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3. DISCUSSÃO GERAL E CONCLUSÕES

3.1.4. Preferências dos profissionais de saúde

No quarto estudo, discutiram-se, à luz do modelo PEPPA (Lukosius et al, 2004; Canadian Nurses Association, 2006), as preferências dos médicos e enfermeiros portugueses, a trabalhar em contexto de USF modelo B, sobre a expansão do campo de exercício dos enfermeiros de CSP, tendo em vista melhorar o desempenho da equipa de saúde na resposta às necessidades assistenciais da população.

Apesar das limitações decorrentes da técnica utilizada e do número de grupos focais realizado, que não representou todas as regiões de saúde e que poderá ter sido insuficiente para esgotar as perceções sobre o tema, os resultados sugeriram que a reforma dos CSP é percebida, pelas equipas de saúde, como tendo modificado os paradigmas de relacionamento. Os resultados sugeriram ainda que, no modelo de trabalho que sustenta o funcionamento das USF, tende a existir um ambiente favorável à atribuição de papéis clínicos mais vastos ao enfermeiro de CSP, conforme havia sido indiciado no primeiro estudo desta investigação.

Verificou-se, contudo, que a opção pela expansão do campo de exercício da profissão de enfermagem não reúne unanimidade, por ser percebida, por alguns médicos e enfermeiros, como desajustada e iníqua (v.g., no país não há carência de força de

134 trabalho médica e apenas desequilíbrio na sua distribuição; as competências da profissão de enfermagem não se encontram suficientemente exploradas; remunerar diferentemente o mesmo nível de responsabilidade é incorrecto). O gap de necessidades assistenciais não satisfeitas pelo atual modelo de prestação pareceu não ser transversalmente compreendido, merecendo referência relativamente limitada nas preocupações manifestadas por algumas equipas, centrando-se o seu enfoque mais na oferta do que na procura (Nelson et al, 2014); ponderou-se que esta circunstância tende a adiar o reforço de modelos colaborativos de cuidados, na medida em que médicos os interpretam como uma ameaça ao seu território profissional e enfermeiros como uma contradição face ao seu volume de trabalho e foco no cuidar.

A experiência em sistemas de saúde onde a atribuição de funções clínicas mais vastas ao enfermeiro de CSP se encontra instituída emergiu como fator predisponente para encarar favoravelmente essa opção, em linha com os resultados de outros estudos (Schadelwaldt et al, 2013). A existência, no terreno, e por iniciativa das equipas de saúde, de novas formas de distribuição do trabalho para melhorar a resposta às necessidades da população (v.g., seguimento de grávidas de baixo risco, realização de algumas técnicas de diagnóstico e tratamento) surgiu como confirmação de que muitas mudanças nos papéis profissionais acontecem incrementalmente (Dubois et al, 2006), aspeto que também havia sido referido no segundo artigo desta tese, referindo-se a vantagem de as conhecer e avaliar.

Os resultados dos grupos focais mostraram também que as equipas de saúde identificaram vários problemas que, no contexto português, a opção pelo alargamento dos papéis clínicos do enfermeiro de CSP teria que enfrentar. A necessidade de dotar os enfermeiros de família com formação específica para trabalhar com mais segurança e qualidade todos os programas da área da saúde geral e familiar foi merecedora de amplo consenso, tendo-se discutido a circunstância de esta perceção das equipas reiterar as conclusões dos autores que identificaram a confiança nas competências mútuas como uma das principais alavancas para uma maior colaboração entre médicos e enfermeiros (Schadelwaldt et al, 2013).

Finalmente, os resultados dos grupos focais revelaram que as equipas de saúde identificaram vários papéis que o enfermeiro de CSP poderia assumir mas a perceção sobre a adequação de cada um foi muito variável, com profissionais de saúde a

135 posicionarem-se diferentemente entre as USF e dentro da mesma USF. A necessidade de sustentar as eventuais mudanças num enquadramento normativo claro e em protocolos de trabalho foi especialmente sublinhada, revelando preocupações semelhantes às sentidas em outros sistemas de saúde onde a expansão dos papéis da profissão de enfermagem se encontra numa fase mais avançada (Buchan et al, 2004). Face aos resultados encontrados, considerou-se que importa avaliar os futuros impactos das experiências-piloto para a implementação do enfermeiro de família e da atribuição da especialidade de enfermagem de saúde familiar.

A análise da exequibilidade de uma revisão da combinação de papéis profissionais entre médicos e enfermeiros em Portugal, pela via da expansão do campo de exercício da enfermagem, revelou que: i) em termos de aceitabilidade social, apesar de não existir consenso suficiente sobre se uma opção deste tipo é adequada ao contexto português, algumas áreas assistenciais, como os CSP, indiciam um maior potencial de acolhimento; ii) em termos de exequibilidade legal, salvo nos atos de reserva médica absoluta, há espaço normativo para uma redistribuição do trabalho entre médicos e enfermeiros, na medida em que muitos atos são considerados exclusivos da área médica meramente por força de práticas instituídas; iii) em termos de processo político, embora as iniciativas identificadas no estudo de caso não sejam diretamente transponíveis, uma liderança forte da estratégia, uma clara compreensão dos objetivos a alcançar e uma visão de longo prazo para o sistema de saúde surgem, potencialmente, como elementos críticos do sucesso; iv) em termos de preferências dos profissionais de saúde, enquanto algumas equipas de saúde familiar se distanciam da adequação da opção ao contexto português, outras percecionam as necessidades assistenciais não satisfeitas como justificativas da atribuição de papéis clínicos mais vastos à enfermagem de CSP, o que mostra diferentes disponibilidades para o reforço de modelos colaborativos de cuidados.

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