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3.3 Investigação empírica: pré-testes

3.3.1 Pré-teste 1: Rua Joaquim Alves

O primeiro pré-teste dos mecanismos de análise da interface público-privada foi realizado no bairro Meireles53, em Fortaleza, durante o ano de 2016. O desenvolvimento deste trabalho ocorreu em consonância com a disciplina de Desenho Universal54, que teve sobre ele influência fundamental – sobretudo na intenção de alinhar a avaliação do ambiente da interface com os preceitos de análise das condições de acessibilidade espacial55 urbana.

Essa decisão deu-se a partir da compreensão de que aspectos relacionados à acessibilidade devem ser uma variável sempre presente em estudos sobre a forma urbana. Entretanto, avaliações que consideram esse critério – e o avaliam de forma correta – parecem ser pouco comuns, havendo apenas a verificação de elementos como rampas ou pisos táteis56.

Logo, optou-se por utilizar o critério acessibilidade como base para a elaboração da primeira metodologia e pesquisa empírica proposta, com a utilização das fichas de avaliação de acessibilidade de praças em Fortaleza57 como referência para elaboração de uma ficha própria. Assim, os critérios/atributos selecionados para a análise da qualidade da interface público-privada foram divididos de acordo com seus elementos conformadores, avaliando-se, essencialmente:

●  Condições viárias (categoria/dimensão da rua, existência/adequabilidade das vagas para veículos e faixas para pedestres);

●  Calçadas (conformidade ou não com os preceitos da NBR 9050/201558);

●  Presença ou fluxo de pedestres (tanto estáticos quanto em movimento), além da existência de polos geradores de fluxos pedonais nas proximidades da área analisada;

●  Níveis de permeabilidade visual e opções de acesso das interfaces (existência de fechamentos); ●  E ainda observações acerca das edificações adjacentes aos lotes analisados, verificando seus

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Esse bairro será posteriormente contextualizado na dinâmica urbana da cidade e, assim, caracterizado social, econômica e espacialmente – por tal motivo, figura neste Capítulo essencialmente como possibilidade espacial para

realização de testes empíricos primários, e apenas em Capítulo posterior aparecerá como efetivo estudo de caso.

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Disciplina optativa integrante da Linha de Pesquisa denominada Planejamento Urbano e Design da Informação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Ceará (PPGAU+D/UFC), ofertada sob a orientação da Professora Zilsa Santiago.

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Existem diversos tipos de acessibilidade; para aprofundamentos ver: BAHIA, Sergio R. (Coord.); COHEN, Regina; VERAS, Valéria. Município e Acessibilidade. Rio de Janeiro: Ibam/Corde, 1998.

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Ver crítica feita ao final do estudo intitulado Análise de Métodos de Avaliação da Qualidade de Espaços Destinados

aos Pedestres, disponível no Apêndice A deste trabalho.

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SANTIAGO, Zilsa M. P.; SANTIAGO, Cibele Q. de; SOARES, Thais S.. Acessibilidade no espaço público: o caso das praças de Fortaleza, p. 260-271. In: Anais do 15º Ergodesign. São Paulo: Blucher, 2015.

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Associação Brasileira de Normas Técnicas – Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos (válida a partir de 11 de outubro de 2015).

usos, gabaritos, qualidades das fachadas principais e dos recuos frontais.

O método foi aplicado em um trecho de rua localizado na porção oeste do bairro Meireles, em Fortaleza. Entre os motivos para a seleção desta via, especificamente, estão: a percepção de usos variados do solo urbano, a existência de edificações com morfologias distintas e um bom fluxo de pedestres no local59.

A partir de análises de Regulações Urbanas na região, descobriu-se que essa rua se localiza entre duas Zonas distintas – reguladas a partir de pressupostos também distintos. Um lado da via está sujeito a um processo de Regularização Fundiária – pois é delimitado legalmente como Zona Especial de Interesse Social (Zeis) – e o lado oposto abrange o que se entende por Zona da Orla – com indicadores urbanos bem definidos.

Figura 3.4 – Entorno da área analisada no pré-teste 1.

Fonte: Adaptado do Google Earth – pré-teste 1 (Apêndice B).

Com isso, notou-se o poder de impacto da Legislação Urbana sobre a configuração das interfaces público-privadas. Este fato foi confirmado pela observação de um maior número de práticas de autoconstrução nas interfaces localizadas no lado da Zeis. Assim, nas edificações localizadas dentro deste perímetro observaram-se práticas comuns como o avanço sobre os recuos (especialmente os frontais) e o desrespeito quanto à dimensão da testada do lote (menor que o mínimo permitido). Já nas edificações em conformidade legal – localizadas no lado oposto da rua – percebia-se a existência de recuos e uma maior utilização de elementos de vedação dos lotes.

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Mais detalhes sobre a seleção desse Trecho podem ser encontrados no estudo disponível na íntegra no Apêndice B deste trabalho.

Figura 3.5 – Vista área da área analisada no pré-teste 1.

Fonte: Adaptado do Google Earth – pré-teste 1 (Apêndice B).

Não se julgou, porém, que as interfaces localizadas em área de Zeis possuíam necessariamente características danosas ao ambiente urbano. O que se percebeu, na verdade, foi que alguns elementos da morfologia informal podem até ser benéficos ao ambiente adjacente do passeio e da rua. Em aspectos como o tamanho dos lotes (menor), o gabarito das edificações (também menor) e seus acessos, usos e elementos de fechamento, as interfaces desta região são avaliadas de forma positiva sob a ótica dos atributos expostos na seção anterior deste Capítulo.

Todavia, não se pretende advogar a favor da informalidade urbana por se verificarem vantagens morfológicas nessas porções da cidade, pois entende-se sobretudo que existem condições financeiras, sociais e espaciais (como a pouca disponibilidade de espaço perante a grande demanda por moradia) que implicam diretamente nas formas de ocupação dos edifícios nesses espaços60.

Ademais, no que tange à avaliação das condições físicas de acessibilidade das interfaces, as calçadas localizadas na região que espera por um processo de regularização fundiária foram avaliadas negativamente quando comparadas ao tratamento verificado na parte da via delimitada como Zona da Orla (ver Fig. 3.6 e 3.7 abaixo).

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Esses fatos expõem questões importantes e mais abrangentes, não restritas apenas à influência de Legislações Urbanas sobre a morfologia da cidade, mas contemplando também a influência de fatores econômicos intrínsecos à atual dinâmica urbana, que tendem a tornar áreas mais estruturadas da cidade (e assim, mais valorizadas financeiramente) em cenários-base de uma grave disputa por espaço, especialmente por moradia. Esse aspecto leva a reflexões sobre o papel do Estado – como regulador singular tanto dos espaços privados quanto dos públicos urbanos – na construção e configuração do ambiente de estudo: a interface. E é especialmente nesse sentido que esta dissertação pretende – posterior e finalmente – contribuir.

Figura 3.6 e 3.7 - Lote localizado dentro do perímetro da ZEIS

Fonte: Acervo Pré-teste 1 (Apêndice B)

Apesar da variância das observações em função do lado da via, por se tratar de espaços regulados de forma distinta, foram percebidas semelhanças, especialmente em relação às condições físicas das calçadas – como descontinuidades (cada lote possuía calçada com condições e características distintas), dimensões inapropriadas (largura menor que o mínimo permitido), barreiras ao caminhar, desníveis consideráveis (tanto na relação calçada-via quanto na relação calçada-calçada adjacente), além da inexistência de rampas. Ademais, observou-se uma grande quantidade de interfaces com poucas – ou até ausência de – características de visibilidade/permeabilidade com o ambiente externo, aspecto que vai de encontro aos pressupostos/atributos qualitativos da interface apresentados anteriormente.

Figura 3.8 e 3.9 - Pré-teste 1 - descontinuidade e ausência de acessibilidade física das calçadas.

Fonte: Acervo Pré-teste 1 (Apêndice B)

As discussões acerca dos resultados obtidos em campo se concentraram ainda em comentários e percepções sobre a configuração da ficha de análise, visto que esta foi alvo de dúvidas estruturais durante toda a ida a campo. A ordenação dos atributos/critérios a serem avaliados; a inadequação do sistema "existente/adequado" – proveniente das fichas de análise de acessibilidade espacial; a percepção de análises semelhantes em distintos critérios; e a relevância do espaço para "observações por escrito" – amplamente utilizado pelos pesquisadores – foram algumas importantes constatações que levaram a questionamentos acerca da viabilidade estrutural da ficha elaborada.

Ademais, constatou-se que análises posteriores devem ser feitas investigando a interface do quarteirão como um todo, pois percebeu-se que a descontinuidade no tratamento morfológico das interfaces (variação lote a lote) não condiz com a percepção dos pedestres acerca do ambiente. Isso se deve ao fato de que o ambiente de transição é geralmente percebido pelo transeunte no percurso ao longo de todo o passeio, sendo interrompido apenas por ruas nas mudanças de quadras. Nesse contexto, admite- se que a avaliação da interface deve ser mais condizente com a experiência do usuário (pedestre) no espaço urbano, aspecto que também pode vir a contribuir para investigações mais eficientes em termos do tempo despendido em campo.

Evidencia-se, então, o papel crucial deste primeiro pré-teste no contexto da pesquisa mais ampla vinculada a esta Dissertação, sobretudo por (1) possibilitar discussões essenciais para a melhor compreensão tanto do objeto de estudo como dos procedimentos metodológicos necessários para sua correta avaliação; e também por (2) trazer à tona a relevância das regulações urbanas para a conformação

do ambiente da interface.

A seguir será apresentado o segundo pré-teste em campo, resultante de aprimoramentos referentes aos problemas encontrados na aplicação deste primeiro.