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3.4 Síntese do Referencial Teórico Utilizado

3.4.1 Premissas e Características do Argumento Teórico

Nesta subseção será melhor delineado o argumento do trabalho, de acordo com os pontos levantados no Quadro 3, com o intuito de desenvolver as hipóteses que levantamos. Boa parte da explicação que construímos tem como marco teórico o neo-institucionalismo de escolha racional. Os atores são racionais, portanto, buscam maximizar suas preferências. De acordo com os pressupostos estabelecidos por Downs (2013 [1957]), as preferências dos agentes, tomados individualmente, devem conter duas características principais: completude e transitividade. Em posse de seus interesses, os agentes buscam atingi-los de alguma maneira. Tal pressuposto não se aplicaria aos atores coletivamente (ARROW, 1963; OLSON, 2015 [1965]), o que causaria justamente o problema de ação coletiva típico das coalizões, conforme demonstrado por Martin & Vanberg (2011). Regras e arenas de decisão – instituições – contribuiriam para gerar equilíbrios e organizar a ação coletiva.

Outra característica advém da incerteza sobre as consequências das decisões tomadas. Isso se deve ao fato de que as decisões dos atores são tomadas em cenário de incerteza, em que predomina a assimetria informacional entre os agentes. Nesse sentido, os atores podem fazer usos estratégicos de informações privilegiadas, favorecendo interesses minoritários ou personalistas. Embora as propostas tenham que ser aprovadas por uma maioria, atores com interesses escusos podem ocultar informações, convencendo os demais atores em prol de suas

propostas. O pressuposto da incerteza indica, dessa forma, algumas estratégias que os atores podem adotar.

Temos assim dois pressupostos importantes: o pressuposto da racionalidade e o pressuposto da incerteza. Quais são os atores? A priori, seriam apenas ministros. Afinal, somente ministros estão envolvidos na decisão. Porém, o contexto em que os ministros se encontram, de presidencialismo de coalizão, obriga a envolver mais atores, presentes de forma indireta no processo decisório. Nesse contexto, os atores estão, em um primeiro momento, em relação de principal-agente com o presidente da República. O presidente escolhe os ministros e delega a autoridade sobre as decisões, de acordo com as normas constitucionais. Dessa forma, a preferência do presidente deveria prevalecer, visto que os ministros são seus agentes. A questão é que os ministros não são somente agentes do presidente, visto que obedecem também a partidos que não são necessariamente os mesmos. Nesse sentido, a orientação de interesses que devem ser privilegiados na arena de decisão pode também ser influenciada pelas preferências dos partidos da coalizão, tendo em vista que eles são principais para os ministros. Nesse sentido, temos três atores que importam para as decisões em nosso argumento: 1) ministros; 2) presidente; e 3) partidos da coalizão.

Quais seriam as arenas de decisão? Temos, a priori, duas arenas em que as preferências dos atores podem ser evidenciadas: o GECEX e o Conselho de Ministros. No GECEX, as decisões são tomadas e produzem efeitos, porém, com uma revisão a posteriori das resoluções pelo Conselho. Caso os ministros se oponham às decisões do GECEX, eles rejeitam a decisão, anulando seus efeitos. De acordo com as atas analisadas, nenhuma das resoluções do GECEX foi rejeitada pelo Conselho. A composição do GECEX é, essencialmente, de secretários- executivos de ministérios e outras agências do Poder Executivo que já elencamos no capítulo 2. As decisões do GECEX são tomadas por consenso entre seus membros; quando não há consenso, cabe ao Conselho decidir por maioria. Ou seja, imaginamos que o GECEX conhece as preferências dos ministros e dificilmente irá propor alguma medida que vá ao encontro dos interesses dos membros do Conselho. O próprio conflito de interesse do GECEX deve, de certa forma, refletir algum conflito que estaria presente no próprio Conselho. Portanto, a arena de decisão que nos interessa é o Conselho de Ministros.

Quais as estratégias dos atores no Conselho? Os ministros propõem as medidas que serão avaliadas pelos membros do órgão e buscam convencer os demais de suas intenções. Sabemos que suas decisões não são desprovidas de interesse: o ministro pode atuar a favor de um dos seus dois principais, o presidente ou seu partido. Se a proposta for de encontro ao

interesse do presidente, este pode tentar controlar a decisão: ordenar os demais ministros para votar contra aquela medida ou, radicalmente, cancelar a autoridade delegada à Camex e retomar o processo decisório para si. A atividade de controle sobre as decisões do Conselho, porém, não é sem custo para o presidente, pois pode gerar conflitos com os demais atores envolvidos, os ministros e seu partido. O presidente deve, portanto, adotar medidas menos custosas para tentar controlar iniciativas de ministros que possam divergir de seus interesses. Uma delas é dotar o Conselho de Ministros com membros que sejam favoráveis às suas preferências. A Camex atuaria, dessa forma, como uma instituição de controle do presidente. Os membros com posições ideológicas mais próximas das do presidente tenderiam a se opor a propostas de membros mais radicais. Martin & Vanberg (2011, 2014) haviam pensado em algo parecido quando analisam a atuação do Poder Legislativo sobre propostas de partidos da coalizão que formam o gabinete em sistemas parlamentaristas multipartidários. Da mesma forma, Batista (2014) verifica que instituições do próprio Poder Executivo, como a Casa Civil, atuam para vigiar e tentar controlar a influência de partidos que formam o governo no presidencialismo de coalizão brasileiro.

Por que não podemos imaginar que somente ministros e seus partidos estão envolvidos no processo decisório? Por que as preferências do presidente contam para o problema proposto neste estudo? Primeiro, as decisões de qualquer natureza do Executivo são de responsabilidade do presidente. A escolha do presidente e seu papel como principal no gabinete deve-se à maneira como ele é inserido no governo de coalizão; sua escolha é exógena à negociação de formação do gabinete, tendo em vista que é eleito de forma direta pelo sistema majoritário. Portanto, sobre qualquer modelo de decisão do Executivo, suas preferências devem contar. Segundo pelo fato do partido presidencial ser o formateur do gabinete: mesmo que não obtenha cargos no Legislativo ou não obtenha assentos proporcionais ao número de postos ministeriais que recebe, o partido presidencial será representado no Executivo e constituirá um ator importante em qualquer decisão do governo.

O argumento que se defende aqui, portanto, é de que a Camex seria uma instituição pelo intermédio da qual a Presidência tenta controlar a influência de partidos da coalizão governamental em matéria de comércio exterior. A participação do presidente, no desenho institucional da Camex para os anos analisados (2001-2010), se dá de forma indireta, via ministros de seu partido ou via ministro-chefe da Casa Civil, membro permanente do Conselho. Ministros cuja filiação partidária seja mais próxima ideologicamente do partido presidencial tenderiam a ter suas propostas aprovadas, enquanto que ministros com posições

ideologicamente mais distantes tenderiam a ter mais propostas rejeitadas. Haveria, portanto, alguma influência da distância ideológica dos partidos sobre o êxito dos ministros no Conselho da Camex.