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Capítulo I: Sensibilização à diversidade linguística e cultural

3. Diversidade Cultural e Educação Intercultural : Que relação?

3.3. O pré-escolar e a educação intercultural

Como referimos anteriormente (ver 1.3.2.), a educação intercultural não pode ser indissociável da educação para a cidadania já que ambas educam para o saber viver com o Outro de forma a que se construa um equilíbrio entre todos os membros da sociedade, sejam eles ou não autóctones. Ora, a escola tem um papel fundamental na criação de um espaço

23 democrático que promova a aceitação e valorização do Outro, para que todos possamos viver em harmonia (cf. Stoer & Cortesão, 1999). Neste sentido, há que desenvolver nas crianças competências culturais, ou seja, desenvolver conhecimentos, capacidades e atitudes, que lhes permitam viver numa sociedade multicultural, ajudando-as a entender, respeitar e partilhar as diferenças. Assim, as crianças devem encarar a diversidade de forma equilibrada, como algo enriquecedor e não como algo ameaçador ou sem valor.

A educação pré-escolar deve orientar o trabalho para este fim pois é no primeiro contacto com um grupo educativo extrínseco à família que a criança absorve os comportamentos e as regras fulcrais para a vida em sociedade. Desta forma, é importante educar as crianças para a existência de diferentes culturas desde tenra idade (cf. Perotti, 1997). Não esqueçamos que alguns dos objetivos da educação pré-escolar são a promoção do “desenvolvimento pessoal e social da criança, com base em experiências de vida democrática numa perspetiva de educação para a cidadania” e “Contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso à escola e para o sucesso da aprendizagem” (Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, 1997, p. 671).

A educação de infância é considerada a primeira etapa da educação básica e tem como objetivo principal o desenvolvimento completo da criança, até aos seis anos de idade, no que diz respeito a aspetos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais. A ação da família e da comunidade em geral são aspetos que se tornam complementares (cf. Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar, 1997).

As atitudes de autoconfiança, colaboração, responsabilidade e apoio são reforçadas pelas experiências iniciais, que marcam profundamente um indivíduo, quanto mais positivas ou negativas elas forem. Neste sentido, a educação pré-escolar deve proporcionar às crianças experiências enriquecedoras e constitui um processo de educação do indivíduo em conjunto com a família e a sociedade em que este está inserido.

É nesta fase de desenvolvimento da criança que ela deve contactar com atividades educativas promotoras da interculturalidade. Assim, a educação intercultural torna-se prioritária na formação de todos os educadores e professores já que estes têm um papel de grande relevância na criação de uma sociedade democrática e pluralista. Silva (2002, p. 66) refere que esta educação “não consiste, pois, simplesmente em ensinar crianças e jovens de

24 diferentes culturas. Se a escola não se adaptar à cultura de alunos oriundos de grupos minoritários, estes não alcançarão bons resultados (…)”.

Por sua vez, verificamos que nem sempre o sistema escolar se mostra capaz de fazer frente ao desafio que é a promoção de uma educação intercultural. Neste sentido, Cardoso (1998) explicita que a escola contribui para a criação de desigualdades (sociais, económicas e culturais) existentes nas crianças, cujas oportunidades de sucesso educativo correspondem, de forma proporcional, aos estatutos sociais e às condições económicas. Como refere Franco (2006),

As expectativas dos professores continuam a ser estigmatizadas tendo em conta a cultura e o meio económico dos seus alunos. Devido a todos os estereótipos existentes nas escolas, os alunos pertencentes a minorias tendem a ter baixa auto-estima, a considerarem-se pertencentes a grupos falhados, sem motivação para o sucesso (p. 22).

Nas palavras deste autor, vemos, portanto, que alguns educadores e professores tendem a ter “dois pesos e duas medidas” no que diz respeito à sua interação com os discentes. Desta forma, é necessário que os professores aceitem as diferenças provenientes da diversidade cultural no sentido de promoverem a igualdade no seio escolar. Consequentemente, professores e educadores devem incrementar uma educação intercultural de forma a incutir a autoestima, a motivação e o autoconceito de cada criança.

A educação intercultural tem como prioridade a valorização da pluralidade de culturas e esta constituirá um ponto crucial para o sucesso de todos os alunos. Silva (2002, p. 65) ressalva que a educação nas escolas deve proporcionar a todos, quer minorias ou maioria, “um espaço de aprendizagem, competências, conhecimento mútuo, diálogo, respeito, aceitação, trabalho conjunto tendo em vista um futuro melhor”. Assim, a diversidade de culturas existentes num estabelecimento de ensino serão enriquecidas, pois através da partilha de culturas distintas estaremos a caminhar para a construção de uma nova sociedade cheia de novas oportunidades, valores, conhecimentos e produtos culturais.

Para Banks (1995), a educação intercultural engloba a diversidade étnica, a multiétnica e o antirracismo. O seu objetivo é levar alterações ao ambiente escolar que permitam melhorar a educação entre grupos sociais distintos. No entanto, segundo Baptista (1997), a educação intercultural deve estender-se não só aos problemas sociais mas a toda a cultura da sociedade,

25 num sentido globalizado, o que se torna fulcral na luta entre o respeito pelos direitos humanos, na luta contra o racismo, no combate a atitudes xenófobas, bem como na batalha constante pelo respeito pela diversidade cultural existente.

A educação intercultural visa a socialização de sujeitos enquanto cidadãos de forma que estes possam compreender e até amar os Outros na esperança de que germine um melhor entendimento e diálogo entre diferentes povos. O processo de socialização de um sujeito, em particular da criança, atinge um desenvolvimento preponderante no jardim-de-infância pois é nos primeiros anos que as crianças formam os traços essenciais da sua personalidade. Neste sentido, “Fazer esta socialização em simultâneo com a aquisição de valores de tolerância e de respeito pela diferença é, sem dúvida, um dos papéis mais importantes de qualquer educador de infância” (Franco, 2006, p. 23), já que é no período da educação pré-escolar que a personalidade das crianças se desenvolve através de um processo de formação complexo que depende muito do sistema de ensino.

As escolas e jardins-de-infância têm vindo a sofrer alterações na forma como lidam com as suas crianças/alunos, pois sentem a necessidade de acompanhar o desenvolvimento social e tecnológico e dessa forma tornar a escola numa instituição de ensino mais aberta, dinâmica e eficaz na aceitação e respeito pelo Outro. No entanto, a resistência em inovar, encontrada em muitos contextos de ensino, é um entrave a uma educação intercultural. Neste seguimento, os educadores devem ajudar as crianças a desenvolver comportamentos adequados com todos os que as cercam e é por esta ideia de igualdade de oportunidades no sistema educativo que se rege a educação intercultural.

Até há relativamente pouco tempo, a escola inseria-se num conceito mais homogeneizador e fechado sendo uma das únicas fontes de conhecimento, por isso mesmo discriminava todos aqueles que a nível sexual, económico, cultural, linguístico eram diferentes. No entanto, e face ao fenómeno da globalização que levou a que os contextos de ensino sejam cada vez mais heterogéneos em termos de culturas, a escola atual, uma escola mais aberta e que atende a todo o meio educacional envolvente, discrimina também algumas diferenças entre as crianças. Por conseguinte, cabe aos educadores e aos professores promover os valores de justiça social e equidade, no âmbito de uma educação intercultural, evitando atitudes discriminatórias ou xenófobas (cf. Banks,1981).

26 A educação intercultural deve ser aquela que cresce no seio de uma sociedade e deve contemplar uma diversidade de conteúdos culturais; assegurar várias formas de transmissão adaptadas aos alunos, facilitando o acesso ao conhecimento; preparar os alunos, não só para a existência, mas também para o contacto e a vida com a diversidade; integrar diferentes culturas promovendo a sua interação. Esta educação é sem dúvida uma aposta numa educação para todos, onde a reflexão deve estar presente para que preconceitos, estereótipos e atitudes racistas se extingam,

Se na escola se instituir um verdadeiro diálogo de culturas, não serão só os alunos pertencentes a culturas minoritárias os únicos a serem beneficiados. Também os outros alunos terão oportunidade de enriquecimento dos seus horizontes culturais pela aquisição de novos conhecimentos, pela construção de quadros de referência mais alargados, pela relativização de pontos de vista, pelo questionamento e supressão de estereótipos (Estrela, 1992, p. 39-40). Como podemos atentar nesta citação, o jardim-de-infância e a escola devem ensinar as crianças a saber respeitar as diferenças e saber conviver com elas, criando meios para que a autoestima e autoconfiança dos alunos seja uma realidade, e não apenas um mero sonho. A escola é crucial para combater os preconceitos, as discriminações, procurando garantir igualdade de oportunidades no acesso ao sistema educativo.

A criança, mais do que entender a existência do Outro, tem de aprender a conviver com o Outro. Assim, a implementação de uma pedagogia intercultural, promotora de partilha de experiências, faz com que as “diferenças sejam a origem de uma dinâmica de criações novas, de inovações, de enriquecimentos recíprocos e não de fechamentos e de obstáculos” (Vieira, 1999a, p.68).

Atualmente a escola e o jardim-de-infância deparam-se com um grande desafio: criar um espaço multicultural, onde todos os grupos possam ser respeitados e ouvidos, independentemente da sua cultura, numa sociedade igualitária e democrática. Para vencer este desafio, educadores e professores devem refletir na ação e sobre a ação para que possam construir conhecimento profissional, confrontando as suas conceções e as suas práticas, de forma a conferir se estas são congruentes (cf. Alarcão, 2001), tentando melhorar as suas práticas para que todos sejam tratados de forma igual e todas as culturas com as suas diferenças sejam vistas como um enriquecimento mútuo.

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