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Pratica por intermédio de organização criminosa

4.8 Causa especial de aumento de pena

4.8.2 Pratica por intermédio de organização criminosa

A majorante da prática do crime de lavagem por intermédio de organização criminosa estava prevista na redação original da Lei 9.613/98. Contudo, devido à falta de regulamentação legal sobre o conceito de “organização criminosa”, a referida causa de aumento teve sua aplicabilidade prejudicada.

Diante da inexistência de definição legal sobre a definição de “organização criminosa”, os Tribunais passaram a utilizar a definição apreentada pela Convenção de Palermo, que definiu “grupo criminoso organizado” como

[...] grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.283

A Convenção de Palermo foi incorporada ao ordenamento pátrio com o Decreto 5.015/2004 e a utilização de sua definição foi expressamente recomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A Recomendação 03/2006 sugeriu:

281 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e

processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 162.

282 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e

processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 162.

283 BRASIL. Decreto 5.015, de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime

117 a adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ou seja, considerando o "grupo criminoso organizado" aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.284

BADARÓ e BOTTINI criticam a utilização da definição apresentada na Convenção de Palermo. Segundo os autores,

Ainda que se citassem os diplomas mencionados, não existia, à época, uma definição legal vinculante de organização criminosa. A Convenção de Palermo realmente define o instituto, mas o faz apenas para tornar mais claras suas próprias diretrizes, uma vez que o próprio diploma expõe em seu art. 5 que “Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticado intencionalmente: a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a tentativa ou a consumação da atividade criminosa (...)ii) A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em: a.

Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado (...).”285

Esse também foi o entendimento adotado pelo STF na Ação Penal 470.286

Em alegações finais, o Ministério Público alegou que se tratava de norma penal em branco, com sentido preenchido pelo conceito apresentado na Convenção de Palermo. Contudo, seguindo o entendimento dos ministros Ricardo Lewandovski287 e Carlos

284 BRASIL. CNJ. Recomendação n. 03, de 30 de maio de 2006. Ementa: Recomenda a especialização de

varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas e dá outras providências. Brasília, 2006. Item 2, a.

285 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e

processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 165.

286 No mesmo sentido: BRASIL. STF. HC 96.007/SP. Relator Ministro Marco Aurélio. Data de Julgamento:

12/06/2012, Primeira Turma. Ementa: TIPO PENAL NORMATIZAÇÃO. A existência de tipo penal pressupõe lei em sentido formal e material. LAVAGEM DE DINHEIRO LEI Nº 9.613/98 CRIME ANTECEDENTE. A teor do disposto na Lei nº 9.613/98, há a necessidade de o valor em pecúnia envolvido na lavagem de dinheiro ter decorrido de uma das práticas delituosas nela referidas de modo exaustivo. LAVAGEM DE DINHEIRO ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUADRILHA. O crime de quadrilha não se confunde com o de organização criminosa, até hoje sem definição na legislação pátria.

287 “Observo, ainda, que a denúncia, quando imputa a alguns denunciados a prática do crime de lavagem

de dinheiro, invoca o inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/98, que alude a valores provenientes de crime praticado por organização criminosa. Por isso, Senhora Presidente, desde as votações anteriores, sempre fiz ressalva, menção a esse dispositivo quando se trata da lavagem de dinheiro. É possível que, em tese, os denunciados tenham incorrido em outros incisos desse art. 19 da Lei nº 9.613, mas não neste inciso VII,

118 Ayres288, expresso no acórdão que recebeu a denúncia, prevaleceu o entendimento da

impossibilidade de incidência da majorante, sob a seguinte redação:

Certos conceitos ganham tamanho relevo no Direito Penal que exigem regramento próprio. É o caso do conceito de funcionário público, muito mais amplo do que no Direito Administrativo, como se vê do artigo 327 do Código Penal.

Exatamente a mesma coisa acontece com a conceituação de organização criminosa. É a disciplina de um fato, isto é, o que caracteriza essa realidade. Daí o entendimento de que apenas uma lei penal poderia definir a organização criminosa para o efeito de incidência do inciso VII do artigo 1º da Lei nº 9.613/98 na redação pretérita, tanto que em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 6.578, de 2009, com tal desiderato.

Nesses termos, sem viabilidade jurídica, data venia, a imputação aos acusados da formação de organização criminosa, para os efeitos do hoje

revogado inciso VII do artigo 1º da Lei 9.613/98.289

A redação original do §4º da Lei 9.613 foi substituída em 09 de julho de 2012, com o advento da Lei 12.683. A nova redação alterou a redação do texto substituindo sua incidência “nos casos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo”, para abranger todos os crimes definidos na Lei. Contudo, a nova redação pecou ao não fazer qualquer

porque nós veremos que a tipificação do delito de organização criminosa na legislação pátria inexiste. E eu digo o porquê.

Ocorre que, com a nova redação dada aos arts. 1 e 2 da Lei n. 9.034/95, pela Lei n 10.217/2001, o ordenamento legal pátrio passou a ser integrado por três institutos penais distintos, a saber: primeiro, quadrilha ou bando, definidos no art. 288 do Código Penal; segundo, associação criminosa, referida no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, que estabelece normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; e, também, associação criminosa é mencionada no artigo 2º da Lei nº 2.889, que define e pune o crime de genocídio; e, finalmente, a terceira figura, organização criminosa, tratada na citada Lei nº 10.217/2001. No tocante a esta última figura, no entanto, os doutrinadores entendem que, embora mencionada no referido diploma normativo para fim de definir e regular 'meios de prova e procedimentos investigatórios", o legislador não lhe conferiu qualquer adequação típica, atribuindo-lhe, apenas, o nomen iuris” (fl. 012703). BRASIL. STF. Ação Penal n. 470. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Inteiro teor do acórdão. p. 1.208.

288 “A inquietação que assaltou o espirito de Sua Excelência também me tomou de assalto. E fiz um estudo

exatamente sobre este tema da organização criminosa, que não tem previsão em lei brasileira nos seus elementos próprios, como o crime – aliás, nem é crime – e, ai sim, o crime de quadrilha. Fiz umas ligeiras anotações, que me permito ler: Não há nenhuma lei no Brasil definindo o que seja organização criminosa. A chamada lei do crime organizado, que é a de n. 9.034/1995, não define o conteúdo dessa expressão. Por essa razão, uma parte da doutrina entende que é uma locução sinônima de quadrilha ou de bando. Outra parte da doutrina, porém, aparentemente com melhores argumentos, defende que organização criminosa é algo distinto de quadrilha. Nada obstante, a lei não a definiu, e, por isso, não se pode utilizá-la no âmbito penal, em face do principio da reserva legal, que é de berço constitucional: nenhum crime, nenhuma pena sem lei anterior. Para Luiz Flávio Gomes, não se pode utilizar a expressão "organização criminosa" – isso para incriminar condutas – até que uma lei venha e defina o respectivo conteúdo. Em suma, não existe o crime de "formar organização criminosa", nem tampouco essa expressão pode ser usada no âmbito de outros tipos penais para incriminar condutas. (fl. 012715) BRASIL. STF. Ação Penal n. 470. Relator: Ministro Joaquim Barbosa. Inteiro teor do acórdão. p. 1.209.

119 menção ao conceito legal de organização criminosa, deixando sem solução a questão da aplicação da majorante devido à inexistência de definição legal para a expressão organização criminosa.

Com a promulgação da Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, a questão, aparentemente, havia sido solucionada. A Lei definiu, em seu art. 2º, o conceito de “organização criminosa” como:

Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou

superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.290

Apesar de apresentar definição para o conceito de “organização criminosa”, a menção de outra expressão, para os efeitos desta Lei, restringiu a de organização criminosa somente àquela Lei. Esse é o entendimento doutrinário predominate.

Explicam HADDAD e VIANA:

O conceito de organização criminosa estabelecido na Lei 12.694/2012 supria apenas parcialmente a lacuna da Lei 9.034/1995, uma vez que serve apenas aos efeitos da própria Lei 12.694. É essa a dicção expressa do artigo 2º do aludido diploma normativo. Na visão do Juiz Federal Rafael Wolff, trata-se de conceito instrumental, análogo ao expresso na Convenção de Palermo, mas não substitutivo. Para o magistrado, “o disposto no art. 2º aplica-se apenas àquela lei, mantendo-se a vigência da Convenção de Palermo para os demais casos presentes no ordenamento, sobretudo para os fins da Lei 9.034/1995”.

No mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci entende que “vale destacar ter a Lei 12.694/2012 estabelecido um conceito de organização criminosa, embora exclusivamente para fins de sua aplicação”, isto é, a formação de colegiado para o processo e julgamento em primeira

instância dos delitos cometidos por grupos organizados291.

290 BRASIL. Lei 12.694, de 24 de julho de 2012. Dispõe sobre o processo e o julgamento colegiado em

primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e as Leis nos 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, e 10.826, de 22 de dezembro de 2003; e dá outras providências. Brasília, 2012. Art. 2.

291 HADDAD, Carlos Henrique Borlido; VIANA, Lurizam Costa. A Lei 12.850/13 e a evolução no

tratamento legal do crime organizado no Brasil. In: IV CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS CRIMINAIS: CRIMINOLOGIA E SISTEMAS PENAIS CONTEMPORÂNEOS, 2013, Porto Alegre. Anais do IV Congresso Internacional de Ciências Criminais. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2013. Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/cienciascriminais/IV/03.pdf>. Acesso em 12 jun. 2015.

120 Esse também é o entendimento de BADARÓ e BOTTINI, para os quais,

[...] o próprio texto legal informa que tal definição existe para efeitos “desta lei”, ou seja, limita-se a determinar as hipóteses nas quais é possível o julgamento em primeiro grau por um colegiado de juízes. A restrição – prevista pela própria lei – impedia a utilização da definição como parâmetro da causa de aumento da lavagem de dinheiro. Ou seja, mesmo com a aprovação da Lei 12.694/2012, o conceito de

organização criminosa para efeitos da Lei 9.613/1998 ainda não

existia.292

Já no ano seguinte o entendimento sobre o conceito de “organização criminosa” foi alterado.

A questão da aplicação da majorante prevista na Lei de lavagem foi solucionada, com a definição de “organização criminosa” dada no art. 1º, §1º, da Lei 12.850, promulgada em 2013.

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro)

anos, ou que sejam de caráter transnacional.293

Desde a promulgação da Lei 12.850 é pacífico o entendimento quanto a sua incidência para a configuração de organização criminosa e a incidência da majorante prevista na Lei de lavagem de dinheiro.