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4.3.1 Sujeito ativo

A responsabilização de pessoas físicas pela prática do delito de lavagem de dinheiro não provoca debate doutrinário de maior relevância. É uníssono que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa física que pratique alguma das condutas previstas na Lei 9.613/98.189

188 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e

processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 63.

189 Nesse sentido MAIA expõe que “tratando-se de crime comum, não se exige qualquer qualidade especial

do sujeito ativo, que, nestes termos, pode ser qualquer pessoa” MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime. Anotações às disposições criminais da Lei n. 9.613/98. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2007. p. 90. No mesmo sentido, leciona BARROS: “qualquer pessoa física pode figurar como agente lavador”. BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações

90 Da mesma forma, não existem grandes discussões sobre a responsabilização criminal da autolavagem. Conforme já mencionado190, a Convenção de Mérida191 e a Convenção de

Palermo192 previram a possibilidade de ressalva legislativa para a não criminalização da modalidade. Como o Brasil não incorporou tal restrição, não existe qualquer impedimento para que o agente que praticou a infração penal antecedente responda pelo crime de lavagem de dinheiro.

A Lei brasileira não veda expressamente a autolavagem. E tal silêncio parece advogar pela possibilidade da dupla punição, sndo possível imputar à mesma pessoa a responsabilidade pela lavagem de dinheiro e pela infração antecedente caso tenha concorrido para ambos. Isso porque o bem jurídico protegiso pela norma em comento (administração da justiça) é, em regra, diferente daquele afetado pela infração anterior, e a distinção material permite a punição em concurso

material sem que exista o bis in idem.193

A questão que provoca maior debate é a responsabilização da pessoa jurídica pela prática do crime de lavagem de capitais.

Segundo ROCHA, não há meio viável para aplicar a tradicional teoria do delito para a responsabilização da pessoa jurídica.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica é de natureza indireta, por fato praticado pela pessoa física que age em seu nome e interesse, aplicando-se os mesmos parâmetros dogmáticos utilizados para a responsabilização civil da pessoa jurídica, por atos praticados pelas

pessoas que agem em seu nome.194

BLANCO CORDERO destaca que o ordenamento espanhol prevê a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica quando o delito for cometido

civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/1998. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 57.

190 Ver tópicos 3.1.2 e 3.1.3.

191 BRASIL. Decreto 5.687, de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,

adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. 31 jan. 2006. Art. 23, 2, e: “Se assim requererem os princípios fundamentais da legislação interna de um Estado Parte, poderá dispor-se que os delitos enunciados no parágrafo 1 do presente Artigo não se apliquem às pessoas que tenham cometido o delito determinante”.

192 BRASIL. Decreto 5.015, de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime

Organizado Transnacional. 12 mar. 2004. Art. 6, 2, e: “Se assim o exigirem os princípios fundamentais do direito interno de um Estado Parte, poderá estabelecer-se que as infrações enunciadas no parágrafo 1 do presente Artigo não sejam aplicáveis às pessoas que tenham cometido a infração principal”.

193 BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e

processuais penais: comentários à Lei 9.613 com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 76.

194 ROCHA. Fernando A. N. Galvão da. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Belo Horizonte: Del

91 [...] en nombre o por cuenta de las mismas, y em su provecho, por sus representantes legales y administradores de hecho o de derecho» o cuando, estando sometidos a su autoridade, no hayan ejercido sobre ellos «el debido control atendidas las concretas circunstancias del caso (art. 31 bis). 195

Contudo, indica o autor que essa não é melhor opção:

SILVA SÁNCHEZ, con razón, explica que mediante la inclusión del delito de blanqueo en el ámbito de los que pueden ser cometidos por las personas jurídicas (art. 302.2 CP) se está agudizando «el problema de la extensión de la responsabilidad mediante transferencia de funciones policiales de colaboración con la Administración a particulares». A su juicio, «las empresas en su totalidad pasan a convertirse por la vía jurídico-penal en sujetos obligados a controlar posibles operaciones de blanqueo, a detectarlas y a neutralizarlas, so pena de ser hechas corresponsables de ella».196

A legislação brasileira adota posicionamento contrário ao previsto na lei espanhola. BARROS destaca que, por opção do legislador brasileiro,

[...] não existe dispositivo legal que permita punir penalmente uma pessoa jurídica operadora de lavagem de dinheiro, a empresa lavadora, em princípio, não será considerada sujeito ativo no crime, mas apenas seu diretor ou representante estatutário.

Sob o prisma repressivo do direito penal econômico, essa opção do legislador pode dificultar a determinação judicial de medidas processuais penais assecuratórias contra a pessoa jurídica. Entretanto, essa excludente de ilicitude não pode valer para o caso em que a atividade comercial ou socioeconômica desenvolvida seja equivalente ao modus operandi de uma organização criminosa, e desde que a lei penal já tenha estabelecido as características gerais e específicas que

permitam identificar uma entidade dessa natureza.197

195 “Em nome ou por conta das mesmas, e em seu proveito, por seus representantes legais e administradores

de fato ou de direito” o quando, estando submetidas a sua autoridade, não tenham exercido sobre eles “o devido controle, atendidas as concretas circunstâncias do caso” (art. 31 bis). (Tradução livre). BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. 3. ed. Pamplona: Thomson Reuters Aranzadi, 2012. p. 847.

196 SILVA SÁNCHEZ, com razão, explica que, mediante a inclusão do crime da lavagem de dinheiro no

âmbito dos que podem ser cometidos por pessoas jurídicas (art 302,2 CP.) está-se intensificando "o problema da extensão da responsabilidade mediante a transferência, para particulares, de funções policiais de colaboração com a Administração”. Em sua opinião, “as empresas, em sua totalidade, passam a converter-se, pela via jurídico-penal, em sujeitos obrigados a controlar possíveis operações de lavagem, a detectá-las e neutralizá-las, sob pena de ser considerada corresponsável as praticas delitivas” (tradução livre). BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. 3. ed. Pamplona: Thomson Reuters Aranzadi, 2012. p. 848.

197 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários,

artigo por artigo, à Lei 9.613/1998. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 57-58.

92 Muito embora a Lei de lavagem de dinheiro não preveja responsabilização criminal para a pessoa jurídica utilizada para o delito de lavagem de capitais, esse instrumento normativo prevê uma série de mecanismos de controle de natureza administrativa aplicáveis as pessoas jurídicas.198

4.3.2 Sujeito passivo

O sujeito passivo da ação criminosa, segundo definiçãoe de BITENCOURT, “é o titular do bem jurídico atingido pela conduta criminosa”.199 Como não é pacífica a questão de

qual é o bem jurídico tutelado no crime de lavagem de capitais, essa discussão acende o debate sobre qual é o sujeito passivo do crime. O sujeito passivo é indissociável do bem jurídico penal tutelado, uma vez que é seu titular.

Para MENDRONI, que defende a pluriofensividade200 de bens jurídicos tutelados no

crime em destaque, o sujeito passivo “é a sociedade ou a comunidade local, pelo abalo das estruturas econômicas e sociais, além da segurança e soberania dos Estados”.201 De

outro lado, MAIA indica que o bem jurídico tutelado é a administração da justiça202 e

aponta o Estado como o “sujeito passivo principal”.203

Uma vez que esta pesquisa indicou a administração da justiça como bem jurídico tutelado no crime de lavagem de dinheiro, por uma questão de coerência científica, aponta-se que o sujeito passivo é o Estado. A indicação é pautada pela titularidade estatal do bem jurídico violado: a administração da justiça.

Não se desconhece que é possível a ocorrência de dano à sociedade devido ao abalo da ordem socioeconômica. Contudo, sob a ótica da lavagem de capitais, “o uso do produto ilícito que afete a ordem econômica será irrelevante se não for acompanhado de um ato

198 Artigo 9 e seguintes da Lei 9.613/98.

199 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. v. 1 6. ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2000. p. 163.

200 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 75. 201 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 77. 202 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime. Anotações às

disposições criminais da Lei n. 9.613/98. 2. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2007. p.57/58.

203 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro: Lavagem de ativos provenientes de crime. Anotações às

93 de ocultação ou mascaramento que o subtraia das vistas das autoridades de investigação”.204