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2. METODOLOGIA

3.6 Preparação Teatral e Stanislavski

Os dados aqui classificados apontam que os cantores, ainda que não tenham tido nenhuma disciplina específica em seus cursos de formação, utilizam técnicas do teatro para a construção dos personagens. Isso está aliado ao fato de que os cantores entrevistados buscaram uma formação teatral,l em paralelo ao curso de canto, ou tiveram contato com o teatro. Dois deles, em especial, eram atores antes de se tornarem cantores, conforme os relatos a seguir.

Meu ponto forte era a parte teatral. Fui estudar canto por conta do teatro; eu era ator profissional, trabalhei como ator profissional em São Paulo e foi em uma época que começou a acontecer os musicais (JOSÉ).

Quando trabalhava em Fortaleza tinha um coro com um lado cênico muito forte. A gente não estudava teatro, mas todos os espetáculos que o grupo da gente fazia, porque não era um coro que fazia só apresentações, a gente fazia sempre shows. Depois que eu comecei a estudar canto lírico, a gente tinha o Ópera Studio na Escola de Música, a gente tinha alguma preparação e depois no meu mestrado, fazia parte do currículo do curso realmente toda a parte de corpo, movimento, atuação para a ópera e tudo que tinha relação com a parte teatral de ópera (LUCIANO).

Fiz um cursinho aqui com o Plínio há muito tempo atrás, mas foi bem iniciação mesmo. Depois morei no Rio e fiz alguns cursos na CAL, cursos livres que formam muito bons pra mim, mas foi muito tentativa e erro mesmo, desde o início (LUCIA). Sempre busquei fazer teatro junto com o de canto. Eu sempre fui procurar algo que me levasse mais (TIZZIANA).

Como fiz teatro na adolescência, sempre tive envolvida com teatro, eu sempre faço aquele briefsinho de criar uma personagem: onde ele nasceu, como é a família dele, qual a história de vida dele até aquele momento em que a ópera começa. Também penso no gestual que hoje eu aprendi partituras corporais que o Grotowski fala, então penso sempre num gesto que tenha a ver com o personagem (MARIA).

Por conta disso, foi comum ouvir em seus relatos a relação entre as suas construções e as técnicas advindas do sistema de Stanislavski. Relacionado a isso, emergiu de um dos relatos, a expressão “memória emotiva”, como também as partituras corporais de Grotowski e que, portanto, torna a reflexão de tais dados pertinente para a pesquisa.

Assim,José atribui suas práticas, enquanto cantor e enquanto professor, ao sistema de Stanislavski. Portanto, com base nisso, prioriza a construção da personagem baseada na criação, por parte do intérprete, de uma história de vida que antecede a história vivida na ópera, com o intuito de aprofundar a relação do artista com o personagem, de dar respaldo psicológico.

Pois é, existem uma série de métodos. O “método” Stanislavski é um deles e é o que procuro seguir. Eu trabalhei inclusive, na época que estava estudando, com Eugenio Kuznet, que foi um dos discípulos de Stanislavski. Então ele tinha vários processos pra você construir um personagem. Primeiro você constrói esse personagem intelectualmente, vamos dizer. Você define as características, você define a história dele, você define o passado dele. Porque ele está vivendo um momento, mas esse momento ali do palco tem que carregar toda uma história que ele existiu, como personagem, mas existiu. Existe todo um processo intelectual antes de análise, de construção do personagem. Como o próprio Stanislavsky “a construção do personagem”. Você constrói a história dele para chegar naquele momento. Se você está no palco e isso foi bem construído, tua reação vai ser natural. E existem exercícios para isso. Existem uma série de exercícios que provocam reações em você que são inerentes a um personagem que você construiu (LUCIANO).

Tizziana relata algo semelhante, quando discorre sobre sua preparação para qualquer personagem em ópera e confirma que este método lhe dá respaldo psicológico, conforme pode ser constatado abaixo:

Então voltando para Mozart... As mulheres de Mozart nunca são fracas. Nenhuma personagem é fraca. Já os homens não, é cheio de homem fraco e com vício, e frágil e que quebra... Já as mulheres é difícil achar uma que não seja tenaz. Então isso te dá assim, quando você vai fazer Mozart sabe que vai...estar respaldada psicologicamente (TIZZIANA).

A respeito da memória emotiva, Lucia comenta que suas práticas profissionais a fizeram perceber que há dois caminhos. O primeiro é criar os gestos, a partir de uma emoção, e o segundo, criar uma emoção a partir de um gesto, conforme comentário a seguir:

(...) Mas algumas vezes você tem que criar. Estava lendo um pouco sobre Stanislavski sobre essa coisa de "é a emoção que vai fazer você fazer os gestos, ou é o gesto que vai fazer você chegar à emoção?” Ele falava muito da memória emotiva que você pode acessar isso, mas caso não tenha, você pode trabalhar através do gesto e fazer essa emoção chegar até você. Então,as vezes eu também faço isso (LUCIA)

A partir dos contextos apresentados por meio desses relatos, mesmo que com peculiaridades particulares inerentes a cada pessoa, foi possível perceber a presença de um conhecimento comum entre um coletivo de cantores. O foco dado para uma preparação de um cantor para algum personagem, normalmente será sempre da mesma maneira, mas não significa que é o certo ou o errado. É apenas o processo que tem mais significado ou que de alguma forma permite superar certas dificuldades.

Porém, algo que sempre está presente nas rotinas dos cantores é a relação com o texto e seu significado. É a partir do texto que os gestos e as emoções irão aflorar. Mesmo que Luciano e José prefiram iniciar sua preparação vocal antes de tudo, é por meio do significado do texto que irão dar vida aos seus personagens. É a partir do texto da ópera que Tizziana irá buscar respaldo psicológico e base para seus gestos. É por meio do texto musical que Maria e Lucia irão “dar cores para a voz”. E isso coaduna com os argumentos de Lucca (2011) sobre a importância de se conhecer o texto e o subtexto, e da mesma forma, com os objetivos e super objetivos de Stanislavski. Texto e subtexto são, portanto os primeiros passos para a integração entre os elementos da técnica vocal e da expressão cênica.