• Nenhum resultado encontrado

6 AS PREPOSIÇÕES PORTUGUESAS

6.1 A PREPOSIÇÃO DE E A LOCUÇÃO PREPOSITIVA LONGE DE NA EXPRESSÃO DO AFASTAMENTO

6.1.1 A preposição de

A preposição portuguesa de provém da preposição latina de, portanto, essa forma se manteve na passagem para o português, ocorrendo, entretanto, mudanças semânticas.

Na língua portuguesa, a preposição de, além de substituir o ablativo, substituiu também o genitivo, como se pode observar nos exemplos abaixo (SAID ALI, 2001, p. 155): a) genitivo subjetivo: amor matris > amor de mãe;

b) genitivo objetivo: amor patriae > amor da pátria; c) genitivo possessivo: domus Regis > casa do rei;

d) genitivo especificativo: virtus abstinentiae > virtude da abstinência; e) genitivo de qualidade: homo magni ingenii > homem de grande talento; f) genitivo partitivo: muitas das casas;

g) genitivo de quantidade, peso, medida e grandeza: multidão de homens, libra de carne,

fossa quindecim pedum > vala de quinze pés;

h) genitivo de idade: puer decem annorum > menino de dez anos. Esse genitivo também ocorre no corpus em apreço, como nos exemplos seguintes:

[...] e em ydade de trinta e sete annos tinha ja na barba e na cabeça muytas cãas [...] (GR,

p. 137, l. 14);

E sendo o principe de ydade de quinze annos ho casou com a senhora Dona Lianor d’Alemcrasto, [...] (GR, p. 152, l. 102; 103);

[...] ganhou muyto grande louvor sendo em hidade de dezesseis annos. (GR, p. 153, l. 151).

M. Brea (1985, p. 164) afirma que a preposição de, nas línguas românicas, além de desempenhar as funções que já exercia na língua latina, serviu também para expressar o

genitivo latino, salvo no romeno que o conservou em certa medida. De acordo com P. Bec (1970, p. 97), o romeno desenvolverá uma nova flexão para marcar a relação de posse (ex.: rom. casa vecinului, ‘a casa do vizinho’).

M. Bassols de Climent (1956, p. 255) observa que o uso dessa preposição na língua latina não é clássico com os genitivos subjetivo e objetivo.

Enquanto o latim emprega o ablativo sem preposição ou com ex para indicar a matéria, o romance utiliza a preposição de, como se verifica nos exemplos seguintes: la

croce (fu fatta) di ferro; la maison (est bâtie) de bois; el Jersey de lana. O mesmo acontece

quando se trata de expressar a passagem de um estado a outro, como nos exemplos: fare d’amante amico; hacer de tripas corazón (MEYER-LÜBKE, 1900, p. 523; BREA, 1985, p. 163).

Outro uso que também é encontrado da preposição de é como complemento de modo. Essa significação decorre da idéia de ponto de partida, assim como, do sentido da razão de ser de uma ação, já existindo esse emprego no latim, como por exemplo, de plano ‘completamente’, de longo ‘desde há muito tempo’, de improviso ‘de improviso’, de

integro ‘corretamente’, ‘na íntegra’ etc. Porém, em todos os domínios românicos, esse uso

expandiu-se em proporção bastante considerável, tendo como resultado, na maioria dos exemplos, locuções adverbiais, tais como, em rom. de greu, em ital. di subito, em fr. de

présent, em gal. dabondo, em esp. de lleno, em port. de certo, de leve, de manso etc.

Outras características dessa preposição ressaltadas por M. Said Ali (2001, p. 155- 157) são:

a) essa preposição é usada antes de substantivos, mas também antes de adjetivos (ex.: E

nisto, de mimosa, o rosto banha em lagrimas (Camões, Lus. 2, 40));

b) em português antigo ou na linguagem da Renascença, numa construção com o verbo na passiva, o agente da passiva era acompanhado pela preposição de, fazendo com que esse conceito de agente pudesse se confundir com os de causa e meio (ou instrumento). O autor chama atenção por esse emprego ser diferente do que é encontrado hoje: raramente se encontra a preposição de acompanhada do agente da passiva, mas a preposição por, que, no português antigo, não tinha esse uso como preferencial (ex.: Não consente que em terra tam

c) alguns verbos transitivos como encher, adornar, guarnecer, rodear, cercar, cobrir etc. aceitam construções com um sujeito e um objeto direto e construções que pedem além do sujeito animado e do objeto direto, “um termo denotador daquilo com que se preenche ou põe em efeito a ação”, que seria um segundo complemento. Ex.: As flores adornam a sala seria um exemplo da primeira construção e As crianças adornam a sala de flores seria um exemplo da segunda construção. Dessa forma, surgiu a concorrência com a preposição com, já que a segunda construção poderia ser reescrita em As crianças adornam a sala com

flores, dando uma idéia de meio ou instrumento;

d) em construções com verbos como defender, guardar e adjetivos de significação cognata,

de exprime o desvio da iminência do perigo, podendo equivaler a contra (ex.: Os Naires sós são dados ao perigo das armas, sós defendem da contraria banda o seu rei (Camões, Lus. 7, 39));

e) a preposição de assinala o ponto de partida no tempo, mostrando o instante desde quando algum acontecimento perdura, o que a faz sinônima das preposições des e desde com sentido temporal (ex.: Erão na corte dous mancebos Fidalgos que Elrey criara de moços (Zurara, Inéd. Port. 3, 277));

f) a locução de si pode ter as seguintes acepções: ‘sem causa exterior’, ‘sem influência vinda de fora’, ‘espontaneamente’ e algumas vezes de ‘pessoalmente’ (ex.: Estando no

altar, em quanto se disse a missa, arvorada huma bandeira da Cruz da Ordem da Cavallaria de Christo, que no fim da missa o mesmo Bispo benzeo, e de si Elrey a entregou a Pedralvares Cabral (Barros, Déc. 1, 5, 1)).

M. Brea (1985, p. 165) acrescenta mais uma característica dessa preposição, que não se encontra presente dentre as citadas por M. Said Ali: consiste em nomes próprios ou designações pessoais se unirem a um substantivo ou adjetivo que expressa freqüentemente um ‘sentimento de lástima’ou ‘desprezo’ e, às vezes, ‘um elogio’ através do uso da preposição de em expressões como: il cattivello di Calandrino; la coquine de Toinette; el

6.1.2 A locução prepositiva longe de

A locução prepositiva longe de é proveniente da junção do advérbio longe, que tem no seu sentido de base a idéia de ‘distante’ com a preposição indicadora de ‘afastamento’

de. Nessa composição, tanto o advérbio como a preposição, em seu sentido de base,

indicam ‘afastamento’. Há, portanto, nesse caso, uma recategorização do advérbio, ao passar a compor uma locução prepositiva.

6.2 A PREPOSIÇÃO EM E A LOCUÇÃO PREPOSITIVA DENTRO DE NA