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Essa seção desenvolve o argumento de que os partidos que compõem a coalizão possuem interesses diferentes, o que possui grande importância na estrutura do argumento construído aqui. A afirmação tem seu valor quando consideramos que os ministros que dirigem as pastas ministeriais são de partidos distintos. Já foi visto anteriormente que os ministérios são utilizados pelo partido que ganha o prêmio máximo no Executivo – a Presidência – como moeda de troca para garantir apoio dos partidos da Coalizão no Legislativo (FIGUEIREDO & LIMONGI, 2001; AMORIM NETO, 2002, 2006). Em troca, os partidos da coalizão buscam influenciar nas políticas e nas decisões do Executivo (BATISTA, 2014).

Um ponto mencionado anteriormente diz respeito à natureza dos interesses divergentes dos partidos que compõem a coalizão. Batista (2014) elabora uma explicação interessante a esse respeito. O Poder Executivo constitui um ente fragmentado de interesses múltiplos, e isso não é uma característica exclusiva do Brasil (Laver & Shepsle, 1990, 1994; Martin & Vanberg, 2011, 2013, 2014). Conforme mencionado anteriormente, os partidos que compõem o governo respondem a interesses distintos. Uma questão delicada é como definir quais são esses interesses. O partido do presidente, aquele que ganha a eleição majoritária, terá o

privilégio de organizar a coalizão, tendo em vista que ele recebeu o prêmio maior, a Presidência. Nesse sentido, o partido presidencial é o formateur, e isso indica quais serão as preferências gerais do governo. Imagina-se que os partidos que participam do governo possuem preferências próximas às do partido vencedor do pleito majoritário.

No entanto, estudos empíricos demonstram que as preferências não são necessariamente o único fator que indica quais os partidos que integrarão a coalizão. Amorim Neto (2006) demonstra que a formação se deve mais ao tipo de estratégia decisória dominante do governo: 1) se o Presidente optar por “procedimentos legislativos padrões”, com projetos de lei, a coalizão tende a ser uma combinação que obtenha uma força majoritária votos no Poder Legislativo; ou 2) se o Presidente optar por uma governança mais centralizadora, com decretos-leis e medidas provisórias, a tendência será uma opção por coalizões minoritárias. O tamanho e a complexidade da coalizão variam de acordo com tais afirmativas.

A priori, estudos sobre a formação de coalizões não deveriam interessar uma análise que tem por enfoque as decisões de gabinetes multipartidários. Não obstante, é de se imaginar que a formação da coalizão pode ter algum tipo de impacto sobre a condução do Executivo, não sendo apenas uma estratégia de articulação com o Poder Legislativo. Caso contrário, não haveria razões para mecanismos que o presidente busca implementar para tentar controlar os demais partidos do governo.

Os partidos que compõem a coalizão ajudam o partido do Presidente a constituir, portanto, uma maioria no Congresso para aprovar projetos de lei de iniciativa do Executivo. De acordo com a tese da conexão eleitoral (MAYHEW, 1974), esses partidos buscam a reeleição de seus membros no Congresso. Para isso, eles precisam aprovar projetos de lei que favoreçam o seu eleitorado. A aprovação de projetos de lei ocorre no Poder Legislativo, onde devem passar pela aprovação da Câmara dos Deputados e do Senado. Figueiredo & Limongi (2001) encontram uma dominação importante do Executivo sobre a agenda das atividades do Legislativo. Batista (2014) confirma que, entre 1990 e 2010, 75% dos projetos de iniciativa do Executivo tiveram aprovação no Congresso, e que do total de leis aprovadas no Brasil, 75% tiveram origem no Executivo.

A dominação do Poder Executivo sobre a agenda do Legislativo deixa pouca margem de manobra para projetos de iniciativa dos deputados, ou seja, com origem no próprio Congresso. Dessa forma, partidos membros da coalizão que buscam a reeleição favorecendo seu eleitorado precisam incluir nos projetos de lei de origem do Executivo emendas que

favoreçam seu eleitorado. Com esse mecanismo, os partidos buscam garantir benefícios distributivos para seus eleitores e garantir a reeleição de seus membros.

Se por um lado comprovamos que o Executivo é compartilhado entre diversos atores, falta-nos agora qualificar o grau dessa fragmentação. Os estudos em geral utilizam índices de distância ideológica entre os partidos da coalizão para dar conta da divisão do Poder Executivo (MARTIN & VANBERG, 2011, 2014; BATISTA, 2014; BATISTA & INÁCIO, 2015), obtidos a partir dos pontos ideais de partidos. A distância ideológica entre partidos no Executivo brasileiro, de acordo com dados de Zucco & Lauderdale (2011) e Batista (2014), variou bastante: crescente à medida que a complexidade da coalizão aumentava, como é possível observar no Gráfico 1.

Figura 2 - Dispersão ideológica das coalizões presidenciais no Brasil (1990-2010)

Fonte: elaboração própria

A distância ideológica é obtida a partir dos dados de Zucco & Lauderdale (2011), em que os autores estabelecem pontos ideais para os maiores partidos com representação no Congresso em um espectro unidimensional entre -1 e 1. Aqui foi estabelecida a distância euclidiana15 da posição dos partidos com relação ao partido presidencial e, de acordo com a composição dos gabinetes (ver Quadro 1), foi feita a soma e a média das distâncias

ideológicas de cada coalizão16. O lado esquerdo da Figura 2 deve ser lido pelas barras, que se refere à soma das distâncias de cada coalizão, enquanto o lado direito deve ser lido sobre a linha preta, que se refere à média das distâncias de cada partido17.

Temos assim um mecanismo que evidencia duas fontes de pressão sobre o processo no Executivo. Por um lado, o partido presidencial, eleito pelo sistema majoritário para o cargo da presidência, respondendo a um certo eleitorado e a grupos de interesse específicos, além do próprio partido. Por outro, temos os partidos da coalizão, eleitos pelo sistema proporcional no Legislativo, em que cada partido especificamente, da mesma forma que para o partido do presidente, sofre pressões de eleitorados específicos, de outros grupos de interesses e de seus partidos. O que importa é que as duas forças que atuam no governo, o partido do presidente e os partidos da coalizão, devem ter algum tipo de influência no processo decisório do Executivo.