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Preparo dos profissionais de saúde quanto aos temas da

5.4 PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO EM SAÚDE PARA

5.4.1 Preparo dos profissionais de saúde quanto aos temas da

Já é conhecida a dificuldade dos profissionais de saúde e da mulher em situação de violência em encontrar soluções para o enfrentamento do problema. Pesquisas no âmbito do PSF mostram o despreparo e a impotência do profissional diante do problema associado à falta de tempo, de recursos, de medo, entre outros, como inibidores das iniciativas de solução (Schraiber 2003, D’Oliveira 2009; Oliveira, 2011).

Para que a intervenção em saúde aconteça, as atividades dos profissionais devem incorporar a violência como objeto de trabalho, garantindo a aproximação para sua transformação. É importante definir os

instrumentos materiais e os saberes a serem mobilizados no cotidiano a fim de definir as ações profissionais, fluxos, atividades, protocolos e formas de interação com a equipe de trabalho, tudo com vistas ao fortalecimento das mulheres e à emancipação de todos os envolvidos, incluindo os profissionais (D’Oliveira et al, 2009).

Essa ação deve estar articulada com a administração dos serviços a fim de proporcionar capacitação continuada para todos os integrantes. A partir disso, os registros e notificações assumem caráter rotineiro incorporados às ações do serviço, conferindo visibilidade ao fenômeno.

A capacitação profissional pode utilizar práticas educativas emancipatórias, agregando tanto as reflexões sobre a violência, como também a construção de saberes voltados à determinação social do processo saúde-doença preconizados pelo SUS. As instituições públicas desenvolveram suas práticas educativas centradas no modelo biológico do processo saúde-doença. Esse modelo condicionou suas ações à mudança do comportamento dos indivíduos tido como inadequado, mediante prescrição de medicamentos e condutas. Mesmo utilizando palestras como atividades educativas, a ideia de que a doença se deve, principalmente, à falta de cuidado e desleixo, deixa no usuário do serviço de saúde um sentimento de culpa pelo problema que apresenta. Dessa forma, as práticas educativas servem para manter a dominação exercida pelos serviços de saúde, limitando-se à transmissão de informações com caráter coercitivo, autoritário e prescritivo, apesar da clara intenção de melhorar a qualidade de vida dos usuários (Chiesa, Veríssimo 2001).

O entendimento do processo saúde-doença baseado na concepção da educação emancipatória permite uma compreensão não fragmentada da realidade, desprendendo dos laços de dominação, possibilitando articular os conceitos de saúde à realidade social, indispensável na visão da determinação social do processo saúde-doença (Fonseca, 2005b).

Relatando experiências com oficinas na área da saúde, Chiesa e Westphal (1995) elencaram as possibilidades educativas das oficinas como espaço que permite: a construção de processo pedagógico que resgata o

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direito à saúde como bem inalienável, instrumentalizando os participantes como sujeitos sociais a interagirem com as instituições e vice-versa; a promoção de uma relação horizontal e dialógica entre profissionais e clientela permeada pela confiança; o estabelecimento de processo educativo, terapêutico e emancipatório no sentido de decodificar as informações científicas, mesmo para uma clientela de leigos, fornecendo elementos essenciais para melhor compreensão da situação vivenciada; a construção de projeto educativo dialético, discutindo o fenômeno, articulando-o às diversas dimensões da realidade.

A utilização de Oficinas de Trabalho neste estudo permitiu por parte da pesquisadora conhecer as percepções de profissionais e usuários do SUS quanto à violência e a notificação de violência contra a mulher, mas também permitiu que o método fosse eleito pelos participantes como eficaz para a capacitação de profissionais e usuários quanto à compreensão do fenômeno da violência contra a mulher, incorporando a notificação compulsória como forma de enfrentamento, além de permitir uma conjunção entre investigação e intervenção.

Os relatos a seguir foram expressos de forma individual no momento final da Oficina de Trabalho, revelando o impacto que o conteúdo apresentado causou nos saberes dos participantes.

Essa oficina foi um divisor de águas. Vimos que a nossa região não tem notificação nenhuma. Eu acho que a partir de agora vão surgir notificações, notificações, notificações...

Eu acredito que a oficina também trouxe pra gente uma mudança do nosso olhar e a diminuição dos pré-conceitos que a gente tem, como profissionais de saúde. [...] Acredito que nós vamos sair daqui mais abertos a novas mudanças, a um novo olhar. [...] A violência existe e até hoje estávamos com uma visão em outras atividades, em outros momentos, e agora vamos ter um olhar também para a violência, acho que isso é muito importante. Estou escalada agora na sala de Papanicolaou. Lá faço uma entrevista, escuto histórias e muitas vezes as mulheres chegam ali com histórias gritando pra você. [...] As mulheres me falavam os casos e eu via de outra maneira. Poxa vida, ela está aqui eu não a conheço, muitas era a primeira vez que me via, e falavam coisas tão íntimas da vida delas... Então realmente quando eu entrei aqui [Oficina], eu não tinha essa visão da notificação, confundia

também, entendeu? Achava que era uma ação conjunta com a polícia. Hoje eu vejo a importância da notificação. E como eu disse mesmo, ampliou o conhecimento. [...] Muitos de nós também vivemos isso na nossa pele. Mas hoje, a gente vê que é um passo que está sendo dado pra que haja uma mudança e é muito gratificante pra gente, saber que estamos fazendo parte disso.

A Oficina de Trabalho, também, foi avaliada enquanto método à medida que incorporou ações organizadas, atendendo à finalidade proposta, executadas pelos próprios profissionais e usuários sobre a questão da violência contra a mulher e a notificação, empenhados num objetivo comum: conhecer e dar visibilidade ao fenômeno, além de propor ações para intervenção. Nos discursos individuais foi possível confirmar essa questão:

Gostei do formato das oficinas. Quando a gente ouve assim, vamos participar de uma pesquisa, parece ser um negocio chato, você não sabe o que vai acontecer, mas foi um ambiente gostoso. Conhecemos outras pessoas, eu revi outras que já conhecia, e a gente foi amadurecendo o tema, foi realmente construindo junto. Acho que também foi bem interessante termos tantos profissionais, não só os enfermeiros, pessoal do NASF, mas também os agentes comunitários, os usuários, pois é uma perspectiva do pessoal que vive aquela realidade ali, de forma integral. Porque eles são da área e eles vivem ali no ambiente social.

Acho que foi legal a participação de outras pessoas [...] não somente os que são funcionários da unidade, porque também na comunidade essas pessoas têm uma certa influência, são consultadas, são conselheiros das pessoas da comunidade, e às vezes já vão voltar com um olhar diferenciado, mais aguçado pra esse tipo de situação [...]. É mais uma pessoa para estar orientando ou direcionando, até para os conselhos de saúde, pra mostrar uma luz no final do túnel.

Acho que foi muito feliz toda a forma como foi processada a informação. Precisamos de um tempo pra processar, é uma informação pesada, um conteúdo difícil que a gente não quer ficar resgatando o tempo todo. Acho que o fato de ter tido esse espaço separado, em dias diferentes, da forma leve como foi passada, feito através de dinâmicas, que discutimos em grupo, então isso trouxe uma reflexão de uma forma mais leve, mas sem tirar a profundidade do assunto.

A Oficina de Trabalho garantiu a conquista e o compartilhamento das informações finalizadas pela tomada de decisão em prol da mudança. Pelo fato de ser apenas um grupo representativo, indicaram a oficina como método eficiente e eficaz a fim de transmitir saberes aos outros elementos

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das ESF/UNASP e usuários, garantindo através dela a ampliação das ações de enfrentamento da violência contra a mulher no Distrito do Capão Redondo. Pode-se verificar isso nas falas individuais:

Eu fico feliz e fico triste. Fico feliz porque a gente passou por isso aqui. Digerimos isso com calma e estamos saindo daqui com essa vontade de notificar, de mostrar e de encontrar esses casos. Mas quando chegamos na unidade, é muito diferente! A gente debate com profissionais que não estão nem um pouquinho a fim de fazer isso, porque têm as mesmas ansiedades que a gente tinha no primeiro dia que chegamos aqui. Hoje, estamos completamente mudados. Só que gostaríamos que as pessoas que estão lá estivessem pensando como estamos pensando hoje. Então, se todos pudessem passar por essa sensibilização, por esse processo que foi lento, que foi gradual, mas que todo mundo aqui passou, seria muito bom.

Colocamos muitas vezes no grupo a necessidade de capacitação e sensibilização do profissional. [...] Então acho que precisa ser pensado o quanto antes, pra não perdermos esse impulso e aproveitar talvez até o método que foi bastante feliz, porque nós não nos sentimos pressionados. [...] a abordagem foi tão leve, foi tão bem pensada, que eu acho que vale a pena reproduzir.

5.4.2 A construção de uma rede estruturada para o enfrentamento da