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3 O ESPAÇO: particularidade de São Bernardo do Campo no contexto de

3.4 A Praça Vivida

Caderno de campo - 17 de julho de 2018.

Chego à praça por volta de 17h30. Havia trabalhado no dia, e antes de acessá-la, parei para almoçar em uma lanchonete de franquia - dado o horário não haviam outras lanchonetes e restaurantes servindo comida. Na praça avistam-se dois microônibus da Base Comunitária Móvel da GCM. Em outras observações, pude ver que essa presença é uma constante. O dia foi ensolarado, porém, ao romper da tarde com a presença da noite se aproximando, sente-se um vento frio, com indícios de que irá esfriar. Uma das bases móveis da GCM deixa a praça exatamente às 17h32. Assim como o espaço não é tão arborizado, não há muitas pessoas. A meu lado, sentado em um banco à direita está um jovem branco interagindo com seu smartphone e portando fones de ouvido. À minha esquerda diagonal vê-se um homem de boné e mochila olhando o movimento dos transeuntes da Rua Marechal Deodoro - principal rua do comércio de São Bernardo do Campo. Ele come salgadinhos sem demonstrar maior atenção ao feito. Parece estar apenas distraindo-se. O tempo passa à sua frente e ele parece furtar-se a pensamentos longínquos. Ao mesmo tempo, aparenta esperar alguém. Este é negro. Dos comércios, lojas e bancos, brilham seus letreiros em neon. Apesar de um certo fluxo de pessoas, as lojas mantém-se abertas porém espaçadas, à espera de serem preenchidas. Ainda que para seus trabalhadores a única espera é pela hora de dar boa noite aos colegas e seguir seu rumo noturno: casa, escola, faculdade, escola da prole, etc. Algumas barracas ambulantes circundam a praça: uma delas vende garrafas d’água e “côco gelado”. Outra à sua direita oferta pipoca - salgada e doce - assim como batata chips. A jovialidade e juventude dos primeiros vendedores contrasta com a face abatida e desgastada do segundo. Logo à esquina da Rua Marechal Deodoro com a Rua Rio Branco, trabalhadoras de uma barraca de almofadas

e “camas para pets” (animais de estimação) passam a recolher os produtos. Uma base móvel da GCM persiste. Olho no celular e são 17h46. A noite vem tingindo o céu com sutileza. Dos carros veem-se as lanternas ligadas. A lua nova ganha forma cada vez mais definida pelo contraste de sua luminosidade ascendente. Olho para a capelinha que se encontra meio pintada nas cores azul e branco e meio marcada por nomes próprios e dizeres pichados. Difícil acreditar que essa pouco notada capelinha - frente à suntuosidade da igreja matriz que a encobre - foi motivo de uma celeuma que chegou às mãos de Dom João VI, único rei metropolitano a pisar em suas colônias - fugindo do segundo escalão da tropa comandada pelo general Janot a mando do temido Napoleão – e que do Rio de Janeiro determinou em 1812 que a “paróquia” fosse construída nas terras que o engenheiro fulano de tal acreditasse ser as mais adequadas. A população estava desejosa de missas regulares, batismos, casamentos e enterrar seus mortos com benção divina. Penso no trabalho de construção. Sangue, suor e lágrimas negras ali alienaram suas habilidades e conhecimentos. Provavelmente indígenas também, pois somavam 427 e entre estes 55 eram cativos. Sabe-se que eram 330 negros de acordo com o censo de 1838, dentre eles africanos e brasileiros. Se eram de origem do tronco linguístico banto? muito provavelmente, mas esse conhecimento até então é um terreno movediço. Me peguei pensando se haveria alguma continuidade entre esses, e os descendentes negros e indígenas que hoje frequentam a Batalha, ou se são frutos de outras migrações.

Entro na igreja matriz, basílica menor. Está relativamente vazia. Apenas alguns jovens conversam ao fundo, enquanto alguns fiéis - não mais do que se pode contar com os dedos das mãos - concentram-se em sua adoração - ou apenas em seus pensamentos fugidios. A padroeira é Nossa Senhora da Boa Viagem - imagem saliente e em destaque no altar. A luz está baixa, pouco convidativa à presença de pessoas. 18h00. Os sinos avisam a cidade. Um canto sacro (o qual não tenho capacidade de identificar) vibra nos alto falantes presos à parede frontal da basílica. Vê-se algumas pessoas adentrando-a. Desço as escadas. Avisto agora a igreja a partir da visão que se tem da parte baixa da praça. As cruzes que adornam o local “sacro” estão iluminadas (de azul neon) assim como o relógio (de branco) e a possível sala dos sinos da torre (em verde). Um vitrô central colorido, ao ser iluminado, ilumina o portão central de acesso. Por um momento, os roncos dos motores dos carros passando nas ruas vizinhas deram o tom do ambiente. Os pensamentos que antes me remetiam a séculos passados agora mostram a sonoridade do tempo presente. A praça em si não é tão bem iluminada, apenas modestamente. 18h27. A praça começa a ter um fluxo maior. Na parte mais próxima ao local que ocorrem as batalhas já vê-se uma pequena aglomeração de jovens. Na parte de cima, mais próxima à igreja, cinco adolescentes interagem, cada qual com sua bicicleta. Sentado estou na escadaria

da igreja, avisto em minha diagonal o prédio de 10 andares atribuído à antiga sede do Banco Noroeste, primeiro arranha-céu da cidade e de propriedade de Wallace Simonsen. Adentro novamente a igreja. 18h35 e já há uma missa em andamento. Poucas pessoas estão acompanhando-a. Não mais que 25. Uma placa na entrada, informa que Bento XVI alçou a paróquia à condição de Basílica Menor em 2013. “Ave Maria cheia de graça, o senhor é convosco, bendito sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre: Jesus”. Assim repete por diversas vezes o padre. Finalizando: “Glória ao pai, ao filho e o espírito santo”. Faz a reza dos “mistérios da dor”. 18h45 e os sinos ressoam. Estou novamente na praça. Zas135

e Preto estão com os equipamentos. Um tripé de caixa é armado, e a caixa de som alocada. Rato136 se junta ao grupo que vai montando os equipamentos - ao som dos sinos

que não cessam. Pequenos grupos vão se formando ao largo da praça. Sente-se ao longe um “cheiro de fumaça” que “vai perfumando o ar”. Skatistas e bikers circulam no entorno. A calmaria torna-se mais dinâmica na praça, quase uma expressão alegórica da cidade caótica. 18h51 e as caixas são ligadas. Nos falantes o som ressoa e “bate pesado”. Microfones passam por um teste, para depois testarem os MC’s. Retorno à igreja para ter a percepção se o som da caixa rolando na praça interfere em seu interior. Apesar de abafado devido a distância, o som penetra no templo e disputa a atenção dos fiéis. Nesse instante, 18h57, contam-se 50 religiosos no interior da basílica. Ao retornar à praça me encontro com duas lideranças do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), informando-me que fariam uma assembleia naquele momento, com um dos “núcleos” da Ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo contemplados com terreno a ser garantido pelo governo estadual paulista137. Ao mesmo tempo, Preto, Zas, Rato e TR138 se reúnem para que TR informe qual será a estratégia de marketing para lançar suas novas músicas. Refletem juntos. Dentro da igreja, a qual retorno, mantém-se a missa. O peso ressoado das caixas de som da praça rasgam as fronteiras das paredes e pilastras do local. Não impede o andamento da missa, mas pode ser notado. É perceptível o contraste entre o andamento da missa e o movimento que se percebe no lado de fora. “Postura evangélica livre dos conceitos e preconceitos do mundo” se ouvia de dentro da basílica, entoado por uma voz feminina. Uma música com acompanhamento de violão ressoa enquanto um homem e uma

135 Zas é um rapper morador de São Bernardo do Campo que auxilia na organização do evento, apesar de não ser

um membro do grupo que organiza a Batalha da Matrix. Preto é Lucas Fonseca do Vale, um dos organizadores do evento - o perfil dos organizadores será exposto no próximo capítulo.

136 Rato é também um dos organizadores do evento. Será apresentado no próximo capitulo.

137 Após 7 meses e 7 dias, em 08 de abril de 2018 a ocupação firmou o acordo com o Governo do Estado. Ver:

MTST, Povo Sem Medo de São Bernardo levanta acampamento após conquista e marcha por Lula Livre. MTST Noticias, 12.04.2018. Disponível em: https://mtst.org/mtst/povo-sem-medo-de-sao-bernardo-levanta- acampamento-apos-conquista-e-marcha-por-lula- livre/ Último acesso em 12/03/2019.

mulher passam com uma sacola de pano em pedido de dinheiro. Na praça, 19h28 acontece o sorteio das/os 8 MCs a completar as/os 16 que duelarão na noite. Ao redor da praça permanece o vendedor de pipoca, mas soma-se a ele um vendedor de bebidas alcóolicas, “vinho” e “Duelo”. A atividade inicia exatamente às 19h35. Cerca de 200 pessoas encontram-se na parte de baixo da praça, próximos ao “banco sagrado” das batalhas, e cerca de 100 pessoas encontram-se na parte de cima, aglomerados e dispersos com suas bicicletas e skates. Somam- se a esse público inicial, cerca de 60 pessoas do núcleo do MTST em assembleia. Ao longo da noite o espaço da praça vai se completando. Começam as batalhas!

Vista central da Villa de São Bernardo, 1925

Coleção Hugo Duzzi. Seção de Pesquisa e Documentação do Centro de Memória de São Bernardo do Campo.

4 AS BATALHAS - DINÂMICAS DO RAP EM SÃO BERNARDO DO CAMPO

4.1 “São Bernardo também está na pista”. Do ABC Rap ao Rap ABC

No ano de 1996, Elaine Nunes Andrade apresentou a sua dissertação de mestrado para a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Até o presente momento, é reconhecida como a primeira dissertação de mestrado destinada ao Hip Hop no Brasil defendida em um programa de pós-graduação. Os sujeitos de sua pesquisa foram “jovens rappers de São Bernardo do Campo” organizados na Posse Hausa, fundada em 26 de junho de 1993. Em suma, o eixo central de investigação da autora era compreender a “mobilização dos jovens negros enquanto um movimento social desta camada popular, bem como analisar o processo educativo que emerge desta ação coletiva juvenil e a sua utilidade para os jovens que dela participam” (ANDRADE, 1996, p.11).

Enquanto resultado de sua pesquisa, a autora caracterizou o Hip Hop como um movimento social, por ser uma representação dos negros e dos jovens, que se mobilizam não apenas pelas carências socioeconômicas, mas pelas mediações simbólicas no plano sociocultural. Agindo em torno da centralidade da “questão racial”, pelo orgulho e identidade negra instrumentalizados pela relação com o Movimento Negro Unificado (MNU) em sua seção municipal, esses sujeitos promoveram um duplo processo educativo que se retroalimentava, a partir da educação política e a educação alternativa. A primeira seria dada pelo processo de conscientização - o senso crítico - sobre as desigualdades sociais e raciais, tendo na formação da Posse o instrumento de organização que simultaneamente trabalhava a auto-estima de seus membros, possibilitando o exercício da cidadania por meio de seu caráter reivindicatório frente às instituições do poder público e da sociedade civil. Quanto à segunda, expressa a autora:

Enquanto uma entidade representativa de um movimento negro juvenil, eles desenvolvem o fator “educativo” na prática social do grupo, ou seja, na educação política decorrente do trabalho em grupo. E no processo de articulação do grupo, nas tarefas que permeiam a organização dos eventos, nas atividades que fortalecem a vinculação dos membros - que são por sua vez - o manuseio de um dos componentes da cultura jovem (a música, rap), observamos o processo intencional da ação pedagógica, que possivelmente dentro das perspectivas desta pesquisa, poderemos denominar: educação alternativa (ANDRADE, 1996, p.103).

Percebe-se que a autora considera a educação alternativa como decorrente das práticas artísticas que estimulam a inserção na cultura letrada e institucional, isto é, além de exigir o aprimoramento artístico e cultural em relação à música Rap, a Posse forma o meio reivindicatório da ação, garantindo visibilidade e reconhecimento no âmbito individual e coletivo diante das instituições públicas e das entidades do movimento negro. Entretanto, ainda que fosse verdade o fato da predominância de jovens com faixa etária entre 15 e 23 anos no seio dos 24 membros da Posse Hausa, haviam também as figuras de Nino Brown - que à época ainda não tinha recebido o título de King - e Marquinhos Funk Soul, ambos com mais de 30 anos de idade nesse período. Se essa informação invalida a caracterização do Hip Hop como um “movimento negro juvenil”, não nos parece que assim seja, ao buscarmos ser coerentes com o contexto da época. Marília Pontes Spósito (1993, p.167) já visualizava o Rap como parte de dois fenômenos, sendo eles: enquanto gênero musical (mecanismo de consumo ou mercado jovem, na aquisição de discos, presença em bailes e rádios FM) e outro enquanto integrado ao Hip Hop (como prática de produção cultural). Em sua segunda condição, o Rap seria “produto da sociabilidade juvenil, reveladora de uma forma peculiar de apropriação do espaço urbano e do agir coletivo, capaz de mobilizar jovens excluídos em torno de uma identidade comum”. Esse fator pode inclusive revelar o intercâmbio de gerações no interior desse movimento cultural, caracterizado pelos participantes oriundos dos bailes black e do movimento Funk Soul das décadas de 1960 e 70. Porém, não nos parece também que assim permaneça em sua característica juvenil, dados os mais de 30 anos de Hip Hop no país, apesar de ainda ter grande inserção na parcela jovem da população.

Como se dava a organização da Posse Hausa, e qual a posição social de seus membros para além da condição geracional juvenil? Iniciando pela segunda questão, Elaine Nunes Andrade nos informa que seus membros eram todos negros (não eram permitidos brancos como membros efetivos da organização, seguindo o exemplo do MNU), descendentes de migrantes nordestinos ou de Minas Gerais, majoritariamente homens - em grande medida as mulheres que participavam eram namoradas dos integrantes homens, atrelando essa participação à duração do relacionamento -, moradores de periferia das cidades de São Bernardo do Campo e Diadema - ainda que somente um membro à época fosse morador de favela -, de estado civil solteiros - apenas Nino Brown e DJ Lord eram casados, e “DJ Black” estava noivo -, religiosos em grande parte - com simpatizantes do Islã139e do Candomblé, assim como das igrejas Adventista, Renascer e Assembleia de Deus - e

139 O interesse pelo islamismo por parte de alguns membros do grupo se deu por influência da trajetória de vida e luta

de Malcolm X, conhecida no Brasil por meio de sua autobiografia escrita com Alex Haley, e do filme homônimo dirigido por Spike Lee.

em grande parte eram operários - empregados como auxiliares de produção, meio-oficial ferramenteiro, conferencistas, controle de qualidade, assim como vendedores, auxiliar de contabilidade, auxiliar de escritório, etc(ANDRADE, 1996, p.176-229)140. Todavia, um de seus integrantes de nome Fábio San - à época com 21 anos -, trabalhava em um escritório de advocacia. Segundo consta, foi nesse ambiente administrativo que o jovem aprendeu alguns “hábitos rotineiros”, procurando transferi-los para a organização da Posse. Pelo tempo que atuou como “secretário” na Posse Hausa, implementou o livro de ata, assim como introduziu a pauta enquanto orientação dos pontos a ser debatidos nas reuniões. Era responsável também por organizar o prontuário de cada membro do grupo, com o endereço, nome completo, escolaridade, telefone para contato, local de trabalho e função na Posse. Arquivava todas as reportagens sobre Hip Hop e Rap no Brasil, e também todos os documentos produzidos pela organização ou sobre ela, como panfletos, reportagens de jornais, ingressos de bailes e fotografias do grupo. Segundo Andrade (1996, p.216), “durante quase um ano, San foi o principal responsável pela ‘Posse’”.

A organização dividia suas lideranças e tarefas em seis coordenações, cada qual com funções específicas, e mais seis grupos de Rap. De acordo com a autora (1996, p.225-227), as coordenações eram distribuídas em:

1. Coordenação Geral: na função de supervisionar o trabalho das outras coordenações; organizar o livro de ata; elaborar ofícios e ser responsável pela chave do espaço que promoviam as reuniões;

2. Secretaria: no auxílio da Coordenação Geral, responsabilizava-se pela “datilografia” e anotações das reuniões e documentos

3. ;Coordenação de Apoio aos Grupos de Rap: pessoa que apesar de não possuiro formação profissional, exercia a função próxima de uma “direção artística”. Acompanhava os ensaios e submetia as produções musicais - letras, performance e instrumentais - ao crivo da crítica.

4. Coordenação de Imprensa e Arquivista: responsável pela elaboração dos panfletos e pelos contatos com as entidades do movimento negro, assim como tinha a função de arquivar todos os materiais possíveis sobre Hip Hop ou expressões culturais negras.

5. Coordenação de Finanças: responsável pela movimentação da conta corrente aberta pelo

140 Conforme expressou King Nino Brown em entrevista realizada para essa pesquisa, nesse período, após ter

trabalhado em empresas metalúrgicas do ABC como operário na década de 1970 e início de 1980, participando das greves de 1978, 1979 e 1980, na década de 1990 trabalhou como porteiro, em empresas. Função que exerce nos dias atuais, depois de ter trabalhado por 13 anos na biblioteca da Casa do Hip-Hop de Diadema, e recentemente dois anos na Casa do Hip-Hop de São Bernardo do Campo.

grupo desde sua constituição, assim como das arrecadações financeiras recebidas pela organização, por meio das atividades externas ou contribuição mensal de seus membros efetivos.

6. Coordenação de Relações Públicas: nos contatos para shows dos grupos de Rap em eventos, bailes ou casas de show, assim como a responsabilidade por palestras ministradas pela organização.

Entretanto, Andrade (1996, p.228-239) expressa que havia uma flexibilidade de posições e funções no interior da organização, apesar de um coordenador não interfer no trabalho do outro, poderia haver uma opinião ou sugestão sobre o trabalho de determinado coordenador, desde que realizado em momento oportuno: as reuniões administrativas. O calendário regular de atividades se dava aos sábados. O primeiro sábado de cada mês era voltado à reunião administrativa com as coordenações e membros efetivos. Os segundos e terceiros sábados eram destinados a “reuniões livres”, quando poderiam ocorrer ensaios, palestras, recepção de visitantes, participação da Posse em algum evento, etc. Por fim, dedicavam os últimos sábados de cada mês para a exibição de filmes em vídeo, como uma atividade aberta ao público. Os filmes tinham relação com as temáticas raciais negras, como Faça a Coisa Certa; Black Panthers; Mudança de Hábito 1 e 2; New Jack City; Malcolm X; Perigo para a Sociedade; Mississipi em Chamas; Um Grito de Liberdade, entre outros. Apresenta a autora que a Posse Hausa é um exemplo de política democrática141

, visto que nenhum feito era realizado sem votação. “Todos precisam opinar, sugerir, discutir, analisar, averiguar, e por fim, votar” (Ibdem, p.239). Contudo, Elaine expressa que apesar dessas formas de organização, para qualquer observador/a menos atento/a, o grupo pareceria desorganizado. Os motivos seriam diversos. Entres eles:

[...] durante as reuniões quase não dialogam com lógica, como fazem os adultos. Eles brincam, riem, conversam, simultaneamente; quando o discurso do coordenador torna-se sério procuram escutar, votar se for o caso, mas raramente opinam com sugestões, normalmente divagam como se estivessem em outra dimensão - na dimensão da música. Quem apresenta sugestões ou opiniões são os coordenadores que exercem também o papel de lideranças. O que se percebe é que os feitos da “Posse” são definidos além das reuniões. A reunião é a oficialização das decisões, mas é no... lazer... que eles criam e “trocam ideias” (ANDRADE, 1996, p.241, grifo nosso).

141 De acordo com a autora, a Posse Hausa demonstrava um forte laço de solidariedade e receptividade entre os

membros. Isso se dava por conta da distribuição e não da centralização do trabalho de liderança. Segundo Andrade (1996, p.204), “todas as outras ‘posses’ que visitamos pareciam não possuir este mesmo atributo. Em todos os grupos de Hip Hop verifica-se a atuação de um líder, ou seja, aquele que executa as funções de dinamização da ‘posse’, organiza contatos e eventos e conta com a colaboração daquele amigo mais disposto a auxiliá-lo, uma espécie de assessor ou assistente. Na Posse Hausa, a liderança pareceu-nos provisória e circunstancial”.