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Como vimos, Rosales sai de Hamburgo em torno de 1652-1653.353

Deixou a cidade após anos de sucesso e felicidade, mas também de tristeza e ruína econômica. Os ventos da política espanhola mudaram. Seu amigo e protetor Francisco de Melo não mais existe e o Conde-Duque Olivares não governa mais.

Este cenário desfavorável deve ter sido o pano de fundo que o levou a trocar de residência, indo morar em outra cidade com comunidade judeu-portuguesa estabelecida, onde já vivia sua irmã Rachel e outros familiares. Ao contrário de Hamburgo, Amsterdam e Londres, a comunidade de judeus hispano-portugueses estabelecida em Livorno já encontrara uma cidade com judeus que nela residiam antes de sua chegada. Apesar de se manter separada, ela acabava por receber o impacto do milenar judaísmo italiano que a rodeava.354

Seguindo seu costume, Rosales tratou de se aproximar de algum governante local. Neste caso, Cósimo de Medici de Florença, a quem dedicou o seu TRIUM VERARUM, escrito em 1653 e publicado em 1654. Esta foi a última obra publicada por Rosales, sendo que a única novidade, escrita para a publicação desta obra, tenha sido o quarto livro do Foetus

353 O acordo de união das três comunidades em Hamburgo, do qual como já

vimos Rosales foi um dos signatários data de 23 de yiar do ano 5412 que equivale a 1 de maio de 1652. O TRIUM VERARUM foi finalizado já na Itália em setembro de 1653.

354 A respeito da comunidade judaica de Livorno ver TOAFF, Renzo, “La Nazione

Ebrea Di Livorno dal 1591 al 1715 Nascita e Sviluppo di uma Comunità di Mercanti” in TOAF, Ariel& SCHWARZFUCHS, Simon (ed). The Mediterranean

and the Jews, Banking, Finance and International Trade (XVI-XVII Centuries).

Astrologici.355 Contendo novos vaticínios, mais dirigidos ao contexto da

política local. No final deste livro, Rosales promete um quinto livro no qual tratará da esperada Monarquia Suprema, trará à luz o Nome Divino.356

Como já vimos, o ano de 1653 era central nos vaticínios de Rosales, pois era o esperado ano das grandes transformações. Mas este ano foi sucedido pelos demais e nada de tão significativo ocorreu. Seria este um dos motivos para uma apatia de Rosales nos seus anos de Livorno em relação à sua produção intelectual? Depois do TRIUM VERARUM nenhuma obra sua foi mais publicada, e não temos indício que sequer tenha sido produzida qualquer obra manuscrita. Parece que seu ímpeto, sua vontade de escrever, de anunciar o glorioso futuro iminente, o abandonou.

Talvez tenha vivido mesmo uma “síndrome da profecia não realizada”. Ou os percalços de sua vida em Hamburgo, em especial sua falência econômica, sua perda de importância política, tenham o colocado numa posição menos entusiasmada e mais moderada. Os destinos de Portugal também se consolidavam como nação independente, sob a égide dos Bragança, sem nenhum indício de uma governança mundial sob domínio lusitano, sequer o de uma unificação ibérica centrada em Lisboa. Se realmente constitui novo matrimônio em Livorno, como já vimos acima, talvez tenha resolvido iniciar uma nova etapa em sua vida.

Indícios neste sentido temos na correspondência que manteve com

355 A primeira parte, sobre o que chamava “a verdadeira composição do mundo

contra Aristóteles” parece que já existia em manuscrito, em português, já nos anos 20. A última parte é a reedição do Epos Noetikum com algumas pequenas alterações e acréscimos. Os três primeiros livros do Foetus Astrologici têm algumas adições nas notas de margem, mas o conteúdo é o mesmo do da edição de 1644.

356 FOETUS 2 p.89: “Liber quintus adhuc in lucem exibit fauente DIVINO

autoridades portuguesas no final dos anos 50.357 Embora na mesma esteja

presente o tema sebastianista, este já é focado na independência de autonomia portuguesa. Até o tema de “ilha encoberta”, mito sebastianista segundo o qual D. Sebastião aguardava numa ilha, na qual não envelhecia, o momento para se manifestar, é trazido à baila.358 Temos uma carta para o

rei Afonso VI, onde prevê seu grande sucesso e dedica sua fidelidade e estima e a quem chega a pedir uma goma especial de especiarias, para melhorar seu hálito.359

Este quadro demonstra o espírito de alguém que quer recompor suas relações com seu país natal, depois de tantos anos de serviço a favor da Espanha. De qualquer modo, não observamos nenhum movimento em Rosales de abjurar do judaísmo. Os testemunhos já citados, dos dois padres portugueses, de Rosales na sinagoga são de Livorno, onde em 1660 integra a Santa Companhia de Dotar Orfãs, instituição importante nas comunidades daqueles dias.360

Os últimos anos de Rosales estão envolvidos neste silêncio de alguém que tanto proclamava suas certezas messiânicas. Tudo indica que faleceu em 1662, durante uma viagem a Florença para atender a Duquesa

357 SILVA-Livorno,pp. 68-75.

358 Em nenhum de seus escritos Rosales adere a este mito. Pelo contrário, No LUZ

PEQUENA, p.52: “...com isto explicarei o equívoco dos Sebastianistas, que ainda que entendemos os que o somos, que el-rei D. Sebastião não morreu na Batalha de África (pois temos disso demonstrativa certeza), contudo, não esperamos por ele para o domínio de Portugal. Rei temos nele, por e-rei D. Sebastião, entendemos seu sangue e verdadeiro herdeiro, e porque também, num século de seu nascimento, se cumprem os meus prognósticos sobre este reino: nasceu no ano de 1553 até o ano de 1653, prognostiquei”. Aqui, de novo, o ano de 1653 como data crucial no seu sistema de vaticínios.

359 SILVA-Livorno, p.71.

360 ROTH, Cecil. “Notes sur lês Marranes de Livourne”. Revue des Etudes

de Strozzi.361 A outra data oferecida por Kayserling362, 1668, parece pouco

provável. Apesar de seu silêncio, difícil imaginar que alguém como Rosales passaria pelo vendaval sabateísta, de 1665-1666, incólume. Também a alegação de que escreveu um texto hebraico para sua lápide, carece de qualquer indício e plausibilidade.363 Seu túmulo não mais existe.

Ao terminarmos de abordar uma de suas facetas, Rosales o judeu, acabamos por ordenar vários elementos de sua biografia. O que nos permite agora navegar por outros de seus mares que compõem este homem polifacético chamado Jacob Rosales. Próxima estação, Sebastianismo.

361 MACHADO, Diogo Barbosa, op. cit. p. 197.

362 KAYSERLING. Bibliotheca Española-Portugueza-Judaica, p.95.

ROSALES E O SEBASTIANISMO