pelo educador, mas coordenado pelos educandos. As crianças vivenciam na escola a organicidade do acampamento apontando que são capazes de discutir e encaminhar o que está lhes incomodando e o que devem avan-çar na turma. Enquanto coletivo de educadores compreendemos que é o momento de ouvir e incentivar as discussões feitas pelas crianças, no sentido de estimular a autonomia das mesmas.

Os educandos são organizados em núcleo de base em suas turmas, confor-me o núconfor-mero de crianças em cada uma destas.Elesse sentem preparados para opi-nar não só na escola, mas também na organização do acampamento, contribuindo para a construção coletiva da escola com propostas e cobranças. Porém precisamos enquanto acampamento ouvi-los mais, pois eles têm muito a contribuir para o cres-cimento e fortalecres-cimento das discussões coletivas.

Como exemplo, expressamos a discussão do núcleo de base “Che” do pri-meiro ano do pripri-meiro ciclo, no qual discutiram sobre o convite de retirada de uma pessoa do acampamento, devido a problemas de comportamento. Essa pessoa vol-tou e permaneceu no acampamento sem ninguém discutir o fato, porém as crianças alertaram sobre este fato e fizeram uma cobrança, no coletivo da sala e não nas demais instâncias do acampamento.

- Tempo aula:

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momento se coloca em prática o planejamento elaborado anteriormente. Sobre os conteúdos e a forma que eles são desenvolvidos discutiremos mais adiante, nesse texto.

- Tempo intervalo:

Ocorre no período de 30 minutos, espaço este que é reservado para o lanche e brincadeiras. Pensamos que os educadores deveriam participar deste momento com os educandos interagindo com as crianças nas brincadeiras. É mais uma oportunidade de conhecer cada educando também fora da sala de aula, suas atitudes, postura, comportamento. Mas encontrarmos resistência de alguns educadores que permanecem em sala ou até mesmo em conversas de grupos, acreditando que este é o momento dos educandos ficarem sem a pre -sença do educador. Também aproveitam para se preparar para as oficinas que vem logo em seguir.

-Tempo oficina:

Este momento acontece depois do tempo intervalo com duração de uma hora em todas as turmas. Cada uma com uma atividade atende as dificuldades en -contradas na escola nas áreas do conhecimento, (matemática, história, língua por-tuguesa, artes e educação física). Os educadores planejam essas oficinas conforme as dificuldades das turmas, lançando mão da criatividade, do lúdico, entre outras metodologias. No entanto, são poucas as vezes que as oficinas conseguem de fato sair da rotina comum da sala de aula.

- Tempo leitura:

Acontece duas vezes por semana, logo após o tempo formatura num perí-odo de meia hora e é coordenado pelos educadores da sala. Neste tempo são utili-zados materiais como: jornais do MST, livros de literatura infantil para os menores e literatura juvenil para os demais. O mesmo acontece na educação infantil, sendo que para os pequenos, o educador é quem lê a história e trabalha com questões relativas ao que foi lido, durante a aula.

- Tempo higiene:

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5. QUEM SÃO OS EDUCADORES

Os educadores da escola fazem parte da comunidade acampada, que pas-saram por avaliação antes de assumirem a tarefa que foi lhes foi confiada. Quatro deles estão na escola desde o início das atividades em 2005, e os demais se soma-ram ao processo no decorrer destes três anos de existência da escola. Temos per-cebido avanços principalmente quando falamos na diminuição da rotatividade que melhorou a partir de um maior acompanhamento coletivo do processo de formação política e pedagógica dos educadores.

Atualmente temos educadores estudando no Curso Normal de Nível Médio, turmas 11 e 12 do Instituto Educação Josué de Castro (IEJC), escola do Movimento localizada em Veranópolis – Rio Grande do Sul. Há também outros, concluindo o Ensino Médio e Ensino Fundamental na modalidade de EJA no Instituto de Edu-cação e Pesquisa da Reforma Agrária (ITEPA), centro de formação que está locali-zado em São Miguel do Iguaçu próximo ao acampamento.Esta modalidade neste centro ocorre em parceria com o Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEBEJA).

Nas turmas, os educadores trabalham em duplas, o que contribui muito para o trabalho pedagógico. Todos os educadores são aprovados pela comunidade acampada que se responsabilizam pelo processo de aprendizagem dos educandos.

6. PLANEJAMENTO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

No período da tarde, todos os educadores se reúnem para estudo e plane-jamento coletivo referente à organização da escola e dos educandos. Participando também, das atividades orgânicas do acampamento. Segue abaixo o cronograma das atividades do período da tarde.

Tabela 2: Cronograma atividades

DIA DA SEMANA ATIVIDADE

Segunda – Feira Avaliação do planejamento semanal Terça – Feira Planejamento das aulas

Quarta – Feira Estudo coletivo com vários temas Quinta – Feira Planejamento das aulas

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Essas atividades são planejadas no conjunto dos educadores e a coor-denação da escola. Estes são momentos importantes, onde todos têm a oportu-nidade de opinar/sugerir, tirar dúvidas, principalmente sobre os educandos e a aprendizagem dos mesmos. Sobretudo, porque temos educandos com mais ida-de, alguns que vieram de escolas com sérios complicadores na aprendizagem. Ou seja, muitos de nossos educandos são frutos da exclusão e seleção inerente a escola capitalista.

Neste momento em conjunto, são partilhadas as dificuldades, os limites encontrados no processo ensino aprendizagem dos educandos. “No coletivo, nos ajudamos e sempre achamos solução para os problemas, buscando fazer novas

atividades” como relata um educador da escola.

No momento de estudo coletivo que acontece uma vez por semana são tra-zidos textos e livros relacionados ao processo pedagógico e o ato de ensinar. Por exemplo, já estudamos os livros: A Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire e o

Dossiê MST- Escola. Participamos de palestras com psicólogas sobre educandos

com necessidades especiais. O processo coletivo faz todos perceberem que temos que contribuir e nos responsabilizar pela formação humana de todos os envolvi-dos com a escola. Construído em conjunto o planejamento se torna mais denso e criativo, pois incorpora um maior número de idéias e conhecimentos para serem trabalhados.

Dessa forma também acontece a discussão sobre os Temas Geradores que, muitas vezes, se tornam vivências geradoras. Ilustramos essa questão com um exemplo, que aconteceu cerca de dois anos no acampamento. Naquele momento tinha um grupo pequeno de pessoas encaminhando por fora das instâncias coletivas a organização das famílias em lotes individuais. O fato se tornou tema gerador e foi discutido nas atividades escolares, partindo principalmente de duas questões: Como fica a escola se o loteamento vier a acontecer? Como os educandos e educa -dores viriam para aula sabendo que tem lugares de difícil acesso? Ao final desse tema, as discussões provenientes da escola contribuíram para assegurar o acampa-mento no mesmo espaço e deslegitimar discussões desse porte por fora das instân-cias do acampamento.

Os temas geradores são discutidos pelo coletivo de educadores, porém ainda não conseguimos trazer a comunidade acampada para participar organica-mente deste momento, o que tornaria mais produtivo e enriquecedor o trabalho pedagógico. Mesmo com esta dificuldade, nos organizamos em 2008, a partir de um tema gerador: “Diferenças sociais e culturais da sociedade que influenciam

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no cotidiano, trazem vários questionamentos sobre os valores fundantes das rela-ções capitalistas. Este tema se desmembra em vários sub-temas semanais, partir dos quais os conteúdos são trabalhados: Organicidade, Cultura Camponesa, Co-municação e Expressão, Mística, Valores, Produção convencional e agro ecoló-gica, Saúde entre outros.

A relação de conteúdos foi um momento de muita discussão no início deste ano. Mesmo antes de começar as atividades da escola, refletimos e estudamos ten -do como apoio o material de apoio Cadernos de Educação -do Movimento, os quais discutem a Pedagogia do Movimento, da qual fazemos parte. Após vários estudos e opiniões, organizamos os conteúdos por área do conhecimento que estão sendo desenvolvidos na escola.

Os conteúdos trabalhados na escola são discutidos coletivamente entre os educadores de forma que todas as turmas consigam acompanhar e que estejam vinculadas às metas de aprendizagem de cada ciclo. Estes devem ter relação com a realidade local. Desta forma, os acontecimentos do acampamento e da organi-zação são trabalhados, falas, brincadeiras, e a ação dos educandos são incorpora-das nos planejamentos, como exemplifica a fala o educando, quando estudavam sobre mística, “não precisamos da mística em nosso dia a dia”. Com isso o edu-cador percebeu a necessidade de continuar e aprofundar o que estavam estudando e usar a criatividade para desenvolver atividades que afirmam a mística não é só o ato de encenar.

Aconteceram momentos de discussão onde fomos provocados a trabalhar conteúdos para atender uma necessidade do acampamento, tais como: reflores -tamento, limpeza das nascentes de água, espaços de produção e agroecologia. Também outras situações foram trabalhadas como a morte do companheiro Ke-no12 pelas milícias armadas no Oeste do Estado e a vivência de atividades fora do

acampamento, como relatamos a seguir duas atividades pedagógicas que a escola participou, evidenciando os limites e as possibilidades destas na formação humana dos sujeitos envolvidos.

a) Encontro Sem Terrinha

A Escola Itinerante Sementes do Amanhã participou ativamente des-de a organização até a realização do Encontro Sem Terrinha que aconteceu em outubro do ano de 2006 e foi realizado na Brigada José Martí. Neste

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contro os Sem Terrinhas discutiram sobre a importância da criança na vida do Movimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No decorrer da atividade os educandos desenvolveram tarefas, delegadas anteriormente, como a coordenação dos dias do encontro, das místicas e das oficinas. Estes momentos marcaram a vida destas crianças que na volta para o acampamento relembravam e contavam com entusiasmo os momentos vividos neste encon-tro. Até hoje as palavras de ordem entoadas neste Encontro dos Sem Terrinha estão presentes na escola: “PerdemosAnder13, mas não perdemos a trilha, no

alto do além, sua estrela brilha”; “José Martí, deixou em seu legado, com luta e com estudo, seremos libertados”; “Lerner, Lerner não dá pra esquecer, a morte do Tavares o culpado é você” ; “Brilha no Céu, a estrela do Che,

nós somos Sem Terrinha do MST” . Todas essas palavras foram elaboradas

pelas crianças ou aprendidas na troca de experiências com outras crianças de assentamentos vizinhos

b) Conhecendo uma nova realidade

A participação das Escolas Itinerantes na Escola de Governo foi uma ativi-dade bem distante da realiativi-dade em que vivem as crianças acampadas. Esta acon-teceu em Curitiba, no final do mês de maio de 2006, com a presença de alguns educandos. Dias antes, no acampamento e na nossa escola, todos contribuíram para a filmagem sobre a Escola Itinerante do Paraná.

Foi uma experiência que marcou bastante, pois as crianças ficaram hos -pedadas em um hotel da capital e os acontecimentos foram inusitados. Como, por exemplo, três horas da madrugada uma criança pedir leite para o garçom no corredor, ou subir e descer do elevador sem saber como parar, situações que não fazem partem do cotidiano das crianças. Para este evento, organizamos uma mística com muitos girassóis e todas as Escolas Itinerantes do Paraná foram representadas através de um banner com os respectivos nomes. Tam-bém aconteceu, neste momento, a negociação e assinatura do convênio para a liberação do convênio que possibilita repassar uma ajuda de custo para os educadores. Aproveitamos para apresentar o que é a Itinerante, já que este é um espaço onde os representantes das Secretarias do Estado e políticos participam como convidados.

Esta viagem foi importante para as crianças que aprenderam muito. No trajeto entre Matelândia e Curitiba questionavam os educadores principalmente

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Tabela 1: Número de educandos por ciclos
TABELA 01 – Número de Escolas Itinerantes no Paraná Ano Número de Escolas Itinerantes
TABELA 04 – Total de Alunos e de Turmas atendidas pelas Escolas  Itinerantes no período de 2004 a 2008
TABELA 06 - Reuniões Técnicas - Escolas Base e Itinerantes

Referências

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