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3.3 Investigação empírica: pré-testes

3.3.2 Pré-teste 2: Oito trechos de ruas

Este segundo pré-teste foi concebido com o objetivo de dar continuidade à pesquisa empírica da qualidade da interface público-privada. Nele, elaborou-se essencialmente uma nova ficha de análise, composta tanto de conceitos referentes às áreas de Desenho Universal e Acessibilidade quanto dos preceitos/atributos consagrados na literatura que envolve a temática.

A formulação e a aplicação deste pré-teste também ocorreram em consonância com uma atividade obrigatória vinculada ao Mestrado, o Estágio Docência, que foi efetivado junto a uma disciplina ofertada para os alunos da Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFC. Este fato possibilitou a participação de um maior número de pessoas (total de 25) na pesquisa empírica, acarretando na possibilidade de ampliação da área analisada; de uma rua no Pré-teste anterior, para oito trechos de rua neste.

Assim, os alunos foram divididos em sete grupos com três integrantes cada um e um grupo com quatro integrantes, conformando o total de oito equipes. A justificativa para esta quantidade de grupos e integrantes surgiu na busca por análises que abrangessem distintas partes do território do bairro, tendo sido pautada também na compreensão de que grupos compostos por mais de quatro integrantes poderiam tornar a avaliação mais dispersa e menos proveitosa, tanto para os alunos quanto para a pesquisa.

A seleção dos trechos a serem avaliados ocorreu segundo seis critérios de variedade, particularmente considerando: (1) o uso do solo predominante; (2) as formas de implantação dos edifícios nos lotes; (3) os gabaritos das construções limítrofes; (4) a classificação viária perante a legislação; (5) o fluxo de pedestres; e (6) a proximidade do trecho em relação a polos geradores de tráfego ou demais situações peculiares na dinâmica urbana do bairro61. Com isso, foram selecionados oito trechos, ficando cada equipe responsável pela análise de um.

A partir do que foi evidenciado na aplicação do primeiro pré-teste, optou-se pela aplicação das fichas por frentes de quarteirão – admitindo que a existência de uma única edificação ou lote com boa relação com a rua não tornará a interface público-privada daquele trecho urbano necessariamente mais agradável às pessoas, mas compreendendo que, se um maior número de interfaces possuir qualidades avaliadas como positivas, a percepção do total do trecho da rua poderá ser alterada.

Estipulou-se então que cada equipe ficaria com a média de quatro frentes de quadras, ou seja, quatro fichas de análise a serem preenchidas, exceto casos específicos nos quais o parcelamento do solo da

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Novamente, vale ressaltar que a caracterização e a apresentação de contextos correlatos à morfologia do bairro escolhido serão feitas apenas em Capítulo posterior, quando o bairro será consolidado como estudo de caso efetivo – e não apenas ambiente de realização dos testes primários.

região resultou em quadras extensas ou muito curtas.

Figura 3.10 – Pré-teste 2: explicação da quantidade de trechos e fichas por equipes.

Fonte: Autoria pessoal – pré-teste 2 (Apêndice C).

Foi elaborada uma ficha62 prioritariamente curta, em vista da verificação de repetições e problemas de aplicação ocasionados por uma ficha extensa como a produzida e utilizada no primeiro pré- teste. Assim, os conceitos/atributos selecionados para a análise da interface público-privada foram divididos em 13 itens – compondo uma ficha de folha única a ser preenchida na frente e no verso – a saber:

●  Acessibilidade;

●  Atratividade (uso do solo); ●  Conforto ambiental;

●  Iluminação (pública e privada); ●  Largura das calçadas;

●  Manutenção (limpeza e condições dos pisos); ●  Mobiliário urbano;

●  Permeabilidade visual;

●  Segurança (contra quedas e no trajeto); ●  Seguridade (sensação pessoal de segurança);

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●  Vegetação.

Os critérios foram avaliados contemplando três cenários possíveis – deu-se nota 0,5 para a melhor situação possível (naquele critério – exemplo: ótima manutenção do piso), nota zero para a pior situação possível e nota 0,25 para situações intermediárias. Entretanto, ressalta-se que a nota final de um critério X deveria ser vinculada a quantidade total de lotes/interfaces, ou seja, deveria ser a nota majoritária do contexto daquela quadra - não correspondendo que toda a quadra possui interfaces com aquela avaliação63.

Finalmente obtém-se a nota da quadra a partir da soma total das notas de todos os critérios, para, posteriormente, a nota do Trecho analisado ser obtida a partir da média das notas quadras avaliadas no local. A partir disso, são sugeridas qualidades - ruim, intermediária e boa - e prioridades de prazos (imediato, curto e médio) de intervenção para melhoria da qualidade dos elementos conformados das Interfaces concernentes àquele Trecho. Assim, obtiveram-se os seguintes resultados:

●  Metade dos trechos analisados obteve nota zero no critério acessibilidade e nenhuma frente de quarteirão obteve a nota máxima no quesito. Esta constatação demonstra uma realidade preocupante, ressaltando a relevância da análise desse critério para que o espaço urbano possa ser efetivamente apropriado por todos.

Figura 3.11 – Calçada interrompida por rampa para veículos.

Fonte: Imagem cedida pelos alunos participantes do pré-teste 2.

  No quesito atratividade (uso do solo), constatou-se diversidade de usos apenas em dois trechos. Outros aspectos verificados foram: a necessidade de contemplação de lotes sem uso/vazios e a possibilidade de existência de lotes com testadas muito extensas, colocando a dimensão da testada do lote como um aspecto de influência relevante para a análise dos critérios.

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Nesse ponto, é essencial para melhor compreensão da metodologia a análise da ficha disponível no Apêndice C deste trabalho.

  No item referente à análise do conforto ambiental, constatou-se que metade dos trechos analisados não possui nenhuma interface com proteção contra intempéries (marquises, toldos etc.). Os demais trechos também não apresentaram situações positivas, com notas que variavam entre zero (pior situação) e 0,25 (situação intermediária). Foi discutida ainda a possível relação entre este critério com a quantidade de edifícios verticais e/ou a orientação solar do trecho analisado, pois se verificou que alguns edifícios de gabarito alto produziam sombras contribuindo positivamente para a sensação de conforto tanto nas suas interfaces quanto nas interfaces próximas.

●  Na análise das condições de iluminação, constatou-se apenas uma situação ruim – nos demais trechos as notas variavam, expondo uma situação predominantemente intermediária. Foi discutida ainda a possível relação deste critério com a análise da vegetação, especialmente durante o período da noite, no qual as copas das árvores podem gerar sombras e influir na avaliação.   Quanto à largura das calçadas, verificou-se a predominância de situações intermediárias,

entretanto ressalta-se novamente o problema correlato de acessibilidade.

  As condições de manutenção/limpeza relatadas foram em geral muito boas em todos os trechos, entretanto, destacaram-se os casos dos lotes vazios e/ou impermeáveis visualmente, nos quais se verificou maior índice de despejo de lixo, bem como más condições gerais de limpeza das interfaces.

Figura 3.12 – Condições de manutenção da interface de um lote sem uso.

  A maioria das análises referentes ao critério manutenção/condições do piso demonstrou situações boas e intermediárias. Ademais, destaca-se a percepção dos pesquisadores quanto à semelhança deste critério com outro: segurança contra quedas – o que sugere a possibilidade de união de ambos.

Figura 3.13 – Condições físicas de calçada/via no bairro Meireles, em Fortaleza.

Fonte: Imagem cedida pelos alunos participantes do pré-teste 2.

●  A análise demonstrou ainda a carência de mobiliário urbano na maioria dos casos, com alerta de que quatro trechos obtiveram notas zero em todas as frentes de quadras analisadas, ou seja, praticamente não possuíam mobiliário urbano algum. Foram comuns também relatos acerca da má localização dos poucos mobiliários existentes, que geralmente se configuravam como fatores de impedância (barreiras ao caminhar).

●  No quesito permeabilidade visual, constatou-se que lotes comerciais e/ou com serviços tendem a possuir maiores notas, enquanto lotes residenciais possuem menor permeabilidade. Observou-se ainda que o uso do vidro como opção de fechamento dos lotes e edifícios não se mostrou positivo na análise do quesito, especialmente por vir acompanhado do uso de películas ou cortinas. Alguns pesquisadores acrescentaram ainda a possibilidade desse critério variar com o horário da análise. ●  A análise da segurança contra quedas indicou uma situação intermediária na maioria dos trechos,

porém a segurança no trajeto obteve um maior número de notas altas, o que demonstra que, apesar da condição de manutenção dos pisos, a maioria das pessoas ainda opta por caminhar nas calçadas.

Figura 3.14 – Pedestre com mobilidade reduzida em trecho do bairro Meireles, em Fortaleza.

Fonte: Imagem cedida pelos alunos participantes do pré-teste 2.

●  Quanto à seguridade (sensação de segurança), verificaram-se situações extremas: um trecho com nota máxima e outro com nota mínima – todavia, os debates em sala de aula promoveram a constatação de que a análise do critério variava sobremaneira de acordo com a vivência do pesquisador na cidade.

  A análise do item vegetação gerou certa confusão por parte dos pesquisadores, que relataram ter considerado pequenas vegetações em jardineiras ou vasos como itens possíveis de avaliação, especialmente pela escassez de espécies de maior porte. Assim, foi observada uma situação crítica que, combinada com a análise feita no item conforto ambiental, demonstra uma realidade preocupante referente à qualidade do espaço urbano do bairro.

Outras questões surgiram em debates em sala de aula com os alunos-pesquisadores, como: (1) a proposta de contemplação do limite de velocidade dos carros na via adjacente, aspecto que incomodou sobremaneira alguns pesquisadores enquanto pedestres, que relataram a possibilidade de influência deste fato na escolha do trecho como trajeto preferencial; e (2) a relevância do horário da análise e sua interferência em diversos critérios. Além disso, foram apresentadas propostas de reordenamento dos critérios na ficha e de métodos de exposição dos resultados (no formato de tabelas, gráficos, mapas etc.).

Finalmente, contatou-se que metade dos trechos avaliados é composta por interfaces público- privadas de qualidade ruim, com necessidade de intervenções imediatas nas calçadas, elementos de

fechamento dos lotes e/ou fachadas das edificações. A outra metade dos trechos obteve notas que os enquadravam como compostos por interfaces de qualidade intermediária, necessitando de intervenções a curto prazo. Logo, nenhum caso obteve nota máxima na análise, ou seja, nenhum dos oito trechos avaliados foi percebido como conformado por interfaces público-privadas de boa qualidade, segundo os atributos selecionados e correlacionados com a usabilidade/presença de pessoas nas adjacências e, assim, com o conceito de urbanidade.

A partir do exposto, entende-se que este segundo trabalho empírico cumpriu seu objetivo, sobretudo por expor, de forma inédita, a situação atual das interfaces público-privadas de uma região da cidade, propondo intervenções e melhorias para o ambiente urbano.

Entretanto, questionamentos e percepções obtidos na realização dos estudos em campo – deste pré-teste e do anterior – expuseram a possibilidade de influência de outras variáveis (e critérios) para a análise da qualidade da interface público-privada, ou seja, começou-se a questionar o grau de interferência da (micro)morfologia da interface nos aspectos que envolvem o conceito de urbanidade do espaço.

E este fato é discutido sobretudo na análise proposta por um trabalho empírico de maior escala – correlato à temática e realizado em outras cidades do Brasil –, que provocou questionamentos relevantes, a serem abordados a seguir.